Por que um bilionário discreto está comprando as Ilhas Cayman?

Acredita-se que o herdeiro de uma fortuna possua mais terras do que qualquer pessoa no famoso paraíso fiscal

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Por Katy Lederer
Atualização:

Kenneth Dart, herdeiro de uma dinastia das embalagens de espuma e empresário recluso, vive na ilha Grand Cayman há 25 anos e acredita-se que seja ele o maior dono de propriedades privadas no arquipélago. Os moradores gostam de compará-lo ao Batman, a Howard Hughes, a um vilão dos filmes de James Bond e a Warren e Jimmy Buffett.

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Dart vive em Seven Mile Beach, em um antigo hotel - que fica inteiro à sua disposição. Ele comprou a propriedade em 1994 depois de renunciar à cidadania americana, uma manobra de evasão fiscal tão audaciosa que inspirou novas leis federais. Inicialmente, as Ilhas Cayman eram um refúgio do financista, mas Dart, que teria 64 anos, passou a zelar pelo lar adotivo. Com sua fortuna e a empresa que possui, Dart Enterprises, ele passou a definir o futuro das ilhas.

Em 2007, ele inaugurou um grande empreendimento, um vasto complexo de varejo e entretenimento chamado Camana Bay, e começou a reunir no seu portfólio uma série de propriedades de alto padrão. A lista dele inclui agora o Ritz-Carlton, o Yacht Club e um novo resort Kimpton. Em fevereiro o grupo dele apresentou a proposta de um "arranha-céu icônico” capaz de fazer inveja à Torre Eiffel e ao Burj Khalifa, em Dubai.

O território britânico ultramarino das Ilhas Cayman não cobra imposto de renda nem impostos corporativos. Desde os anos 1960, o arquipélago se converteu em um dos centros bancários mais sofisticados do mundo. Antes consideradas um local seguro para o armazenamento de dinheiro ilícito, as ilhas passaram a atrair um mercado mais qualificado, seduzindo investidores institucionais e firmas de private equity e negociação de valores mobiliários. Em 2016, as ilhas abrigavam 60% dos endereços comerciais dos ativos de fundos de hedge globais, de acordo com uma análise.

Mas Dart escolheu um local vulnerável. Com área de quase 200 quilômetros quadrados, a ilha de Grand Cayman fica em média dois metros acima do nível do mar. Em 2004, o furacão Ivan, classificado como categoria 5, deixou submersa boa parte da ilha. O estrago foi calculado em quase US$ 3 bilhões. 

O território britânico ultramarino das Ilhas Cayman não cobra imposto de renda nem impostos corporativos Foto: Carter Johnston para The New York Times

“O problema é que, mesmo se os furacões não ficarem mais frequentes, eles se tornarão mais potentes", disse James Whittaker, residente das Caymans que já foi banqueiro e participou da regulamentação financeira. Hoje, ele é um empreendedor do setor de energia limpa. “Se o nível do mar se elevar em 30 centímetros, isso significa que um furacão de categoria 1 será capaz de causar o mesmo estrago que costumávamos atribuir a um furacão de categoria 4.”

Diante disso, por que um investidor de grande sucesso como Dart compraria uma parte tão grande de um país destinado a desaparecer? Quando Dart se mudou para Grand Cayman, seu estilo recluso e seus negócios extravagantes levantaram suspeitas. Em 1993, a casa dele em Sarasota, na Flórida, foi destruída em um incêndio criminoso nunca explicado. 

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Depois que Dart renunciou aos elos com os Estados Unidos, meses depois, ele se mudou para Belize. Em 1995, o governo do país propôs a abertura de um consulado em Sarasota, onde ele e a família poderiam viver, supostamente sem pagar impostos. A ideia nunca foi levada a sério, e Dart acabou se instalando na Grand Cayman.

Ninguém revela a porção exata do território das três ilhas - Little Cayman e Cayman Brac ficam a nordeste da ilha maior - pertence a Dart e suas subsidiárias. Dart recusou o pedido de entrevista por meio de uma porta-voz. Ela também disse que a empresa não faria comentários a respeito dos investimentos dele. Após a crise financeira de 2008, a firma de Dart começou a planejar e construir grandes projetos municipais de infraestrutura nas ilhas. Uma auditoria realizada em 2015 repreendeu os ministros do país por permitirem tamanha liberdade às subsidiárias de Dart. 

Dart é o herdeiro de uma fortuna substancial acumulada com a empresa da família, Dart Container, originalmente de Michigan. Mas ele também fez investimentos lucrativos em empresas financeiras, empresas de biotecnologia, títulos públicos russos e papéis de endividamento soberano vendidos com desconto.

De acordo com a Dart Enterprises, a empresa investiu mais de US$ 1,5 bilhão nas Caymans, e há planos para mais US$ 1 bilhão em investimento. De acordo com a Bloomberg, o valor de mercado da Dart seria de US$ 5,8 bilhões. O investimento mais audacioso de Dart envolve o depósito de lixo conhecido como Mount Trashmore, que reúne o material descartado na ilha desde os anos 1960. A empresa dele propôs fechar o local e construir ali uma usina de conversão de lixo em energia ao custo de quase US$ 500 milhões.

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Dart parece enxergar para as Caymans um futuro como endereço fiscal e atração turística para os ultrarricos, que poderiam arcar com o custo de ir e vir de uma ilha que enfrenta um risco existencial. O arranha-céu ficaria relativamente longe da praia de Seven Mile Beach, posicionado de modo a atrair capital estrangeiro e resistir à alta dos oceanos.

“Eu não diria que tudo que ele faz é magnífico", disse Whittaker a respeito de Dart. “Creio que, no cálculo geral, ele trouxe benefícios para a ilha. Precisamos arranjar mais uma ou duas pessoas como ele, e então poderemos nos isolar dos choques globais.” / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

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