PUBLICIDADE

Jornalista vai à Justiça para evitar que chinesas assumam dívidas de ex-maridos

Li Xiuping, repórter de um jornal estatal, ajudou a organizar uma coalizão online tentando mudar as leis de casamento da China

Por Amber Wang e Chris Buckley
Atualização:

PEQUIM - Nos primeiros sete meses após o divórcio, Li Xiuping achou que o seu ex-marido tinha desaparecido da sua vida. Depois veio o telefonema que transformou Li, jornalista em um jornal estatal de Pequim, em uma ativista que defende os direitos econômicos das mulheres chinesas.

PUBLICIDADE

O ex-marido informava que ela perdera a audiência em uma ação movida por credores que procuravam o casal pela falta de pagamento de empréstimos no valor de US$ 400 mil - dívida que ela disse desconhecer. O caso levou Li à luta para mudar o direito matrimonial da China. “Isto não está certo, eu não quero ver mais vidas arruinadas”, afirmou Li Xiuping. “E não quero desistir disto sem antes irmos até onde for possível”.

Ela e centenas de outras mulheres, e também alguns homens, afirmam que caíram em uma cilada quando, em 2003, os tribunais determinaram que eram responsáveis conjuntamente por empréstimos não pagos anteriormente pelos respectivos cônjuges. “Eu não deveria ser arrastada para riscos incontroláveis por causa de um casamento”, queixou-se Xiuping em seu aparamento em Pequim.

No governo de Xi Jinping, líder autoritário do Partido Comunista, a China calou os legisladores e os ativistas dos direitos humanos. Mas Li Xiuping e outros evitaram o confronto político usando o WeChat, uma plataforma de media social, para mobilizar, coordenar e compartilhar informações com pessoas igualmente às voltas com os trâmites do divórcio. A jornada de Xiuping no ativismo começou em 2014, quando ela e o marido, Li Xianghua, divorciaram. O marido não pôde ser encontrado para comentar o caso.

Uma lei sobre casamentos tornou Li Xiuping responsável pelo pagamento das dívidas do ex-marido. Agora, ela trabalha para mudar a lei. Foto: Gilles Sabrié para The New York Times

Quando a data do pagamento dos empréstimos de seu ex-marido expirou, Xiuping se encontrou envolvida em processos judiciais referentes à sua parte da dívida. O momento mais difícil foi em 2015, quando ela ficou presa nove dias por acusar um juiz de confiscar seus documentos. “Foi uma coisa absolutamente ridícula. Eles nem notificaram o meu advogado”, ela disse referindo-se à sua detenção. “Quando saí da prisão, decidi lutar pelos meus direitos.”

A internet chinesa ofereceu a Xiuping uma tábua de salvação. Durante suas buscas online, em 2016, ela encontrou um grupo de mulheres cujas reclamações se pareciam com as suas: elas tinham divorciado e estavam desesperadas porque os ex-maridos as deixaram enterradas em dívidas.

“O casamento é uma coisa arriscada, tenham cuidado com os documentos para a certidão de casamento”, dizia o texto que chamou a atenção de Li no Weibo, o serviço da mídia social chinesa. “Se casarem com a pessoa errada, o seu casamento acabará com a sua vida”.

Publicidade

À medida que foi garimpando informações, encontrou outras mulheres que contavam que os credores exigiam o pagamento das dívidas dos ex-maridos. Além de serem processadas, algumas delas entraram em uma lista que impedia que viajassem, ou suas rendas haviam sido confiscadas; outras chegaram a perder suas casas.

Li Xiuping se tornou uma organizadora determinada. Convenceu muitas companheiras a também se manifestarem, e postou fotografias dela mesma segurando um cartaz que pedia a revisão das normas sobre dívidas nos divórcios. Em 2017, organizou uma pesquisa que reuniu cerca de 1,5 mil respostas de pessoas - quase todas mulheres - que descreviam os seus problemas com o divórcio e as dívidas.

Naquela altura, o movimento reunia cerca de 1,3 mil membros, na maioria mulheres. Elas compartilhavam informações sobre os seus casos, aplaudiam quando elas se manifestavam nos tribunais, e começaram a fazer lobby junto a juízes e políticos. Em 2018, as mulheres obtiveram uma vitória quando o supremo tribunal emitiu uma nova instrução, reduzindo as circunstâncias pela quais cônjuges divorciados podiam ser considerados responsáveis pelas dívidas do outro membro do casal. Esta mudança foi suficiente para algumas mulheres abandonarem a campanha.

Mas Li Xiuping continuou. Ela exige que a China estabeleça condições mais justas para as mulheres divorciadas, e uma revisão da lei sobre casamentos, em lugar de elas terem de depender da instrução de um tribunal. “Ao longo de toda esta história, eu ajudei a fazer avanços na lei no seu sentido autêntico”, afirmou. “E descobri mais possibilidades na vida”. / TRADUÇÃO DE ANNA CAPOVILLA

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.