Mensagens liberais de reverendo rebelde da Austrália viralizam na Internet

O reverendo Rod Bower se transformou numa sensação nacional com mensagens políticas beligerantes compartilhadas por milhões de pessoas na mídia social. Agora ele vem questionando a dinâmica da Internet que o tornou famoso

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Por Damien Cave
Atualização:

GOSFORD, Austrália - O reverendo Rod Bower, o mais famoso clérigo agitador da Austrália, caminhava atrás de uma multidão de manifestantes na rua congestionada admirando seus cartazes de protesto feitos à mão.

“Honk 4 Compassion” [Buzine pela compaixão, em tradução livre], #Time for AHome (em referência a uma campanha mundial em favor dos refugiados) e “Fim da detenção indefinida, libertem os refugiados”.

Reverendo Rod Bower ao lado do painel onde lê-se: 'Coloquem a extrema direita na lista de terroristas'. Foto: Matthew Abbott/The New York Times

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Os cartazes eram todos uma extensão do ministério beligerante de Bower. Desde 2013, ele tem usado o pequeno painel diante da Igreja Anglicana de Gosford para enviar mensagens concisas que fundem teologia com uma política liberal mordaz de tal maneira que elas viralizaram.

Do seu púlpito na igreja de Gosford, uma pequena cidade a 80 quilômetros ao norte de Sydney, Bower foi um dos primeiros clérigos no país a defender corajosamente os direitos dos gays com um cartaz: "Queridos Cristãos, algumas pessoas são gays, aceitem. Com amor, Deus" - que se tornou um lema compartilhado milhões de vezes on-line em todo o mundo.

Nas suas mensagens, Bower também chamou a atenção para a discriminação contra muçulmanos ("Boicote os intolerantes e intimidadores, compre halal") e atacou a extrema direita ("We’re into Hail Marys not Heil Hitlers", o que significa algo como "Nós gostamos do Salve Maria, não do Salve Hitler”).

Quando alguns políticos criticaram sua posição no caso dos refugiados - ou quando uma multidão de neonazistas invadiu a igreja numa missa do domingo, ele preferiu enfrentar aos invés de recuar.

“O que eles desejam é que os cristãos apoiem seu sistema de dominação”, afirmou ele, sentado em seu gabinete onde livros e uma guitarra estão ao lado de um retrato de Martin Luther King. “Eles não gostam quando eu contesto o sistema, mas foi exatamente isso que Jesus fez”.

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A luta de Bower, por um momento, era exatamente o que ele e a Internet desejavam. A mídia social o transformou numa sensação nacional, uma presença constante na rede, autor de um livro, Outspoken, e alvo de escárnio, sem falar nas ameaças de morte.

Mas agora, depois de um ano de pandemia, algo mudou.

O chamado “reverendo rebelde” vem pensando em conexões mais profundas - talvez uma irmandade para jovens que desejam aprender o que é a justiça social cristã.

Ele ainda usa o mural para comunicar suas convicções, mas talvez com menos beligerância. Recentemente, em um lado do painel estava escrito: “Mantenha Gosford livre da energia nuclear”, posição que provavelmente não desencadearia muita controvérsia. Mas do outro lado, a mensagem deixava claro que ele não está propenso a deixar de atacar: “Coloquem a extrema direita na lista de terroristas”, era a sua mensagem.

“Você é envolvido no vórtice”, afirmou ele, referindo-se ao fato de estar sob os refletores. “As pessoas apreciam o que você está dizendo e você se torna uma dessas vozes”.

“O meio termo é difícil. Só ouvimos os extremos”.

Com seu cabelo curto e espetado, barba cortada rente ao queixo, Bower, 58 anos, não tem medo de xingar, brincar sobre velhas ressacas ou fazer um sermão descalço. Ele é um reverendo que se sente em casa no meio da sujeira existencial.

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Bower cresceu numa área agrícola ao norte de Sydney, adotado e criado por pecuaristas. Seu pai adotivo morreu quando ele tinha 13 anos e seus anos de adolescência foram passados trabalhando na terra e como açougueiro.

O fato de ter sido adotado, que ele diz que sempre soube, mas só começou a processar totalmente aos 20 anos, motivou-o a buscar Deus e o sacerdócio. “Isto fez parte da minha busca por identidade. Acabei com um título e um uniforme”.

Muitos dos paroquianos encontraram Bower e a igreja onde ele serve há mais de duas décadas não por causa das mensagens no mural do lado de fora da igreja que leem ao passar pela rua, mas vendo-as no Facebook.

“Elas de fato repercutem”, disse Shayne Davy, 60 anos, proprietária de uma pequena empresa. Mas o que o anima mais é a ligação com as pessoas e não com a política”, disse sua mulher, Kerry Bower.

Quando eles se conheceram no final dos anos 1990, Kerry era divorciada, mãe de duas crianças, e trabalhava numa agência funerária onde ele vinha com frequência para o velório. Comparado com outros padres e pastores, disse ela, “ele era muito diferente, muito mais acessível”.

E era também determinado. Primeiro, ele quis se tornar bispo, mas depois de brigar com a liderança da igreja na época, voltou sua atenção para a justiça social.

Membros da igreja do reverendo Rod Bower carregam cartazes pró-refugiados. Foto: Matthew Abbott/The New York Times

Durante anos antes de se tornar uma figura nacional, Bower criticou a resistência do governo ao casamento de pessoas do mesmo sexo e a política para os refugiados em seus sermões, na página da igreja no Facebook e em protestos. Sua posição refletia sua forte crença na “inclusão radical” ensinada por Jesus, em que existe espaço para estranhos, fiéis, descrentes e marginais.

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Depois, as pessoas começaram a fotografar e compartilhar as mensagens postadas no painel da igreja.

A família Bower trabalhou unida para capturar o momento. Num certo ponto, quando a atenção começou a chegar ao auge em 2017, Kerry Bower calculou que eles estavam mudando as mensagens no painel praticamente todos os dias há mais de ano.

Houve ataques da extrema direita. Logo depois da mensagem sobre Hitler, em 2018, um grupo de neonazistas invadiu a missa do domingo na igreja; uma pessoa carregava uma espada. Mas ninguém foi ferido. Rod Bower qualificou o fato de terrorismo.

“Ainda estou extremamente vigilante por causa do que ocorreu”, afirmou num domingo recente. “Fico nervoso quando vejo um rosto estranho aparecendo no caminho da igreja”.

Kerry Bower disse que, mesmo antes do coronavírus, eles começaram a questionar sua relação com o painel e o furor na Internet.

“Parecia que algo havia se invertido. E começou a ficar contraproducente”.

Rod Bower, disse ter deixado a política de lado em favor do bem comum, mesmo quando isso significou não realizar as missas aos domingos, e depois manter o serviço, mas com um público reduzido.

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O santuário da igreja anglicana de Gosford ainda reúne somente 93 pessoas, não obstante o sucesso da Austrália no controle da pandemia. Num domingo recente havia 50 pessoas, com máscaras, sentadas à distância nas cadeiras brancas, uma mistura de famílias jovens, aposentados e visitantes. O serviço começou com canções de louvor ao som de uma guitarra. Pouco antes do sermão, Bower subiu com seu celular no púlpito para gravar sua mensagem para a página no Facebook da igreja.

A Internet, ao que parece, ainda podia ser útil.

Mas o que ele disse também refletiu o esforço no sentido de escolhas mais criteriosas e pensadas como ele e sua mulher descreveram.

Ele associou um verso das Escrituras sobre Jesus e as pessoas possuídas pelo demônio aos trolls on-line e membro do Parlamento australiano, Craig Kelly, famoso por propagar desinformação sobre a mudança climática e a covid.

Em vez de atacar Kelly, contudo, ele pregou sobre a necessidade de bloquear, deletar e isolar os mentirosos e os trolls que procuram invadir nossas vidas. E narrou a história de um crítico furioso que enviou a ele 156 emails num curto período, o que o levou a informar a polícia sobre aquela pessoa. Ocorre que o homem era um professor aposentado. O que a experiência revelou, disse Bower, foi o apelo do diabólico e a necessidade de impedir que forças sombrias entrem nas nossas mentes.

“Nos disseram que Jesus não permitiu que os demônios falassem”, disse ele à sua congregação. “Faremos bem em aprender com o seu exemplo”. / TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO

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