Boko Haram volta a sequestrar meninas e enfurece nigerianos

Mais de 100 estudantes desapareceram de uma cidade rural no norte da Nigéria; moradores se perguntam o que o governo aprendeu desde o último sequestro perpetrado pelo grupo extremista

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Por Jonathan Gopep , Dionne Searcey e Emmanuel Akinwotu
Atualização:

DAPCHI, Nigéria - Quando ouviu os tiros, Ali Gambo, um guarda de 70 anos, correu para fora do internato de meninas e viu veículos camuflados. Pensando que fossem militares nigerianos, foi rapidamente para a direção deles.

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Três homens o jogaram no chão e apontaram uma arma para sua cabeça.

“Somos do Boko Haram”, um deles falou, lembra Gambo. “Viemos buscar as suas estudantes”.

Até pouco tempo atrás, parecia que o exército nigeriano estava fazendo progressos contra o grupo radical Boko Haram. Os soldados reconquistaram parte do território e o grupo se enfraqueceu a tal ponto que não fazia mais operações complexas, e começou a fragmentar-se.

Mas nos últimos meses, voltou enfurecido, atacando comboios militares e postos avançados e enviando um número constante de suicidas. Em dezembro, uma facção que prometeu lealdade ao Estado Islâmico entrou em conflito armado com militares americanos no vizinho Níger. Onze militantes foram mortos, inclusive dois que usavam coletes suicidas.

No mês passado, o grupo sequestrou 110 meninas da escola de Dapchi em uma incursão semelhante à de 2014, quando os terroristas sequestraram cerca de 300 moças de Chibok. Dezenas delas foram soltas no ano passado, depois de negociações com o governo, e algumas conseguiram fugir, mas mais de 100 continuam em poder do grupo.

O presidente Muhammadu Buhari, que prometeu esmagá-los, visitou Dapchi este mês para criar uma comissão destinada a investigar o sequestro, na tentativa de acalmar os críticos revoltados que acusam os funcionários do governo de ter demorado para responder.

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“Não haverá descanso enquanto a última garota de Chibok ou de Dapchi não for solta”, declarou Buhari em um comunicado. “As meninas, como todos os nossos cidadãos, precisam gozar de liberdade incondicional e buscar a realização de suas legítimas aspirações”.

Mas Buhari sofreu embaraçosos fracassos nos últimos meses.

Este mês, um ataque do Boko Haram matou forças de segurança e trabalhadores humanitários em um campo para trabalhadores desalojados, em Rann. Meses atrás, os militantes sequestraram policiais femininas e professores universitários que se encontravam em uma viagem visando a exploração de petróleo. Recentemente, o governo negociou sua libertação.

Manifestantes do grupo Bring Back Our Girls durante coletiva de imprensa sobre o sequestro das meninas Dapchi e Chibok. Foto: REUTERS/Afolabi Sotunde

Em Dapchi, os moradores lembram a noite em que o Boko Haram chegou, no primeiro grave incidente no local desde o início da guerra. Aliyu Musa Mabu, vice-diretor da escola, acabara de servir a refeição para as estudantes e se dirigia para a mesquita quando ouviu o primeiro tiro. Correu para fora e viu dois caminhões militares e uma picape armada com uma metralhadora antiaérea. Os homens que lotavam o interior dos veículos usavam turbante e uniformes militares e dirigiram-se para a escola.

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Quando Mabu os alcançou, o caos estava instaurado. Segundo relatos de testemunhas, as garotas corriam por todo lado, umas tentavam pular a cerca para fugir. Os militantes puxaram algumas para baixo, dizendo que eram soldados, e levaram as meninas para os veículos, afirmando que as protegeriam. Na confusão, muitas meninas acreditaram neles e se atropelaram na ânsia de entrar nos caminhões dos homens.

Os militantes que viram uma estudante, Hafsat Lawan, 17, e suas amigas correrem para pular a cerca, acenaram para elas para que se aproximassem e se salvassem. As garotas começaram a ir na direção deles, mas Hafsat mais tarde contou que desconfiou de seus turbantes e das sandálias e por falarem o dialeto local, que em geral os soldados, recrutados em todo o país, não conhecem. Ela fugiu.

“A coisa triste é que algumas das estudantes correram na direção deles - inclusive minha irmã mais nova”, disse Hafsat. A menina, de 14 anos, seria uma das reféns.

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Fatima Bukar, 14, estava em seu dormitório perto da cerca da escola quando ouviu os tiros. “Não sabíamos de onde vinham”, disse. “Ficamos confusas”.

Uma garota fugiu na direção de Fatima e de suas amigas, gritando que fugissem porque o Boko Haram tinha chegado. Fatima contou que viu algumas meninas sendo levadas para fora da escola e colocadas nos caminhões dos militantes.

“Eles falavam: se vocês correrem, nós atiramos”, contou ela, “e davam tiros no ar”.

Fatima pulou a cerca e correu para dentro do mato, calculando que, como não havia estrada na região, os militantes talvez não a perseguissem. Ela fugiu com cerca de 30 meninas e uma professora que as levou para uma fazenda, onde passaram a noite.

Em sua casa, não muito longe da escola, o pai de Fatima, Auwal Bukar, estava em pânico. Ao ouvir os disparos, ele se agachou dentro de casa. Mais tarde, espiou para fora e viu caminhões lotados de moças. Estava escuro, mas os soluços delas eram inconfundíveis.

“Ouvimos claramente que elas choravam”, ele disse./ Eric Schmitt contribuiu para a reportagem.

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