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Por que as atletas de elite estão deixando os grandes patrocinadores

As marcas menores trabalham com as atletas de maneira diferente, por exemplo, dando a elas coparticipação nos lucros ou participação no desenvolvimento de produtos, e estão mais atentas às suas histórias pessoais

Por Sapna Maheshwari
Atualização:

A Athleta, marca de vestuário esportivo para mulheres e jovens, da Gap Inc., nunca havia patrocinado uma atleta quando procurou a velocista seis vezes campeã olímpica, Allyson Felix, em 2019, pouco depois que ela criticou a Nike por sua política de remuneração das atletas grávidas.

A empresa menor estava interessada em patrocinar a carreira de Allyson, e disse que não a puniria por perder competições ou por querer ter mais filhos. (A Nike mudou a sua política para atletas grávidas depois da crítica de Allyson, cujo contrato com a empresa se encerrou em 2017.) Ela disse que gostava do fato de a Athleta ter mulheres na direção e de que ela fosse mãe, além de atleta.

Colleen Quigley em Portland, Oregon. Foto: Leah Nash/The New York Times

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“Ser patrocinada da maneira tradicional no atletismo é uma situação de muita pressão – a questão é dinheiro se você não participa das competições, além das reduções da remuneração e todas essas coisas”, analisou Allyson Felix, que competiu nos Jogos de Tóquio. Com a Athleta, ela acrescentou: “Eu me senti como se tivesse mais valor como pessoa, algo que nunca tinha experimentado antes”.

É cada vez maior o número maior de atletas mulheres, como Simone Biles e outras ex-campeãs olímpicas, que estão preferindo fazer novos tipos de contratos com marcas menores de vestuário esportivo em lugar das patrocinadoras tradicionais como a Nike. Segundo várias jovens corredoras, as marcas menores estão dispostas a trabalhar com elas de maneira diferente, contratando-as como funcionárias, dando-lhes participação nos lucros ou envolvendo-as em novos produtos, e preocupando-se mais com suas histórias pessoais e perfis no Instagram do que com o seu desempenho nas competições.

Grandes empresas deste setor, como a Nike e a Adidas, são empresas já bem estabelecidas no mercado, que com frequência aumentam de maneira drástica a visibilidade de uma atleta através do marketing. Mas os críticos afirmam que elas nem sempre colocam as atletas em primeiro lugar. A Nike, por exemplo, está sendo intensamente investigada nos últimos anos pelo tratamento que ela dedica às atletas grávidas, com acusações de assédio e contratos restritivos.

As corredoras são tradicionalmente pagas pelos patrocinadores por completarem um número especifico de corridas por ano ou atingir determinados rankings, medalhas e marcas de tempo. Para algumas, isso tudo parece ago “muito comercial”, disse Colleen Quigley, especialista em corrida de obstáculos que esse ano deixou a Nike e agora é patrocinada pela Lululemon. Esse incentivo financeiro alimentou uma intensa pressão para competir, mesmo que atleta esteja com dificuldades ou lesionada, e isso possa ter um efeito psicológico destrutivo, ela disse.

Alexi Pappas, ex-atleta da Nike que competiu nos Jogos Olímpicos de 2016, agora é patrocinada pela Champion. Foto: Maria Mavropoulou/The New York Times

Simone Biles, que encerrou  o contrato de patrocínio com a Nike e se mudou para a Athleta, contou ao jornal The Wall Street Journal que, com a marca menor, “não se trata apenas das minhas realizações, mas do que eu defendo e da sua disposição a oferecer a sua ajuda para que eu possa usar a minha voz e, ao mesmo tempo, ser a voz das mulheres e dos seus filhos”. Depois que ela deixou de competir em algumas provas nos Jogos de Tóquio, declarando que a pressão que ela enfrentava prejudicou profundamente a sua mente, a Athleta divulgou uma declaração de apoio

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“Nós estamos do lado de Simone e defendemos o seu bem-estar dentro e fora das competições”, afirmou Kyle Andrew, diretora de marca da empresa em uma declaração. “Ser a melhor também significa saber como tomar conta de si. Nós nos sentimos inspirados por sua determinação hoje e apoiamos todos os seus passos nessa jornada”.

As atletas afirmam que nem sempre foi assim.

“Nós, mulheres atletas, sempre lutamos com a sensação de que só teremos valor se formos mais velozes, saltarmos mais longe ou lançarmos mais longe”, disse Colleen Quigley. “Isso não é verdade, mas pode parecer realmente fácil”.

Plataformas como o Instagram tornaram-se um patrimônio particular para as atletas, principalmente as que atuam em esportes que costumam chamar mais a atenção uma única vez a cada quatro anos. Além disso, elas também oferecem às atletas a perspectiva de serem valorizadas pelos patrocinadores independentemente do seu ranking.

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Hoje, “os nossos contratos estão incorporando cada vez mais as redes sociais”, disse Alexi Pappas, que foi atleta da Nike, escritora e cineasta que competiu nas Olimpíadas do Rio em 2016 e hoje é patrocinada por empresas como a Champion. “Existem outras maneiras de acrescentar valor, como por exemplo as redes sociais, as aparições na imprensa, escrever blogs e assim por diante”.

Nikki Neuburger, diretora de marca da Lululemon, falou que pretende trabalhar com atletas responsáveis, equilibradas, e que a marca e os seus clientes estão menos interessados em rankings e em recordes. (Colleen não participou dos treinos dos EUA para as Olimpíadas, mas se tivesse ido a Tóquio, teria sido a primeira atleta olímpica da marca a competir no atletismo.)

A velocista olímpica Allyson Felix, que ingressou na Athleta em 2019 e recentemente apresentou sua própria marca de tênis, Saysh. Foto: Jerry Buttles via The New York Times

“Há ainda um tremendo reconhecimento quanto vencer e performar em um nível de elite”, disse Neuburger. “O que mudou com o tempo é que, em si, não é isso que inspira as pessoas – elas querem saber dos altos e baixos da jornada para chegar lá, querem saber o que você faz fora do atletismo e não apenas no dia da competição”.

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Os acordos de patrocínio mais recentes ocorrem depois de anos de reportagens sobre a intensa pressão e sobre os contratos restritivos que existem entre os patrocinadores e as atletas de elite e as táticas agressivas que as principais expoentes do setor usam para manter as atletas top em seu plantel.

Em 2016, a Nike ganhou as manchetes quando processou Boris Berian, um astro do atletismo da época, depois que o seu contrato com a marca havia expirado e ele tentava assinar com a New Balance. A Nike declarou que cobriria a oferta da New Balance. Os representantes de Berian afirmaram que a Nike não cobriria a oferta, porque o contrato proposto pela empresa incluía “reduções” – cláusulas que permitem que os patrocinadores cortem o pagamento quando os atletas não atingem determinados indicadores de desempenho ou participem de competições, mesmo que estejam lesionados.

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O incidente provocou críticas às cláusulas punitivas e mostrou a poderosa postura dos megapatrocinadores nas negociações. “Acho que este foi o começo deste tipo de conversação no mundo do atletismo”, disse Alexi Pappas.

As pressões inusitadas sentidas pelas atletas passaram para o primeiro plano mais recentemente. Mary Cain, ex-corredora da Nike, que foi empregada pela Tracksmith, e diretora executiva da Atalanta New York City, uma equipe de corredoras profissionais, disse ao jornal The New York Times que os seus treinadores da Nike insistiram que ela perdesse tanto peso que o seu corpo começou a entrar em colapso. As criticas de Allyson Felix à política de renumeração da Nike para as atletas grávidas, também publicadas pelo Times, ocorreram depois que duas ex-colegas do seu time compartilharam suas experiências pessoais quando tiveram de tratar de gravidez e patrocínios.

A Nike declarou que padronizou uma política em 2018, e desistiu das reduções de desempenho das atletas grávidas por 12 meses. Em 2019, ampliou a medida para 18 meses. “Estamos orgulhosos de nossa atual política e acreditamos que ela mostra o nosso apoio às atletas no início da jornada como mães”, disse Sandra Carreon-John, porta-voz da Nike.

No entanto, as medidas restritivas a respeito da gravidez há muito tempo eram a regra. Sally Bergesen, fundadora e diretora executiva da Oiselle, uma pequena empresa de atletismo sediada em Seattle, afirmou que a sua marca patrocinou a corredora Lauren Fleishman quando ela estava grávida em 2013, e que na época estava ciente de que muitos patrocinadores importantes não assinariam contrato com uma atleta que estivesse esperando um filho.

“Até então, e, acredito, ainda em alguns contratos, eles classificavam a gravidez como uma lesão, o que sempre foi tão absurdoquanto pode parecer”, disse Bergesen.

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As novas oportunidades de patrocínio estão surgindo no momento em que o mercado de trajes para a prática do atletismo continua em expansão - tendência cada vez mais alimentada pela pandemia. A Athleta e a Lululemon são algumas das raras marcas neste campo que registraram uma alta vertiginosa das vendas no ano passado. No mundo do atletismo, cinco ou seis marcas foram mais visíveis em junho nos treinos para as Olimpíadas, nos EUA, em Eugene, Oregon, do que no passado, afirmou Neuburger da Lululemon. 

“O mercado de trajes para atletismo e lazer está se transformando, na passagem do crescimento para a maturidade, com a entrada de novas empresas em desenvolvimento”, disse Angeline Close Scheinbaum, professora adjunta de marketing na Clemson University. “Por isso, naturalmente, está havendo uma mudança no apoio aos atletas de uma empresa líder do mercado para outras marcas”.

Sheinbaum considera a tendência não tanto um êxodo das líderes consagradas quanto o fato de os “atletas, principalmente as mulheres, se associarem a uma marca menor que pode tornar-se sinônimo destas estrelas de primeira grandeza e de suas plataformas e histórias”.

Andrew, o diretor de marca da Athleta, afirmou que as empresas estão começando a prestigiar os “valores femininos” em geral.

“Há empresas que não precisam criar parcerias como as que adotam para os atletas”, disse Andrew. “Há como patrocinar as atletas de modo a promover a mulher. Acho que se trata de uma mudança; por outro lado, as atletas querem mais porque como a maioria das mulheres, nós não somos apenas uma coisa na nossa vida”.

A Athleta e Allyson Felix introduziram recentemente um programa de bolsas para ajudar as atletas que são mães a cobrir os custos do cuidado dos filhos quando precisam viajar para competir. A empresa também patrocinou um tour de exibição de ginástica, organizado por Simone Biles, que será uma alternativa à USA Gymnastics, o organismo nacional do esporte. Mary Cain, que trabalha para a Tracksmith, foi encarregada de promover a presença da marca em Nova York. A fim de atrair as atletas, a Oiselle deu a algumas delas participação nos lucros da empresa. / TRADUÇÃO DE ANNA CAPOVILLA

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