Popularidade dos cigarros eletrônicos alarma Pequim

Noventa por cento de todos os cigarros eletrônicos são feitos na China

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Por Sui-lee Wee e Elsie Chen
Atualização:

Modelos se refrescavam em uma piscina inflável amarela cheia de brinquedos de pelúcia e equipamento usado com os cigarros eletrônicos. Os entusiastas desse formato faziam fila para receber canetas e cartuchos gratuitos, enquanto nuvens com aroma de manga, menta e rosa se misturavam à música eletrônica no ar.

Os frequentadores da Shanghai eCig Expo [Mostra de Cigarros Eletrônicos de Xangai], iniciada no fim de outubro, tinham muito o que celebrar. O uso de cigarros eletrônicos aumentou muito na China, atraindo investidores. Em um país onde o número de fumantes é quase igual à população dos Estados Unidos, o potencial de crescimento parecia ilimitado.

O mercado chinês de cigarros eletrônicos movimentou US$ 750,4 milhões em 2018. Foto: Gilles Sabrié para The New York Times

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Mas as coisas parecem ter mudado. A China se juntou a outros governos na pressão contra o uso desses aparelhos. As autoridades proibiram a venda de dispositivos usados como cigarros eletrônicos na internet, e os principais canais de propaganda da China intensificaram as críticas à indústria, citando os potenciais efeitos nocivos para a saúde. O governo pensa em proibir o seu uso em espaços públicos.

A repressão de Pequim ameaça uma indústria que contava com a China como seu santuário. Noventa por cento dos cigarros eletrônicos do mundo são feitos na China. Algumas das principais marcas de cigarros eletrônicos do país, incluindo RELX, FLOW e Yooz, receberam centenas de milhões de dólares em capital de investidores de peso como Sequoia China, IDG Capital e Matrix Partners China. 

O escrutínio reforçado aumenta os problemas enfrentados pelas exportadoras chinesas de cigarros eletrônicos, já prejudicadas pela crise de saúde ligada ao seu uso nos EUA, afetando pelo menos 2.200 pessoas e matando 47.

Ainda que as exportações há muito dominem a indústria de cigarros eletrônicos na China, o mercado doméstico decolou há apenas três anos. A maioria dos 10 milhões de usuários de cigarros eletrônicos na China é de jovens que preferem aparelhos com design moderno e sabores como morango gelado e refrigerante de laranja.

A consultoria de pesquisa global de mercado Euromonitor disse que o mercado de cigarros eletrônicos na China movimentou US$ 750,4 milhões em 2018, quase o triplo do valor registrado em 2014. Há mais de 300 milhões de fumantes na China em meio a uma população de quase 1,4 bilhão. As preocupações com o uso dos aparelhos estão aumentando entre os jovens, levando a apelos por uma regulamentação mais rigorosa.

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No dia 4 de novembro, o artigo mais lido no site do Diário do Povo, jornal oficial do Partido Comunista, destacava que a maioria das empresas de cigarros eletrônicos continuava a vender seus produtos na internet, apesar da proibição. No dia seguinte, a emissora estatal da China, China Central Television (CCTV), mostrou autoridades em Pequim convocando as empresas a respeitarem a proibição. Depois disso, os cigarros eletrônicos não foram mais encontrados no Taobao (Alibaba) e JD.com, duas das plataformas de comércio eletrônico mais populares da China.

A RELX é a principal vendedora de cigarros eletrônicos na China. Trabalho na linha de produção da RELX em Shenzhen. Foto: Gilles Sabrié para The New York Times

Durante anos, o governo chinês permitiu que a indústria prosperasse sem supervisão. De acordo com o banco de dados corporativo Tianyancha, há mais de 9.500 empresas de cigarros eletrônicos no país. Muitas apresentam controle de qualidade questionável que resultam em falsificações, ingredientes perigosos e vazamento de líquido.

Em março, a CCTV disse que oito empresas de cigarros eletrônicos produziam óleos com níveis de nicotina acima do anunciado. O governo deve obrigar os produtores a seguir os padrões de qualidade dos ingredientes e manufatura, de acordo com rascunho de pronunciamento ao qual o New York Times teve acesso. Uma vez estabelecido o “padrão nacional”, as empresas teriam de fornecer detalhes a respeito da dosagem dos ingredientes, com alertas nas embalagens, e desenvolver uma forma de testar os cigarros eletrônicos para garantir sua conformidade.

O processo provavelmente elevaria o custo de produção, dizem especialistas da indústria, e deve tirar do mercado as exportadoras menores. Mas Ou Junbiao, diretor de uma associação da indústria, diz que as regras seriam bem recebidas porque apresentariam parâmetros claros. Ele disse que muitas empresas como a dele jamais ousaram vender seus produtos na China por medo de despertar a fúria do governo.

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“Quando padrão nacional for anunciado, poderei seguir suas diretrizes e fazer grandes investimentos", disse Ou, dono da Sigelei, uma das maiores exportadoras chinesas de cigarros eletrônicos para os EUA. “Então, não precisarei me preocupar com surpresas nesse sentido, mas ainda não sei qual será a decisão final.”

Empresários na China atribuem os casos de doenças respiratórias ligadas aos cigarros eletrônicos nos EUA ao uso de THC, ingrediente psicoativo da maconha, e o acetato de vitamina E.

Chen Lin, diretor de vendas de uma empresa que produz peças para cigarros eletrônicos, disse que as vendas de sua empresa tiveram queda de 80% em outubro. “Basicamente, não tivemos novas encomendas esse mês depois do que ocorreu nos EUA", disse ele.

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Na China, a RELX se tornou a principal marca de cigarros eletrônicos. Jiang Xingtao, cujo cargo é descrito como “diretor de sabores” da RELX, disse acreditar que os cigarros eletrônicos são mais seguros que os tradicionais, mas ainda são necessários mais testes.

“Temos evidências mostrando que é seguro consumi-los pelo aparelho digestivo, mas será seguro absorvê-los com os pulmões?” disse Jiang. “A verdade é que ninguém tem provas concretas quanto a isso.”

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