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'Choque' do vírus faz prever perspectiva sombria para setor petrolífero

Produtores de petróleo nos Estados Unidos e em outras nações se preparam para obter receitas mais baixas, investimentos reduzidos e perda de empregos

Por Clifford Krauss
Atualização:

HOUSTON, TEXAS – O repentino tumulto gerado nos mercados de petróleo poderá deixar vítimas no mundo inteiro, desde as empresas de energia e seus trabalhadores, aos governos cujos orçamentos estão atrelados ao preço do petróleo bruto. E talvez sejam necessários meses para que seja possível avaliar as suas consequências. Entretanto, o impacto na economia deverá ser considerável, particularmente para os países em que o petróleo domina o mercado de trabalho.

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Com a epidemia do coronavírus reduzindo os intercâmbios, prejudicando os transportes e outras atividades econômicas, a demanda provavelmente se manterá fraca. Ainda que Rússia e Arábia Saudita resolvam as suas diferenças – o que levou os sauditas a reduzir de maneira drástica os preços depois que a Rússia se recusou a acompanhar os seus cortes da produção – o excesso global de energia manteve os preços baixos durante anos.

Muita empresas petrolíferas menores nos EUA poderão falir se a pressão dos preços continuar por mais algumas semanas, enquanto as maiores terão dificuldades para manter os pagamentos dos dividendos. A queda dos preços se refletirá de maneira diferente em cada país. China e Índia, grandes importadoras de petróleo, deverão ganhar com isso. Mas não a Venezuela, aliada da Rússia que depende das suas instáveis exportações de petróleo. 

O Irã, já pressionado pelo recrudescimento das sanções americanas, também será afetado pela queda dos preços, aumentando o descontentamento crescente. A Arábia Saudita poderá ser igualmente atingida, embora tenha precipitado a crise. As finanças e os programas sociais do governo saudita baseiam-se nas vendas de petróleo, que também têm como finalidade diversificar a economia.

“Trata-se do entrechoque de petróleo, geopolítica e o vírus que acarretou o colapso dos mercados”, afirmou Daniel Yergin, autor de The Prize: The Epic Quest for Oil, Money and Power. “ O declínio da demanda de petróleo se espalhará por todo o globo à medida que o vírus avançar”.

Arábia Saudita e Rússia têm razões para aceitar o compromisso, mas ambas têm condições de absorver os prejuízos por alguns meses. A Arábia Saudita tem os menores custos de produção em comparação a qualquer outro país produtor, de maneira que pode operar lucrativamente a preços baixos.

Em épocas anteriores de declínio dos preços, as grandes companhias petrolíferas investiram em projetos a longo prazo como a perfuração em águas profundas. Foto: Chris Carmichael para The New York Times

A Rússia dispõe de reservas financeiras suficientes e pode desvalorizar a sua moeda para manter o fluxo de dinheiro em toda a economia. O que deixa mais vulneráveis os produtores que operam com os custos mais elevados. As mais ameaçadas são as pequenas empresas privadas, com grande volume de dívidas, investidores impacientes e poços menos produtivos.

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Mas as empresas de porte médio também correm perigo, inclusive a Chesapeake Energy, segundo o Morgan Stanley. A Chesapeake, uma importante companhia de petróleo e gás de Oklahoma, tem dívidas por US$ 9 bilhões de dívidas e dispõe de pouco dinheiro vivo por causa dos baixos preços das commodities.

Em uma nota recente aos investidores, o Goldman Sachs afirmou que as grandes companhias como Chevron e ConocoPhillips, estarão preparadas para suportar o choque, mas que Exxon Mobil poderá ser obrigada a cortar os gastos em prospecção e nova produção, que recentemente se concentraram no Texas, Novo México e ao largo da costa da Guiana.

A Halliburton e outras empresas de serviços – as que estão encarregadas da perfuração de polos e do fraturamento hidráulico que explode as rochas de xisto – estão expostas porque exploradoras e produtoras frequentementecortam em primeiro lugar os seus serviços nos períodos de crise.

As refinarias poderão beneficiar-se com o aumento da oferta de óleo barato, segundo o Goldman Sachs. Os executivos do setor petrolífero dos EUA observaram que muitas companhias reduziram os seus riscos nos últimos seis meses lançando mão de contratos de vendas a US$ 50 o barril, ou mais. 

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Entretanto, acrescentaram, as demissões serão inevitáveis, como ocorreu quando os preços do petróleo despencaram, no final de 2014 e 2015, e mais de 170 mil trabalhadores perderam seus empregos. No entanto, os analistas observam que, mesmo um acentuado declínio da abertura de novos poços, não reduzirá a produção americana por mais de alguns milhões de barris diários, quando muito nos próximos dois anos.

Scott D. Sheffield, diretor executivo da Pioneer Natal Resources, uma das maiores companhias petrolíferas do Texas, previu que Rússia e Arábia Saudita serão mais afetadas do que as produtoras de petróleo americanas. “Nós ajustaremos o nosso capital e a mão de obra para preservar os balanços”, ele disse. “Muitas companhias falirão, mas novos acionistas serão os donos das áreas onde ocorrerá a perfuração”. 

O setor enfrentou diversas vezes acentuados declínios dos preços nas últimas décadas. As grandes companhias investiram durante estes ciclos principalmente com projetos de longo prazo como perfurações em águas profundas. Mas alguns analistas afirmam que, desta vez, talvez o setor não esteja bem preparado. As crescentes preocupações com a mudança climática e a relutância cada vez maior dos investidores em despejar dinheiro em um setor que, nos últimos anos, teve dificuldade para obter lucros prejudicaram a indústria antes mesmo do ataque do vírus.

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“Em muitos aspectos, desta vez será diferente, mas não em termos positivos”, afirmou David L. Goldwyn, o mais alto diplomata da área de energia do Departamento de Estado no primeiro governo Obama. “Os baixos preços do petróleo não resultarão necessariamente em um aumento da demanda por causa do firme compromisso de muitos países a reduzir a emissões do gases do efeito estufa”. A tendência incerta do coronavírus sugere que a recuperação da demanda será lenta”. / TRADUÇÃO DE ANNA CAPOVILLA

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