Aumento na produção de petróleo de quatro países gera discussão no setor

Maior produção de Brasil, Canadá, Noruega e Guiana atrapalha combate às mudanças climáticas

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Por Clifford Krauss
Atualização:

HOUSTON, TEXAS - Uma elevação na produção de petróleo está a caminho, o mundo precisando ou não. Ocorrerá apesar das crescentes preocupações com as mudanças climáticas e da diminuição na demanda mundial. E o aumento não virá dos produtores usuais, mas de Brasil, Canadá, Noruega e Guiana - países que não são conhecidos pelo petróleo, ou cuja produção tem sido medíocre nos últimos anos. 

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Esse novo suprimento pode ser a razão fundamental para a gigante petrolífera saudita Aramco ter ido à frente com planos do que poderá ser a maior oferta de abertura de capital já ocorrida. Preços mais baixos podem se provar prejudiciais para a Aramco. Juntos, os quatro países terão capacidade de adicionar ao mercado aproximadamente um milhão de barris ao dia em 2020 e mais um milhão em 2021, em adição à atual produção de 80 milhões de barris ao dia. Esse reforço na produção, somado aos esforços globais para diminuir as emissões de poluentes, quase certamente resultará em uma baixa nos preços do petróleo.

O novo aumento na produção deve trazer alívio econômico para os consumidores nas bombas e para os países importadores, como China, Índia e Japão. Mas petróleo mais barato pode complicar os esforços para combater o aquecimento global e afastar consumidores e indústrias de sua dependência de combustíveis fósseis.

Canadá, Noruega, Brasil e Guiana são países relativamente estáveis, em tempos turbulentos para tradicionais produtores, como Venezuela e Líbia, e de tensões entre Arábia Saudita e Irã. As novas reservas de petróleo em produção poderão anular os esforços da Organização dos Países Exportadores de Petróleo e da Rússia de manter os preços elevados com cortes na produção - e dar aos Estados Unidos e outros formuladores ocidentais de políticas uma nova garantia, na hipótese de mais ataques contra navios petroleiros ou instalações de processamento de petróleo no Golfo Pérsico.

Daniel Yergin, historiador especializado em energia que escreveu Petróleo: uma história mundial de conquistas, poder e dinheiro, comparou o impacto da nova produção ao advento do boom do petróleo de xisto, no Texas e na Dakota do Norte, uma década atrás. “Já que estão amplamente isolados das turbulências geopolíticas tradicionais, esses quatro países colaborarão com a segurança energética”, afirmou Yergin. Mas ele também previu que, como no caso do petróleo de xisto, o aumento na oferta combinado com uma economia global estagnada poderia diminuir ainda mais os preços.

Já existe abundância de petróleo no mercado mundial, mesmo com as exportações da Venezuela e do Irã reduzidas acentuadamente pelas sanções dos Estados Unidos. Se as produções desses países voltarem ao jogo, essa abundância aumentará. “Isso poderia significar um desastre para todas as empresas e países que produzem petróleo”, afirmou Raoul LeBlanc, vice-presidente da consultoria IHS Markit, especializada no mercado de energia.

A futura elevação na produção é uma mudança súbita de dinâmica. Atualmente, a Guiana não produz petróleo. As produções do Brasil e da Noruega estão em queda há muito tempo. E, no Canadá, preocupações com as mudanças climáticas, resistência em relação a novos oleodutos e altos custos de produção têm diminuído investimentos nos campos petrolíferos arenosos há anos.

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Essa maior produção de petróleo ocorre em um momento em que governos e investidores do setor de energia reconhecem cada vez mais que nem todos os hidrocarbonetos contidos no subsolo podem ser explorados se quisermos controlar as mudanças climáticas. Mas as decisões de explorar reservas, tomadas anos atrás, ganharam um ímpeto que pode ser difícil de refrear.

A Noruega espera que uma nova plataforma de petróleo operada pela Equinor revigore sua produção. Foto: Nerijus Adomaitis/Reuters

O aumento na produção da Noruega ocorre apesar de o país ter firmado o Acordo de Paris para o clima, em 2016, que estabelece o compromisso entre as nações signatárias de reduzir as emissões de gases de efeito estufa. O fundo soberano do país cortou investimentos em algumas empresas petrolíferas, e sua estatal de petróleo, a Equinor, prometeu aumentar seus investimentos em energia eólica.

A Equinor - que até recentemente se chamava Statoil e mudou de nome para enfatizar seu eixo de energia renovável - defende, mesmo assim, seu novo campo de exploração de petróleo no website da empresa, garantindo: “O Acordo de Paris é bem claro no sentido de que ainda haverá necessidade por petróleo”.

A retomada da Noruega, depois de 19 anos de declínio na produção, começou recentemente, quando a Equinor iniciou a exploração do campo de petróleo em águas profundas de Johan Svendrup. Esse campo chegará eventualmente a produzir 440 mil barris ao dia, elevando a produção do país para 1,6 milhão de barris ao dia no próximo ano e 1,8 milhão em 2021.

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No Brasil, depois de anos de escândalos e atrasos, novas plataformas de exploração marítima estão iniciando sua extração. A produção se elevou no último ano em uma ordem de 300 mil barris ao dia, e o país deverá elevar em até 460 mil barris ao dia até o fim de 2021. Em 6 de novembro, o Brasil realizou um grande leilão de direitos de exploração de petróleo no mar, mas atraiu poucos interessados. Analistas afirmam que os elevados bônus de assinatura afugentaram os compradores.

No Canadá, o oleoduto Linha 3, com 1,6 mil quilômetros, que levará petróleo dos campos de Alberta até o Estado americano do Wisconsin, está quase pronto. Especialistas do setor de energia afirmam que o equipamento poderia elevar a produção canadense em 500 mil barris ao dia, cerca de 10%.

E a mudança mais significativa ocorrerá na Guiana, um pequeno país sul-americano onde a Exxon Mobil fez uma série de grandes descobertas nos quatro anos mais recentes. A produção do país chegará a 120 mil barris ao dia no próximo ano, se elevará para pelo menos 750 mil barris ao dia até 2025, e a expectativa é que se eleve ainda mais depois disso.

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A Guiana tem, potencialmente, o mais complicado futuro entre esses quatro países. Sua política, dividida etnicamente, é, por vezes, turbulenta, e a Venezuela reivindica grande parte de seu território. Mas, com os campos de petróleo quilômetros mar adentro, a perfuração está amplamente protegida. Além disso, a Venezuela está mergulhada em uma crise política e econômica e dificilmente desafiará a estatal chinesa que investe no petróleo da Guiana, juntamente com as petrolíferas Exxon Mobil e Hess.

Especialistas do setor de energia afirmam que a nova produção dos quatro países mais que atenderá ao crescimento na demanda global projetado para os próximos dois anos, que é significativamente menor do que as taxas de crescimento dos anos que antecederam a diminuição da expansão econômica da China, da Europa e da América Latina.

“Para manter os preços, a Opep será obrigada a estender e, provavelmente, elevar seus cortes de produção por algum tempo”, afirmou David L. Goldwyn, um diplomata especializado no setor de energia que atuou no Departamento de Estado americano durante o governo de Barack Obama.

Os novos barris no mercado mundial também pressionarão as petrolíferas com extração nos Estados Unidos, onde as margens de lucro para a produção de petróleo de xisto são baixas segundo os preços atuais, e os preços de suas ações estão caindo. “Se eu estivesse nesse ramo de negócio, estaria completamente apavorado”, afirmou Philip K. Verleger, um economista especializado no setor de energia que trabalhou em governos tanto do Partido Democrata como do Republicano. “Essa indústria enfrentará escassez de capitais.”

Scott D. Sheffield, diretor executivo da petrolífera Pioneer Natural Resources, disse estar otimista, em parte porque as novas produções poderiam compensar o declínio na produção de campos no México e outros lugares, após 2021. “Não há mais projetos grandes ou gigantescos além da Guiana”, afirmou ele. “Só temos que ser pacientes por mais uns dois anos.” / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

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