Como a 'memória muscular' pode nos ajudar a entrar em forma

Músculos desenvolvem uma 'memória' molecular duradoura de exercícios de resistência anteriores que os ajudam a se recuperar de longos períodos de inatividade

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Por Gretchen Reynolds
Atualização:

Após dois anos de covid-19 e suas interrupções em nossas rotinas de exercícios, muitos de nós podem achar que esquecemos como entrar em forma. Mas um novo estudo encorajador sugere que nossos músculos se lembram. O estudo envolveu ratos, mas se baseia em experimentos semelhantes com pessoas e treinamentos com peso. Descobriu-se que os músculos desenvolveram uma “memória” molecular abrangente e duradoura de exercícios de resistência anteriores que os ajudaram a se recuperar rapidamente de longas pausas.

Estudos mostram que é possível desenvolver memória muscular, quando um músculo é capaz de se adaptar rapidamente à rotina de exercícios depois de um tempo parado. Foto: Gabriela Bhaskar/The New York Times

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No estudo, os animais que completaram uma forma de treinamento de resistência para roedores desenvolveram mudanças no DNA de seus músculos que permaneceram muito tempo depois que eles pararam de se exercitar. Os ratos então ganharam massa muscular muito mais rapidamente do que outros animais quando começaram a treinar novamente. E como uma nota encorajadora para aqueles que estão praticando treinamentos com peso pela primeira vez, as descobertas também sugerem que devemos ser capazes de construir novas memórias musculares, independentemente da nossa idade.

Até recentemente, o termo “memória muscular” geralmente descrevia nossa capacidade de andar de bicicleta, esquiar, arremessar para a primeira base ou repetir outras tarefas físicas comuns, mesmo que não tivéssemos pedalado, esquiado ou jogado beisebol por anos. Nossos corpos lembram como fazer. Mas esse tipo de memória, embora real, não é realmente uma memória muscular. Essas memórias existem dentro dos neurônios motores em nossos cérebros.

Mas os cientistas sabiam que algo acontecia dentro dos próprios músculos quando eles trabalhavam duro, especialmente durante o treinamento com pesos, e que essas mudanças afetavam a forma como os músculos respondiam ao exercício. "Anedoticamente, as pessoas dizem coisas como: 'Eu costumava ser um atleta, depois tirei uma folga, mas meus músculos voltaram assim que comecei'" a levantar pesos novamente, disse Kevin Murach, professor de saúde e desempenho humano da Universidade do Arkansas, que supervisionou o novo estudo.

Essas histórias despertaram o interesse dele e de outros pesquisadores. Como, eles se perguntavam, os músculos “lembram” dos treinos anteriores? E de que maneira essas memórias ajudam os músculos a se recuperarem depois de um tempo longe da academia?

Alguns estudos preliminares com animais sugeriram que os genes dentro dos núcleos das células musculares funcionavam de forma diferente após os exercícios de resistência. Depois, em 2018 e 2019, vários estudos bastante discutidos analisaram a epigenética do treino de resistência. A epigenética refere-se a mudanças nas formas de funcionamento dos genes, mesmo que o próprio gene não mude. Envolve principalmente um processo chamado metilação, em que grupos de átomos, chamados grupos metil, se ligam ao exterior de genes como cracas minúsculas, tornando os genes mais ou menos propensos a se ligarem e produzirem proteínas específicas.

Nos experimentos recentes com humanos, o exercício de resistência mudou os padrões de metilação em vários genes nos músculos das pessoas, e essas mudanças permaneceram evidentes semanas ou meses depois, mesmo depois que os voluntários pararam de se exercitar e perderam parte de sua massa muscular. Quando eles começaram a levantar peso novamente, eles recuperaram os músculos muito mais rapidamente do que quando os estudos começaram, descobriram os pesquisadores. Em essência, seus músculos lembravam de como crescer.

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Mas esses estudos, embora intrigantes, duraram no máximo alguns meses. Ainda não estava claro se o exercício de muito mais tempo atrás permaneceria como uma memória genética em nossos músculos, ou quantas células e genes diferentes nos músculos seriam afetados epigeneticamente pelo treinamento de resistência.

Assim, para o novo estudo, que foi publicado recentemente na Function, uma revista de renome da American Physiological Society, Murach e seus colegas, incluindo o principal autor Yuan Wen, decidiram recriar os experimentos de treinamento com peso humano em ratos adultos da maneira mais próxima possível.A expectativa de vida dos roedores é muito mais condensada em comparação com a nossa, o que significa que as mudanças observadas nos animais após vários meses podem aparecer nas pessoas após vários anos.

Mas como os ratos não podem usar halteres, os cientistas os fizeram correr em rodas de corrida com peso, projetadas para fornecer treinamento de resistência aos músculos das pernas. Os animais treinaram por oito semanas e depois ficaram em suas gaiolas por 12 semanas - cerca de 10% de sua expectativa de vida, o que seria anos para nós. Os animais então treinaram novamente por um mês, acompanhados por ratos da mesma idade que eram novos no treinamento e que serviram como grupo de controle. Durante todo o processo, os pesquisadores fizeram biópsias e estudaram microscopicamente seus músculos.

Eles notaram muitas diferenças na metilação do gene nas células musculares depois que os ratos treinaram; a maioria das mudanças permaneceu meses depois que eles pararam de se exercitar. Em geral, essas mudanças epigenéticas acionaram a operação de genes envolvidos no crescimento muscular enquanto acalmavam a atividade genética em outros lugares, tornando o processo genético de construção muscular “mais refinado”, disse Murach. Mesmo após meses de inatividade, essas mudanças ajudaram os ratos treinados a desenvolverem mais músculos mais rapidamente durante a repetição do treinamento, em comparação com os ratos que não haviam treinado anteriormente.

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Claro, este estudo envolveu ratos, não pessoas. Ele também analisou apenas exercícios de resistência e não exercícios aeróbicos.

Mas como muitos dos genes que os pesquisadores rastrearam são os mesmos que os pesquisadores estudaram nos experimentos em humanos, as descobertas provavelmente têm relevância para qualquer um de nós que espera desenvolver nossos músculos em 2022. Elas sugerem que:

  • Não importa há quanto tempo não vamos à academia ou participamos de um treino online com peso, nossos músculos devem permanecer preparados para responder aos exercícios quando começarmos a malhar novamente.
  • Talvez nunca seja tarde demais para começar a criar memórias musculares, mesmo que raramente ou nunca tenhamos levantado pesos. Os ratos do estudo eram todos adultos quando começaram os treinos de rodas com pesos, mas todos conseguiram construir memórias musculares que lhes permitiram ganhar massa muscular mais rapidamente após um período de inatividade. “É melhor começar em algum momento do que não começar nunca”, disse Murach. /TRADUÇÃO LÍVIA BUELONI GONÇALVES

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