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A Olimpíada já está cancelada para os colecionadores de broches

O colapso do mercado de broches olímpicos é insignificante em face aos mais de US$ 15 bilhões que os Jogos de Tóquio custarão; para ávidos fãs, porém, isso significa uma enorme crise

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Por Redação
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Poucos anos atrás, Bud Kling construiu outros três quartos em sua casa no bairro de Pacific Palisades, em Los Angeles. Os empreiteiros usaram concreto extra, reforçado com vigas metálicas, mas não porque Kling receberia uma multidão. Os quartos não eram destinados a pessoas. Foram projetados para exibir sua coleção de 30 mil broches olímpicos, souvenires coloridos e de variedade infinita que têm sido comprados e trocados durante os Jogos há décadas.

Mesmo com a obra acabada, Kling, um treinador de tênis de 74 anos, ainda tinha muito mais broches que sua residência era capaz de abrigar. Ele também possui cerca de 100 mil “broches trocáveis”, com múltiplas unidades de mesmos modelos, que podem ser negociados, e ele costuma levar esses broches para os Jogos. Seu estoque fica guardado na garagem de casa e em um guarda-móveis alugado.

Bud Kling tem mais de 30 mil broches de inúmeras Olimpíadas. Foto: Philip Cheung/The New York Times

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“Minha mulher tem muita paciência”, afirmou Kling.

Quando foi anunciado em 2020 que a Olimpíada de Tóquio seria adiada em um ano e depois, em março, informaram que ninguém fora do Japão teria a entrada autorizada no país para assistir ao evento, poucas pessoas ficaram tão decepcionadas quanto Kling e outros negociadores de broches olímpicos. Para eles, o esporte é apenas uma parte dos Jogos.

Para cada minuto que eles gastam assistindo a alguma competição, eles gastam outro minuto — talvez dois — negociando broches, seja em rodas improvisadas em meio ao tumulto do lado de fora dos estádios ou em centros de venda e troca especialmente projetados para a atividade.

O colapso do mercado de broches olímpicos dificilmente terá significância no registro das perdas financeiras relacionadas aos Jogos de Tóquio, evento que, segundo os organizadores japoneses, custará mais de US$ 15 bilhões. Cerca de US$ 3 bilhões desse montante decorre das renegociações de contrato causadas pelo atraso de um ano.

Mas encher cofres do governo não tem sido motivo para receber a Olimpíada desde que o preço de organizar o maior evento do mundo começou a aumentar, mais de uma década atrás. Países cogitam sediar os Jogos esperando um momento de exposição arrebatadora, uma publicidade que dura várias semanas e abrange todo o planeta.

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Tóquio obterá um considerável nível de autopromoção se for adiante com os Jogos, que os organizadores prometem realizar apesar de pesquisas nacionais sugerirem que um avassalador número de pessoas no Japão, que enfrenta uma prolongada quarta onda da pandemia, preferiria um novo adiamento ou o cancelamento definitivo do evento.

Para frequentadores de Olimpíada de todo o mundo, esses Jogos serão lembrados como uma festa para qual não foram convidados. Eles incluem cerca de 250 negociadores de broches olímpicos, pessoas que planejam vidas inteiras em torno dos Jogos de Verão e de Inverno e os intervalos de dois anos entre os eventos.

Nunca ouviu falar de broches olímpicos? Tratam-se de itens portáteis e usáveis de promoção e branding, que divulgam delegações de atletas, comitês olímpicos nacionais, patrocinadores privados, meios de comunicação e cidades que tentam sediar Jogos (o The New York Times produz seus próprios broches e distribui entre aproximadamente duas dezenas de repórteres que cobrem os eventos).

Bud Kling na sala onde exibe sua coleção de broches olímpicos. Foto: Philip Cheung/The New York Times

Para quem não se emociona com o tema, os broches olímpicos são o tipo de souvenir de US$ 7 que acaba esquecido na gaveta ou vai para a lata de lixo assim que voltamos dos Jogos. Milhares de pessoas compram broches olímpicos, e muitas delas os negociam espontaneamente quando se deparam com alguma aglomeração de torcedores do lado de fora dos estádios. Países-sede satisfazem fãs casuais e ardentes produzindo enormes quantidades de broches, que são vendidos em lojas de suvenir.

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O Japão se preparou para receber multidões de fanáticos por broches olímpicos. Os organizadores japoneses tinham produzido 600 modelos licenciados oficialmente, afirmou um porta-voz dos Jogos, e há 12 lojas de souvenir em Tóquio.

Agora, a demanda é uma questão em aberto, não somente pelo fato de que apenas fãs japoneses terão entrada permitida nos Jogos. Negociar esses itens é uma atividade tão manual e de tanta proximidade física que há preocupações de que a atividade seja desencorajada ou até proibida.

A assessoria de imprensa dos Jogos não fez nenhum comentário a respeito do tema, além de enviar um “livro de regras”, publicado em fevereiro, que define protocolos gerais de segurança. O mercado de broches olímpicos não foi mencionado, mas um dos princípios publicados declara que os frequentadores dos eventos deverão “manter as interações físicas a um nível mínimo” e “evitar espaços fechados e multidões sempre que possível”. Isso torna o mercado de broches olímpicos impossível.

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Por anos, a Coca-Cola, patrocinadora de longa data da Olimpíada, instalou centros de venda e troca de broches nas sedes dos Jogos. Uma porta-voz da empresa afirmou que haverá promoções relacionadas a broches olímpicos em Tóquio, incluindo uma chance de adquirir itens representando as 47 prefeituras do Japão. Segundo a porta-voz, a possibilidade da abertura de um centro de venda e troca de broches na capital japonesa é avaliada.

Por anos, Kling é recrutado pela Coca-Cola para ajudar na supervisão e gerenciamento de centros de venda e troca de broches olímpicos, um trabalho voluntário que o transformou num czar não oficial desse mercado. Uma de suas muitas funções é fazer valer regras de etiqueta que não estão escritas. Isso significa garantir que todos possam participar da mesa de maneira justa, que broches falsificados sejam eliminados e que aficionados novatos não sejam enganados pagando preços absurdos.

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“Ocasionalmente, escuto um cara mais velho dizer para algum garoto, ‘Meu broche é muito maior, então quero dois em troca’”, afirmou ele. “Não queremos ninguém enganando crianças de oito anos”.

Algumas pessoas estão nesse ramo pelo dinheiro. Existem mais de 80 mil ofertas no eBay para broches olímpicos. Esses especuladores tiveram uma oportunidade de ouro em Nagano, no Japão, em 1998, quando, por razões que ninguém nunca explicou, os organizadores dos Jogos de Inverno não produziram broches olímpicos suficientes. O resultado foi um frenesi de negociações. Algumas pessoas ganharam US$ 40 mil em poucos dias.

“Um cara que eu conheço deu entrada numa casa com o dinheiro que ganhou em Nagano”, afirmou Sid Marantz, um negociador de broches que esteve em 17 Olimpíadas e também trabalha regularmente como voluntário nos centros de venda e troca de broches olímpicos da Coca-Cola.

Exemplos da vasta e organizada coleção de broches olímpicos de Bud Kling. Foto: Philipp Cheung/The New York Times

Atualmente com 76 anos, Marantz trabalhava no negócio de sua família, vendendo produtos como sal e açúcar, antes de se aposentar. Ele colocou as mãos no primeiro broche olímpico de sua vida quando seus pais o levaram à Roma para assistir aos Jogos de 1960. Ele era um grande fã de Rafer Johnson, atleta da UCLA que disputava várias categorias e ganhou a medalha de ouro no decatlo naquele ano.

“Fiquei impressionado com aquilo tudo”, afirmou ele.

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A Olimpíada seguinte a que compareceu foi a de Montreal, em 1976, em um tour da revista esportiva Track & Field News, que ele assinava. Foi a primeira vez, afirmou ele, que os espectadores se envolveram em grande escala no mercado de broches olímpicos.

Além de novas amizades, negociar broches olímpicos propicia caças por tesouros escondidos, difíceis de encontrar. Eles incluem broches de delegações africanas, porque elas tendem a ter poucos integrantes (broches do Burundi são especialmente valorizados; o país levou nove atletas à edição do Rio em 2016).

Qualquer país que tenha mudado de nome recentemente arrepiará os cabelos dos fãs de broches olímpicos. Isso refere-se a você, Macedônia do Norte, que disputará os primeiros Jogos desde que a Grécia a obrigou a acrescentar “do Norte” ao seu nome.

Broches olímpicos de meios de comunicação japoneses são cobiçados desde Nagano, porque com frequência são adornados por desenhos de mascotes fofinhos.

Desta vez, porém, nem mesmo esse gênero estará entre os mais procurados. Os broches com a inscrição Tokyo 2020 — sim, com o nome original do evento, apesar da mudança de data — valerão quase nada, prevê Marantz. A oferta será muito maior do que a demanda. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

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