PUBLICIDADE

Uso excessivo de força pela polícia do Chile revela abusos de longa data

De acordo com o Instituto Nacional de Direitos Humanos, cerca de 400 casos envolvem tortura; outros 194 são de violência sexual por parte da corporação, além de seis mortes

Por Pascale Bonnefoy
Atualização:

SANTIAGO, CHILE - A brutalidade da resposta da polícia chilena à agitação do país está levando a um amplo apelo à reforma da corporação. Os protestos, que começaram há dois meses por causa de um aumento proposto nas tarifas do metrô e se transformaram em um acerto de contas mais amplo sobre a desigualdade, incluíram reuniões pacíficas e confrontos violentos com a polícia que resultaram em milhares de casos de abuso, segundo o Instituto Nacional de Direitos Humanos.

Quase 400 dos incidentes documentados pelo órgão estatal são de tortura e tratamento cruel. Outros 194 envolvem violência sexual, incluindo quatro estupros. Mais de 800 envolvem uso excessivo de força pela polícia. O Instituto classificou pelo menos seis assassinatos por forças de segurança como homicídios.

Legisladores noChiledizem que o presidente Sebastián Piñera é responsável pelas ações das forças policiais sob sua vigilância. Foto: Tomas Munita / The New York Times

PUBLICIDADE

Essas instâncias trouxeram um novo escrutínio aos Carabineros, a força policial nacional do Chile, que nunca foi expurgada ou reformada significativamente depois que a ditadura liderada pelo general Augusto Pinochet terminou em 1990. Os Carabineros estavam envolvidos em violações dos direitos humanos que deixaram mais de três mil mortos e desaparecidos e 38 mil torturados durante o governo de Pinochet.

"Nunca pensamos que teríamos que voltar ao Chile nessas circunstâncias para registrar violações maciças dos direitos humanos", afirmou José Miguel Vivanco, do Human Rights Watch, quando o grupo apresentou um relatório sobre o Chile no mês passado. "Achávamos que isso era coisa do passado."

O chefe dos Carabineros, general Mario Rozas, disse que houve 856 investigações internas relacionadas aos relatórios em andamento. Ele também anunciou mudanças na instituição. O presidente Sebastián Piñera disse que as acusações serão investigadas e o país dará as boas-vindas a quatro organizações de direitos humanos, incluindo a Organização dos Estados Americanos e as Nações Unidas.

O governo também criou uma força-tarefa, liderada por Gonzalo Blumel, ministro do Interior, para propor reformas, e a polícia suspendeu o uso de balas de borracha. Mas grupos de direitos humanos dizem que os Carabineros ainda estão disparando cartuchos de gás lacrimogêneo contra manifestantes.

Grupos e analistas de direitos humanos dizem que querem que o governo aumente sua supervisão das operações e treinamento dos Carabineros, assim como da nomeação e remoção de oficiais, deixando a polícia sob controle civil. Os legisladores da oposição dizem que o presidente é responsável pelas ações das forças sob sua vigilância. Seu ex-ministro do Interior, Andrés Chadwick, deixou o cargo. Centenas de manifestantes sofreram ferimentos nos olhos causados pelo uso indiscriminado de armas de choque pela polícia. Dois tornaram-se cegos. Mais de 12.700 pessoas foram feridas em todo o país, segundo registros.

Publicidade

Quando os chilenos saíram às ruas em meados de outubro, os Carabineros já enfrentavam uma crise profunda e estavam mal preparados para estar na linha de frente de um período prolongado de inquietação popular. Nos últimos dois anos, mais de 35 generais que faziam parte dos Carabineros foram expulsos após uma série de escândalos. Entre os demitidos estava o ex-chefe de polícia, que deixou o cargo em 2018 após encobrir o assassinato do indígena Camilo Catrillanca por um esquadrão antiterrorista. A maioria dos oficiais de alto escalão removidos estava envolvida em um dos maiores escândalos de peculato na história do Chile, um caso que se arrastou por mais de uma década e envolve pelo menos US$ 35 milhões. Quase 100 policiais e civis foram condenados até o momento por conexão com o caso. Sinais de descontentamento vinham surgindo há uma década: grandes protestos exigiam educação e reforma previdenciária, o fim da corrupção e o respeito pelos direitos à terra dos povos indígenas. “Os Carabineros são uma força policial militarizada, com estrutura e lógica militar, e não uma força policial civil. Todas as tentativas de reformar sua estrutura após a ditadura foram muito lentas, com pouca capacidade de controle civil", explicou Claudio Fuentes, professor da Universidade Diego Portales. / TRADUÇÃO DE ROMINA CÁCIA

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.