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'Por que eu tatuei um emu no meu primeiro encontro'

O que começou como um símbolo de solidão que encontrei no deserto australiano agora é um símbolo da melhor companhia e das conversas que já tive

Por Jimmy Harney
Atualização:

Fazer uma tatuagem durante um primeiro encontro é uma jogada arriscada. Depois de vê-la, minha mãe perguntou para mim: “Quão bêbado você estava?”. O melhor amigo da pessoa com quem eu tinha saído (não era um encontro oficialmente) disse para ela: “Ele está apaixonado por você”. E o amigo em comum que nos apresentou me perguntou: “Vocês dormiram juntos?”.

Oito anos antes, quando estava em meu primeiro ano na faculdade, ponderei tatuar a palavra “rir” em gaélico. Escolhi “rir” porque estava com 19 anos e não achava que alguém deveria levar a vida tão à sério. Escolhi gaélico porque sou descendente de irlandeses e buscava algum tipo de identidade cultural. Felizmente, ainda estava com medo do que meus pais pensariam e nunca reuni forças para pelo menos pesquisar como “rir” se escreve em gaélico.

Ilustração deBrian Rea/The New York Times 

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Mas ainda queria uma tatuagem. O humor tem sido meu mecanismo de enfrentamento desde praticamente antes que eu pudesse cortar minha própria comida. Ele chamou a atenção dos meus pais, me ajudou a fazer amigos, definiu minha personalidade exterior e me deu uma espécie de superpoder, permitindo que eu fingisse uma existência extrovertida. Meu anuário do ensino médio está repleto de "OMG, você é tão engraçado" e "Vou sentir falta de todos os seus comentários hilários".

O humor era a única maneira que eu conhecia para me fazer sentir apreciado. É o que acontece quando você está com muito medo de ser você mesmo. Agora só falo com dois dos meus amigos do ensino médio. Quando eu tinha 21 anos, estudei em Sydney, na Austrália, por um semestre, onde toda a experiência parecia uma extensão da versão extrovertida de mim mesmo que havia dominado.

Foi uma corrida intensa por um caminho que não era realmente meu, repleto de aventuras, de bar em bar, passar o tempo na praia, escrever um conto extremamente ofensivo em minha aula de escrita criativa, em nome do riso e do choque (mascarando quaisquer pensamentos ou sentimentos reais).

Nesse mesmo espírito, pulei de cabeça em um relacionamento, o meu primeiro, como a versão errada de mim mesmo. Então, no meio da minha encenação, tropecei em um momento em que não precisava fingir. Foi em um santuário de vida selvagem de todos os lugares. Enquanto todo mundo estava olhando para cangurus e coalas, eu estava olhando para uma ave enjaulada, um emu. Ele me encarou com seus grandes olhos.

E continuou olhando. Eu olhei de volta. Por muito tempo. Em silêncio. Não consegui aliviar o silêncio com uma piada ou uma selfie e não senti necessidade [de fazer isso]. Senti clareza pela primeira vez. Mas eu não sabia como fazer isso durar. Três anos depois (dois anos tarde demais), terminei com a namorada que conheci na Austrália.

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O fantasma de um coração partido entrou e saiu da minha vida por um ano, fazendo pouco de mim nos bares, quando eu não tinha ninguém para comprar uma bebida e ninguém para ir para casa junto, permanecendo no meu telefone enquanto eu procurava nos meus contatos por alguém para compartilhar minhas boas e más notícias, olhando para mim nos restaurantes com a cadeira ao lado vazia.

Até que, lentamente, a dor começou a diminuir e eu percebi que meu coração partido não era realmente meu, mas pertencia à pessoa que eu tentara me convencer de que era. Por isso, lamentei a perda do meu falso eu e celebrei a possibilidade de um novo começo. Fiz novas aventuras: ir ao cinema sozinho, passear pela cidade à noite, sem me preocupar com planos. Sentando em cafés sozinho e lendo.

O velho eu, o de coração partido, não podia acompanhar o passo enquanto eu me apoiava na pessoa que ela nunca quis: meu eu introvertido e sensível. E logo comecei a ansiar por uma tatuagem novamente, mas não era essa percepção de um novo começo ou minha capacidade de encontrar a luz no fim do túnel do coração partido que eu queria imortalizar no meu corpo. Então, continuei esperando até saber qual versão de mim valia a pena lembrar.

No meu aniversário de 26 anos, me vi sozinho em um bar em Williamsburg, Brooklyn. Foi um momento especial porque senti que merecia 20 minutos ou mais, bebendo uma cerveja e observando a multidão sem ter que me envolver em brincadeiras. Não comecei a noite sozinho, nem terminei assim. Um amigo da pré-escola estava na cidade por um dia. Dois amigos do ensino médio se juntaram a nós.

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E outros da faculdade e da vida adulta estavam ao meu redor. O amor demonstrado pelos amigos não é, pela minha experiência, o do tipo sufocante. Existe como um abraço sem peso. Mas eu não sou uma pessoa que abraça facilmente, então tive que fugir para um bar próximo para ter algum tempo comigo mesmo. Sentado sozinho, ignorei as mensagens e os telefonemas dos meus amigos. Eu só precisava de um momento para me reenergizar. Eu estava sendo rude? Provavelmente. Mas era meu aniversário e eu não devia nada a ninguém.

Eu estava aprendendo o delicado equilíbrio de estabelecer limites. E então eu aprendi que tipo de companhia importa. Aconteceu mais ou menos assim. Alguns meses depois, eu estava em um bar no Harlem tomando margaritas com alguns amigos, inclusive com ela, uma pessoa que eu conhecia só por meio de outra pessoa. Apenas a presença dela fez algo fazer um clique. "Eu quero uma tatuagem", eu disse. Eu queria mais do que uma tatuagem. Eu queria conexão. "Não, você não quer", disse nosso amigo em comum. "Você apenas está entediado."

Eu me arrependi de ter dito qualquer coisa. "De quê?", ela perguntou. Contei a ela a história do emu enjaulado. Quão burros, mas bonitos pareciam. E como ainda não tinha encontrado a calma que encontrei naquele dia do outro lado do mundo. Fiz piadas, tentando aliviar o momento, mas, mais do que tudo, estava com medo de que meus pensamentos aleatórios não fossem recebidos como eu gostaria.

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Na verdade, eu não sabia o que desejava, só queria que alguém entendesse. Uma pessoa, diferente de um emu, que poderia me responder. E então ela o fez. "Essa história não foi tão idiota quanto eu esperava", disse ela, sorrindo do outro lado da mesa. "Eu digo, vá em frente [com a ideia da tatuagem]." Depois disso, algo mudou na mesa, no ar, na cidade. No final da noite, eu estava no metrô com ela e depois, mais tarde, em outro bar.

Entre eles, nos sentamos em uma varanda no West Village enquanto eu desenhei um esboço de um emu. Uma vez, duas, então sete vezes, até que ela disse sem rodeios que não podia me deixar colocar nenhum dos meus desenhos no meu corpo. Ainda na onda dessa sensação estranha e ousada, caminhei com ela até um estúdio de tatuagens - o primeiro que encontramos aberto - e pedi para que eles puxassem uma foto de um emu nas imagens do Google. "Aquela", eu disse ao cara.

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"Mas faça como se fosse um desenho animado." Fiquei surpreso com a calma que eu disse isso. Ele não fez perguntas. Ela e eu esperamos enquanto ele desceu as escadas para desenhar o que eu imaginava que seria uma imagem terrível que eu nunca iria querer ter no meu corpo para sempre. Ele reapareceria com seu desenho ruim, iríamos rir, desistiríamos da ideia e cada um seguiria seu caminho, deixando que essa fosse mais uma história de fim de noite do que poderia ter sido.

"Uau, isso está realmente muito bom", disse ela quando ele voltou com seu desenho. E, então, eu estava sentado em uma cadeira em um porão do centro da cidade, deixando um estranho desenhar uma ave no meu braço com tinta permanente. Depois, sentado com ela em um bar, senti total clareza pela segunda vez na vida. Essa pessoa olhou para mim enquanto conversávamos, ela me entendeu. Eu olhei de volta. Sem piadas, sem necessidade de atrapalhar o momento.

Dois anos depois, eu estava olhando para o emu no meu braço e conversando com ela sobre aquela noite, quando ela se sentou ao meu lado no sofá da casa que compartilhamos. "Ainda não acredito que deixei você levar essa ideia adiante", disse ela. “Você parecia tão calmo na cadeira. Eu estava enlouquecendo por dentro." Não surtei por nenhum momento. Não com ela lá. O que começou como um símbolo de solidão que encontrei no deserto australiano agora é um símbolo da melhor companhia e das conversas que já tive. "Estou feliz que você tenha feito isso", eu disse. / TRADUÇÃO DE ROMINA CÁCIA

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