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Arábia Saudita investe na indústria do entretenimento

O reino saudita está apostando em uma economia que vai além do petróleo ao abrir espaço para a arte no país

Por Ben Hubbard
Atualização:

RIYADH, Arábia Saudita - As luzes se apagam, o maestro emerge e a casa praticamente cheia o aplaude diante da orquestra. Então as luzes são acesas e o elenco aparece no palco vestindo trajes árabes históricos.

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"Meu amor, fale comigo em um poema", canta uma vocalista feminina no início de uma ópera sobre racismo, guerra e amor. O assunto era incomum, e o fato do show estar acontecendo na conservadora capital da Arábia Saudita foi notável. A produção de "Antar e Abia" era parte de um esforço do governo saudita em criar - do nada - um setor de entretenimento para 29 milhões de pessoas.

A Arábia Saudita é conhecida há muito tempo como um dos países mais conservadores do mundo, onde a polícia religiosa aplica códigos sociais rigorosos e as mulheres cobrem seus corpos e, muitas vezes, seus rostos em público. Os shows e o teatro foram em grande parte banidos, e até a noção de diversão era frequentemente desaprovada como não islâmica.

Agora o reino está sendo iluminado com festivais de quadrinhos, apresentações de dança, shows e corridas de monster trucks. O guru da música New Age, Yanni, se apresentou lá em dezembro, assim como o rapper americano Nelly (para uma plateia exclusivamente masculina). O astro do pop egípcio Tamer Hosny vai se apresentar neste mês, embora seus fãs sejam impedidos de dançar. O Cirque du Soleil fará sua estreia na Arábia Saudita neste ano (com roupas menos atrevidas do que as usadas em outros lugares). E empresas internacionais estão assinando acordos para operar cinemas em todo o país.

Essas mudanças estão entre as que o príncipe herdeiro Mohammed bin Salmanis mostra quando corteja os investidores americanos. O impetuoso príncipe Mohammed, 32, é herdeiro do trono saudita e está buscando reorientar a economia para longe do petróleo, ao mesmo tempo que torna a vida mais agradável para os sauditas. Autoridades dizem que o entretenimento vai ajudar ambas as frentes. 

A lógica é que os sauditas que gastam bilhões de dólares a cada ano em entretenimento no exterior, em vez disso, permanecerão no reino para se divertirem, criando empregos muito necessários. A maioria dos sauditas que têm emprego trabalha para o governo.

Um evento, cujo tema foi Hollywood, uniu homens e mulheres para ouvir música ao vivo em Khobar, na Arábia Saudita. Foto: Tasneem Alsultan/The New York Times

O estímulo também é útil politicamente. Desde a sua aparição, há três anos, o príncipe Mohammed subiu ao topo da estrutura de poder saudita enquanto destroçava os pilares tradicionais.

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Ele reduziu o sistema religioso tirando o poder da polícia religiosa de prender pessoas, e silenciando clérigos que se opõem a suas reformas sociais. Ele também liderou uma remoção de príncipes e empresários proeminentes.

Ao mesmo tempo, o príncipe Mohammed cortejou ativamente a juventude como um novo eleitorado para apoiar seus programas. Cerca de dois terços dos sauditas têm menos de 30 anos, e muitos apoiaram entusiasticamente as mudanças.

"Eu o amo", disse Ibtihal Shogair, 25, que estava comendo míni-hambúrgueres com uma amiga em uma feira de alimentos, apoiada pelo braço de entretenimento do governo, no gramado de um hotel de luxo em Riyadh. "Ele veio e ele era um jovem que pensava mais como nós".

Alguns anos atrás, havia poucas atividades para as mulheres de sua idade fazerem nos fins de semana, disseram Ibtihal e sua amiga. Então elas se reuniam em casas ou iam a restaurantes. Quando saíam, a polícia religiosa as perseguia, embora as duas se vestissem de maneira modesta e cobrissem os cabelos.

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"Eles andavam atrás de você e diziam: 'Cubra seu rosto, cubra seu rosto'", disse sua amiga, Lina Bulbul, 26 .

Agora, as mulheres raramente veem os policiais barbudos e constantemente checam o calendário da Autoridade Geral de Entretenimento do governo. Elas pretendem tirar suas carteiras de motorista em junho, quando a lei que proíbe mulheres de dirigir será revogada.

A Autoridade Geral de Entretenimento, criada em 2016, supervisionou mais de 2 mil eventos no ano passado, um número que deve mais que dobrar em 2018. Juntamente com a centralização de agendamentos e a facilitação de permissões, oferece subsídios para empresas de entretenimento na esperança de se tornarem autossuficientes.

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O país está começando do zero. As poucas salas de cinema que o reino possuía foram fechadas quando uma onda de conservadorismo se espalhou depois de 1979. As escolas sauditas não ensinam música, dança ou teatro, e o reino não tem academias de música e cinema.

A Arábia Saudita tem um orçamento de US$ 64 bilhões de dólares para a aposta ao longo da próxima década.

Ameera Al-Taweel, presidente da Time Entertainment no país, contou que costumava levar meses para obter permissão para eventos e exigia negociações com a polícia e os ministérios do governo. Agora, leva apenas algumas semanas e, segundo ela, os eventos da empresa dobram a cada ano. São 28 eventos planejados para 2018, incluindo o Cirque du Soleil, a Saudi Fashion Week, um festival de jazz e a ópera "Antar e Abla".

Alguns eventos, no entanto, desencadearam uma reação negativa. Um vídeo de meninos e meninas dançando juntos em uma convenção de quadrinhos em 2016 se tornou viral. Mas o público se ajustou.

"Agora, quando você vai a um lugar e ouve música, não é mais estranho", disse Ameera.

O conteúdo ainda é verificado com antecedência e às vezes modificado. Quando Ameera conseguiu aprovação para "Shadowland", uma performance de dança, uma dançarina com um vestido curto teve de usar leggings e uma imagem evocando a teoria da evolução de Darwin foi removida.

"Porque no Islã, nós não acreditamos nisso", explicou.

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Raif Bukhari, guitarrista da banda saudita de jazz Fusion Mizan, costumava se apresentar apenas em complexos privados e em escolas internacionais. Sua banda agora tem shows em restaurantes, empresas de eventos e resorts. E eles se apresentaram em Londres neste mês, durante a visita do Príncipe Mohammed ao Reino Unido.

"Agora as oportunidades são infinitas", disse ele.

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