Artista retrata prisioneiras na Síria

Azza Abo Rebieh desenhou suas companheiras da prisão de Adra, em Damasco

PUBLICIDADE

Por Lina Sinjab e Anne Barnard
Atualização:

BEIRUTE, LÍBANO - Esta é Hiam, uma mulher de 65 anos fumando um cigarro e bebendo matteh, bebida quente de ervas muito popular na Síria. É um momento de solidão dentro de um lugar que esmaga as almas: sua cama é uma cama de prisão. Hiam passou dois anos e meio presa, provavelmente porque veio de uma área que se rebelou contra o governo do presidente Bashar al-Assad.

A artista que a desenhou, Azza Abo Rebieh, era uma das trinta mulheres que dividiam a cela com Hiam na prisão de Adra, em Damasco. Então com 36 anos, Abo Rebieh foi detida por causa de sua arte e seu ativismo.

Azza Abo Rebieh desenhou suas companheiras da prisão de Adra, em Damasco. Em casa, em Beirute. / Tasneem Alsultan for The New York Times Foto: Tasneem Alsultan for The New York Times

PUBLICIDADE

Desde o início da revolta da Síria, em 2011, ela pintou murais de grafite sobre o movimento de protesto e contrabandeou comida e remédios para pessoas desabrigadas pelos combates.

Abo Rebieh, filha de uma família da classe média instruída, foi presa com mulheres que mal foram alfabetizadas e, na maioria das vezes, acabaram presas ao acaso. Ela comunicava suas necessidades aos guardas e as ajudava a falar sobre suas experiências.

Sua arte se tornou um espelho para as prisioneiras que não tinham nada nas mãos: ela as desenhou para que pudessem se ver. E desenhou todas elas em preto e branco sombreado, os rostos carrancudos e os braços finos, influência de um de seus artistas favoritos: Goya.

Abo Rebieh foi libertada em 2016, mas seu caso ainda estava aberto. Ela fugiu para o Líbano, onde está escondida porque ainda é procurada na Síria. Continuou criando arte sobre as mulheres.

“Quero desenhá-las para que não sejam esquecidas”, disse ela.

Publicidade

Abo Rebieh compartilhou alguns de seus trabalhos com The New York Times e falou sobre as mulheres que conheceu.

Raeefeh - “Esta é Raeefeh. Ela é de Homs. Passou uns quatro anos na cadeia. É uma garota muito adorável. Trabalhava na prisão como garçonete do café. Eles deixam as meninas trabalharem para ter uma renda. Foi acusada de dar notícias para a mídia sobre o que estava acontecendo em Homs. Dorme com seu ursinho de pelúcia”.

Tal El Mlouhi, blogueira, detida desde 2009, quando tinha 19 anos - “Ela age como uma princesa. Deve ter perdido a cabeça lá dentro. Quando os guardas vêm contar as prisioneiras, ela quer estar sempre bonita, passa perfume. Então, quando começa a contagem, ela aparece toda linda. Você olha para ela e sente pena”.

Hiam - “Hiam não sabia ler nem escrever, mas me pediu para ensiná-la a desenhar. Ela adora coelhos, então a ensinei a desenhá-los. Aí ela começou a desenhar sua casa e as flores ao redor.

PUBLICIDADE

“Quando saí da prisão, ela me mandou uma carta - alguém escreveu por ela - dizendo: ‘Não preciso aprender a ler e escrever. Você me ensinou a desenhar, e desenhar é a melhor expressão para mim. Agora posso desenhar uma casa e posso desenhar meus sonhos’”.

Zeina (Abo Rebieh a desenhou e pintou depois de sua libertação) - “Esta é Zeina quando ela pediu para respirar. Fomos presas em setembro e estávamos com roupas de verão. No inverno, ficamos com frio demais. Eles tinham confiscado nosso dinheiro e se recusaram a nos dar roupas quentes. 

Trouxeram uns cobertores cheios de traças, ela teve asma e não conseguia respirar. Bateu na porta e pediu ao guarda para respirar por um minuto. Ela se sentou lá para respirar fundo e começou a chorar. É uma cena que não consigo esquecer”.

Publicidade

Depois que Abo Rebieh deixou Adra, foi pagando subornos para sair da Síria e fugiu para Beirute. “Eu me sinto culpada, porque fui embora e elas ainda estão lá”, disse. Um psicólogo recomendou a ela que desenhasse tudo.

Com o tempo, gravuras mais desenvolvidas de sua experiência na prisão começaram a transbordar. “Precisamos continuar contando a história das prisioneiras”, disse ela. “Minha arte se dedica a isso”.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.