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Comédia sobre cerco de Leningrado desagrada governo da Rússia

Após ameaça de um funcionário do alto escalão de não conceder a licença de distribuição para o filme, diretor recorreu ao Youtube

Por Valeriya Safronova
Atualização:

As ameaças começaram ao meio-dia, quando o diretor de cinema russo, Aleksey Krasovskiy, recebeu os primeiros telefonemas e mensagens falando de “Holiday”, o filme no qual estava trabalhando. "Uns homens estavam esperando na entrada do meu antigo prédio de apartamentos", ele contou. "Felizmente, eu havia me mudado de lá. Foi o que me salvou."

Segundo ele, o fato de querer fazer uma comédia sobre o cerco de Leningrado, o bloqueio de 900 dias de duração sofrido pela cidade na Segunda Guerra Mundial, no qual morreu cerca de um milhão de civis, foi tema de telefonemas e mensagens, e também de blogs, jornais e programas políticos. 

'Holiday' fala essencialmente do cerco de Leningrado, que durou 900 dias, na Segunda Guerra Mundial Foto: Vasiliy Ivanov

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Sem ter visto o filme, a mídia acusava “Holiday” e Krasovskiy de zombar da história russa e desonrar os veteranos. O diretor imaginava que os ataques, que começaram em meados de outubro, durassem apenas alguns dias, mas continuaram por mais de um mês. 

Um funcionário de alto escalão do partido do presidente Vladimir Putin, Rússia Unida, disse que pediria às autoridades que não concedessem a licença de distribuição do filme, informou uma agência de notícias estatal. Para não correr o risco de a película cair nas mãos da censura, o diretor decidiu não solicitar a autorização.

No dia 2 de janeiro, ele postou “Holiday” no YouTube, com instruções para fazer uma doação como “pagamento” de uma visualização. A produção custou cerca de US$ 60 mil, segundo Krasovskiy, e o dinheiro saiu praticamente todo do seu bolso, com a ajuda de uma campanha de financiamento solidário e do cinegrafista do filme, Sergey Astakhov.

“Holiday” recebeu 1,3 milhão de visualizações e mais de US$ 52 mil. As legendas são em russo e italiano, e em breve sairão também em francês e inglês. "Antes de rodar este filme, conversei sobre a história com os parentes dos sobreviventes", contou Krasovskiy. "Eu sabia que, quando fosse exibido, as pessoas se dariam conta de que o filme não era ofensivo à sua memória."

A película tem seis atores - uma família de quatro pessoas e dois hóspedes nada oportunos - e toda a ação se desenrola em um apartamento de Leningrado, no último dia do ano. O bloqueio está no ápice, mas de certo modo, a família parece bastante confortável, algo que procura esconder e depois justificar.

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'Holiday' foi denunciado por zombar do cerco de Leningrado, mas o diretor afirma que a película é respeitosa Foto: Vasiliy Ivanov

Astakhov, o cinegrafista do filme, falou que se oporia à ideia de fazer uma comédia sobre o cerco em si. Mas “Holiday”, afirmou, "não fala dos veteranos e das pessoas que sofreram e morreram. Fala dos que sobreviveram e que estavam enfrentando problemas morais."

Segundo os comentários no YouTube, as autoridades corruptas da Rússia devem ter-se reconhecido nos principais personagens do filme. "Esta película é uma alegoria do regime atual, em que as autoridades estão enlouquecendo pela ganância, medindo-se pelos iates, carros e palacetes", escreveu um usuário.Ao mesmo tempo, acrescentou, os russos estão "apertando o cinto, economizando até nos bens de primeira necessidade e trabalhando sem parar até morrer só para comer."

Krasovskiy disse acreditar que as detrações espalhadas sobre o filme serviram de certa forma para desviar a atenção. Em setembro, cerca de um mês antes de ele receber os telefonemas, os russos foram para as ruas em protesto contra um projeto de aumento da idade da aposentadoria. Segundo a organização de direitos civis, OVD-Info, foram presas mais de 1,1 mil pessoas.

Desde que “Holiday” começou a ser exibido pelo YouTube, as críticas se acalmaram, afirmou Krasovskiy. E, acrescentou, que as pessoas que talvez nunca tinham ouvido falar do seu trabalho estão se manifestando e apoiando-o. "Pela primeira vez, os deputados e as autoridades estão trabalhando a meu favor", afirmou. "Como um departamento de Relações Públicas."

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