Bélgica proíbe práticas religiosas de abate e gera discussões no país

Entidades religiosas e grupos a favor dos direitos dos animais discordam sobre tema

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Por Milan Schreuer
Atualização:

BRUXELAS - A proibição do abate ritual de animais praticado por muçulmanos e judeus, entrou em vigor na Bélgica no Ano Novo, e constitui uma questão delicada em toda a Europa que busca uma conciliação entre o bem-estar dos animais e a liberdade religiosa. Enquanto os defensores dos direitos dos animais e os nacionalistas de direita pressionam para banir o sacrifício ritual, as minorias religiosas na Bélgica e em outros países temem tornar-se alvo do fanatismo disfarçado em uma atitude protetora dos animais. “É impossível saber a verdadeira intenção das pessoas”, disse Yaakov David Schmahl, líder dos rabinos de Antuérpia. “A não ser que os cidadãos declarem claramente o que têm em mente, mas a maioria dos antissemitas não faz isto”.

Em toda a Europa e na União Europeia, a legislação exige que os animais sejam sedados a fim de não sentirem dor antes do abate, para tornar o processo mais humanitário. Para os animais de grande porte, o atordoamento antes de serem abatidos em geral implica a utilização de um instrumento, a “pistola de êmbolo retrátil”, que dispara um prego de metal no cérebro; para as aves, é o choque elétrico. Os animais também podem ser atordoados por meio de gás.

Cerca de 500 mil muçulmanos e 30 mil judeus na Bélgica dentro em breve poderão ser obrigados a encomendar sua carne no exterior. Foto: John Thys/Agence France-Presse - Getty Images

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Entretanto, segundo as tradições muçulmana do halal e do kosher judeu, o animal deve estar em perfeita saúde - o que, segundo as autoridades religiosas, exclui o atordoamento - e deve morrer com um único corte no pescoço. Para os defensores, este método pode causar menos sofrimento do que os outros. A maior parte dos países e a União Europeia permitem exceções, embora em alguns lugares - como Holanda e Alemanha - as exceções sejam mínimas. A Bélgica está seguindo o exemplo da Suécia, Noruega, Islândia, Dinamarca e Eslovênia entre as nações que não preveem exceções.

A Bélgica, com uma população de cerca de 11 milhões de habitantes, tem aproximadamente 500 mil muçulmanos e mais de 30 mil judeus. Os que respeitam suas normas religiosas dentro em breve serão obrigados a encomendar sua carne no exterior, o que significa que os membros da comunidade terão de pagar mais, e que inclusive a possibilidade de escassez de alimentos.

Os líderes de ambos os grupos esperam que as ações que moveram junto à Suprema Corte da Bélgica retirem a proibição do abate sem o atordoamento ainda este ano. “Esta proibição é apresentada como uma revelação pelos ativistas dos direitos dos animais, mas o debate a respeito do bem-estar animal já existe há 1.500 anos no Islã”, disse Saatci Bayram, um líder comunitário muçulmano. “O nosso ritual de abate é sem dor”. A lei que entrou em vigor no dia 1º de janeiro se aplica à região belga de Flandres; outra semelhante entrará em vigor ainda este ano na região sul da Valônia.

A proibição foi proposta por Ben Weyts, nacionalista flamengo de direita, ministro da região de Flandres responsável pelo bem-estar animal. Em 2014, ele foi criticado por participar do 90º aniversário de BobMaes, que foi um colaborador durante a ocupação nazista da Bélgica, na Segunda Guerra Mundial, e se tornou um político de extrema direita. Quando a legislação foi aprovada pelo Parlamento flamengo, em junho de 2017, Weyts comemorou o voto no Twitter. “O vosso orgulhoso ministro dos animais, orgulhoso de ser flamengo”.

“A verdade é que esta medida foi uma vitória fácil, porque tinha o apoio de grande parte da população, preocupada com os direitos dos animais”, disse Bayram. O rabino Schmahl citou outra lei belga que entrou em vigor recentemente, sobre a regulamentação do ensino em casa - uma prática rotineira em sua comunidade - como exemplo de leis que na Europa tornam cada vez mais difícil para os judeus praticantes viver de acordo com as suas tradições. Ela faz lembrar definitivamente situações semelhantes anteriores à Segunda Guerra Mundial, quando estas leis foram introduzidas na Alemanha”, afirmou.

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