Mulher solteira luta pelo direito de congelar os óvulos na China

Autoridades do país insistem no papel central do homem para a unidade familiar tradicional

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Por Sui-Lee Wee e Elsie Chen
Atualização:

PEQUIM - Teresa Xu quer ter um filho algum dia. Como muitas mulheres, espera congelar seus óvulos enquanto trabalha para juntar dinheiro para uma futura família. Mas o procedimento é vetado na China para as solteiras.

Teresa, uma editora freelancer, decidiu então iniciar o primeiro questionamento jurídico da China a uma lei que restringe os tratamentos de fertilidade a casais. “Quanto mais penso no assunto, mais a situação me parece injusta", disse ela. “É como se meu direito de escolha fosse sempre controlado por outros.”

Teresa Xu, 31 anos, decidiu abrir um processo depois que um hospital de Pequim recusou o pedido dela para congelar seus óvulos. Foto: Yan Cong para The New York Times

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Um médico no hospital obstétrico da Universidade Médica Capital disse a Teresa, 31 anos, que seus óvulos eram saudáveis, mas, em vez de congelá-los, ela deveria se casar o quanto antes e ter filhos. Teresa processou a instalação, alegando que, ao negar-lhe o tratamento, o hospital estaria essencialmente discriminando as solteiras.

A questão tem implicações sociais e demográficas amplas: as chinesas solteiras têm direitos reprodutivos?

Faz décadas que as autoridades insistem no papel central do homem para a unidade familiar tradicional, vista como alicerce da sociedade, desencorajando as solteiras a terem filhos sozinhas. Mas a demanda por tecnologia reprodutiva reflete uma realidade mais ampla. As mulheres estão atrasando o casamento e, em alguns casos, evitando-o.

Em dezembro, um tribunal de Pequim acolheu a queixa de Teresa contra o Hospital Obstétrico e Ginecológico de Pequim. O porta-voz do hospital, Chao Wei, disse que era necessário seguir a lei. Depois de algumas horas, o tribunal suspendeu a audiência até uma data futura não especificada.

A proibição da China aos tratamentos desse tipo para solteiras obrigou muitas a pagarem dezenas de milhares de dólares para buscar o procedimento no exterior. O congelamento de óvulos se tornou assunto debatido nacionalmente depois que a atriz Xu Jinglei anunciou em 2015 que tinha recebido o tratamento nos Estados Unidos.

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Ativistas apelaram aos legisladores para que revertam a proibição e esperam que o tema seja debatido em março durante a reunião do Congresso Nacional Popular.

“As solteiras merecem o direito de serem mães", disse Cong Yali, professor de ética médica da Universidade e Pequim. “O direito à reprodução é um direito humano inalienável. A questão não pode depender do casamento.”

As restrições têm origem em décadas de regras que tinham como objetivo controlar o crescimento populacional. Até as mulheres casadas enfrentam requisitos que dificultam o congelamento de óvulos: primeiro precisam de uma licença para terem filhos, e depois devem comprovar que são estéreis ou estão se submetendo a tratamentos que prejudicam a fertilidade.

Teresa, a editora freelancer, argumenta que os homens podem congelar o esperma sem nenhuma pré-condição. Mas, para ela, exigir o direito de congelar os óvulos não é apenas uma questão de igualdade. Ela enxerga a questão como um seguro para o futuro. Quer ter filhos que possam cuidar dela quando estiver idosa.

A advogada Li Jun, de Xangai, disse que Teresa era corajosa por desafiar a lei. “Sabemos como são difíceis as pressões que afetam nossa população", disse Jun. “Assim, a insistência em se ater a antigos costumes é algo difícil de entender.” / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

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