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Carpinteiro constrói barracos para desabrigados em Toronto

Depois que Khaleel Seivwright construiu um barraco para si, começou a fazer casinhas similares para desabrigados de Toronto sobreviverem ao inverno

Por Catherine Porter
Atualização:

TORONTO — A caminho do trabalho num canteiro de obras, Khaleel Seivwright, observava um número cada vez maior de tendas à beira das vias que cortam a cidade e em parques com um crescente desconforto. Como essas pessoas conseguiam sobreviver aos invernos gelados e úmidos de Toronto, sem falar no coronavírus, que tirou muitas pessoas de abrigos lotados?

A cena lhe lembrava o pequeno barraco de madeira que construiu para morar na época em que viveu numa comunidade na Colúmbia Britânica.

Khaleel Seivwright, o carpinteiro que construiu barracos de madeira para serem ocupados por pessoas em situação de rua. Foto: Ian Willms / The New York Times

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Então, ele transportou um novo gerador no seu SUV, amarrou o equivalente a US$ 800 em ripas de madeira no teto do veículos e se dirigiu para uma área mais longe da cidade no meio da noite para construir um outro barraco, uma caixa de madeira de dois metros, 22 cm por 91 cm, fechada com um barreira de vapor e isolamento suficiente que, pelos seus cálculos, manteriam o local quente nas noites em que o termômetro chega a 15 graus negativos.

Instalou uma janela para entrada de luz e adicionou detectores de monóxido de carbono e fumaça. E depois colocou uma tabuleta ao lado com a frase “qualquer pessoa é bem-vinda e pode se instalar aqui”.

Desde então, Seivwright, 28 anos, construiu cerca de 100 abrigos similares com uma equipe de 40 voluntários e mais de U$ 200 mil em doações. E levou essas pequenas casas para parques de Toronto onde os acampamentos de pessoas sem-teto aumentaram, lembrança chocante dos efeitos perversamente díspares da pandemia.

Os burocratas da cidade taxaram os barracos de ilegais e inseguros e uma violação da propriedade, expedindo ordens de despejo e informando os moradores que a cidade havia alugado quartos de hotéis para eles se acomodarem. E Seivwright recebeu uma ordem judicial expressa para não mais instalar as estruturas em terreno de propriedade da cidade.

Para as pessoas que vivem nos barracos, esses abrigos são um espaço minúsculo de sua propriedade, um refúgio contra as doenças e o perigo. São também um tapa na cara dos políticos e um lembrete potente do fracasso do Canadá na construção de habitações sociais nos últimos 25 anos.

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“Este homem é um herói”, disse Domenico Saxida, que viveu num desses barracos num parque do centro de Toronto desde antes de o coronavírus se abater sobre a cidade. “Ele fez o governo canadense parecer estúpido. Um homem que investiu do seu bolso e o seu tempo nisto”.

Num domingo recente, mais de 200 pessoas se reuniram num parque para protestar contra os avisos de despejo e para ouvirem Seiwwright, uma pessoa tão reservada que suas contas na mídia social há muito tempo são ocultas por meio de pseudônimos. Mas ele foi impelido pelo que considera um imperativo moral, como também pelos ensinamentos dos seus filósofos favoritos.

Samanthaé uma das pessoas que ocupou um dos barracos construido por Khaleel Seivwright e seu time de voluntários. Foto: Ian Willms/The New York Times

“Vem se tornando cada vez mais inacessível para as pessoas viverem aqui”, disse ele à multidão que o aplaudia. “É como se estivéssemos todos de pé numa fila, esperando para sermos expulsos. E as pessoas vivendo ao ar livre estão no fim da fila”.

Ele sabe o que é ser um sem-teto – embora tenha sido mais um experimento em termos de autossuficiência do que resultado da má sorte. Em 2017, ele colocou uma barraca num parque em Burnaby Lake, a 30 minutos do centro de Vancouver, onde trabalhava num canteiro de obras. Durante cinco meses viu o que era acordar tremendo de frio, depois de a neve derrubar o teto de nylon, e não conseguir dormir por medo de ser atacado por coiotes.

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E ele sabe também por experiência pessoal a importância da habitação subsidiada. Ele cresceu numa cooperativa habitacional na área suburbana de Toronto, o filho do meio de um casal de imigrantes da Jamaica. Sua mãe era faxineira de uma escola e seu pai eletricista que levava Seivwright e seu irmão mais novo, Ali, para trabalharem com ele em construções quando tinham 12 e 11 anos de idade.

Depois de terminar a escola secundária, arranjou um emprego numa empresa que fabricava casas de madeira. Seu patrão o motivou com uma promessa: a cada nova habilidade que aprendesse, ele teria um aumento de um dólar. Em poucos anos aprendeu o bastante para ter sua própria equipe.

Há seis anos, ele se mudou para uma pequena comunidade no norte da Colúmbia Britânica onde aprendeu a abater frangos,  identificar cogumelos, construir estufas e a compostagem de resíduos. Acordava todas as manhãs para caminhar a pé na floresta para se sentir “conectado com a natureza”. Quando não tinha dinheiro, conseguia algum emprego na cidade.

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“Era como eu queria viver. Dependendo inteiramente de mim. Não tinha de obedecer a ninguém”.

Seus amigos e irmãos descrevem Seivwright como um autodidata apaixonado. Não é uma pessoa que fica na superfície. Ele se aprofunda.

Na escola, encontrou um piano e praticava durante horas todos os dias até ser bom o suficiente para criar uma banda e começar a tocar em bares. Ficou obcecado pelo xadrez e jogou tanto que passou a oferecer aulas on-line. Aprendeu a pintar por conta própria e começou a vender suas obras nas estações de metrô.

Depois do seu segundo barraco de madeira, ele decidiu dedicar sete dias da semana ao projeto, trabalhando freneticamente num armazém alugado. A iniciativa “pisou no calo” dos burocratas da cidade, e também dos cidadãos, muitos fechados em casa em meio à pandemia.

Seivwrigth uniu forças com um grupo de músicos e artistas chamado Ecampment Support Network, que que levava comida e mantimentos para pessoas vivendo nesses acampamentos, que hoje são 14, com cerca de 400 moradores.

Ele lançou uma petição insistindo para a cidade não remover os abrigos dos parques –iniciativa que já conta com quase 100 mil assinaturas. Muitas outras seguiram, formalizadas por provedoras de saúde, músicos, grupos de igrejas, advogados, acadêmicos, artistas e escritores. “Eu me tornei o rosto de algo que é maior do que eu próprio”, disse ele.

Até agora a burocracia da cidade e os políticos não cederam. Incêndios nos abrigos, um deles fatal, aguçaram sua oposição. E eles têm a lei do seu lado: em outubro, um juiz de Ontário decidiu que os acampamentos prejudicam o uso dos espaços públicos e que a cidade tem o direito de removê-los.

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“Não consigo aceitar o fato de que pessoas vivendo em parques seja o melhor que nosso país e nossa cidade consigam fazer”, afirmou Ana Bailão, vice-prefeita de Toronto, acrescentando que a cidade tem 2.040 unidades habitacionais sendo construídas e milhares aprovadas – um aumento considerável em comparação com anos anteriores, mas nada tendo em vista as mais de 80 mil pessoas na lista de espera.

Seivwright se preocupa que, quando os parques forem esvaziados, essa conversa sobre habitação acessível para os que necessitam seja rapidamente esquecida. E contratou advogados para contestarem a injunção recebida da justiça.

Enquanto aguarda a data da decisão, ele deixou de fabricar abrigos. E também adiou seu plano de se mudar para a costa leste do país para criar sua própria comunidade, com menos regras e mais tempo para tocar música, pintar e ler.

“Vale a pena. Eu tenho um modo de pensar esquisito: a vida é longa. Não é tão terrível esperar um pouco”. /TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO

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