Companheiros espirituais podem ajudar?

Os 'diretores espirituais' não denominacionais se oferecem para conectar os clientes ao divino em sua vida cotidiana

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Por Andrea Cooper
Atualização:

Ano passado, depois de se divorciar, Qadeera Ingram precisava de alguém para conversar. Mais especificamente, ela queria falar sobre espiritualidade e o quadro geral de sua vida.

Embora Ingram, empreiteira governamental de 33 anos e moradora de Goose Creek, na Carolina do Sul, seja cristã, não frequenta nenhuma igreja. Assim, contratou Susan Pannier-Cass, diretora espiritual e ministra ordenada, para lhe falar sobre o que estava passando, incluindo a criação do filho de seis anos durante uma pandemia de coronavírus em um momento de inquietação generalizada.

Susan Pannier-Cass, diretora espiritual e ministra ordenada. Foto: Evan Jenkins/The New York Times

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Em algumas das sessões virtuais, Ingram discorreu sobre seus sonhos para que Pannier-Cass a ajudasse a analisá-los. Em outras, discutiu os elementos do mundo natural e como estes a faziam se sentir mais perto de Deus. "Pannier-Cass me encorajou a sair mais, tirar os sapatos e colocar os pés no chão, para me reconectar com meu centro e com o que me traz paz", contou Ingram.

Os companheiros espirituais, também conhecidos como diretores espirituais, são guias que têm como propósito ouvir profundamente as pessoas que os procuram e ajudá-las a explorar sua espiritualidade, geralmente em uma capacidade não denominacional.

O que eles oferecem não é terapia; de acordo com a Spiritual Directors International, organização sem fins lucrativos em Bellevue, no estado de Washington. O objetivo do encontro com um companheiro espiritual é "dar um passo significativo para encontrar integridade e equilíbrio na vida, sem mencionar um senso de conexão com o que quer que você chame de Deus, Alá, o Universo ou a base de todo o ser, aquilo que nos conecta".

A prática tem raízes em muitas crenças, particularmente no ramo jesuíta do catolicismo, mas os diretores espirituais contemporâneos provêm de uma série de religiões.

"A maioria das pessoas busca um diretor espiritual para encontrar um significado último, independentemente de como possam defini-lo. Não definimos isso para elas. Damos apoio para que encontrem o próprio caminho para Deus, se é assim que você o descreve, ou o Bramã, ou o Tao", disse Seifu Anil Singh-Molares, sacerdote zen-budista e diretor executivo da Spiritual Directors International. (Ele observou que, embora "diretor espiritual" seja o termo mais familiar, prefere usar "companheiro espiritual", porque é mais inclusivo.)

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"Espiritual, mas não religioso" é como 27% dos americanos se definem, de acordo com uma pesquisa do Centro de Pesquisas Pew, de 2017. Mas um quarto dos adultos americanos que participaram de uma pesquisa do Pew, em abril, relatou que sua fé religiosa aumentou por causa da pandemia.

Para alguns que buscam conexão espiritual, isso resulta em uma abordagem híbrida. Alissa Ballot, de 65 anos, outra cliente de Pannier-Cass e advogada aposentada em Chicago, já frequentava uma sinagoga quando um retiro a apresentou a um companheiro espiritual. Ela passou a se entender melhor ao escrever poesia por sugestão de Pannier-Cass. "A direção espiritual está me ajudando a me tornar o eu que Deus planejou e me criou para ser", completou ela.

Lucinda Clark, diretora espiritual em Charlotte, na Carolina do Norte, notou, baseada em sua experiência, que mais clientes negros, incluindo membros do clero, estão buscando orientação espiritual depois da morte de George Floyd e da revolta e dos protestos que se seguiram. "Esse tem sido um dos principais problemas. 'Como posso operar e trabalhar em meu ministério em um ambiente que às vezes me rejeita inconscientemente e às vezes de forma consciente?' E, assim, algumas pessoas estão vindo porque estão feridas. Não sabem como continuar", comentou Clark, de 51 anos.

Ela, que completou um programa de direção espiritual de três anos no Charlotte Spirituality Center, tornou-se diretora espiritual depois do que descreveu como "a noite escura da alma", na qual questionou certas ideologias de sua igreja. Concluiu que, embora esteja enraizada no cristianismo, há muitos caminhos para Deus.

Companheiros espirituais não denominacionais como Pannier-Cass se oferecem para conectar clientes ao divino em sua vida cotidiana. Foto: Evan Jenkins/The New York Times

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"Depois disso, eu simplesmente sabia que precisava estar com outras pessoas, fazer parceria com elas, para que não se sentissem sozinhas. Pensei: 'Não sei o nome dessa coisa que devo fazer. Só sei que devo'", contou Clark, acrescentando: "Quando li sobre direção espiritual em uma pesquisa na internet, pensei: 'É isso!'" Durante as sessões, ela costuma fazer perguntas para ajudar o cliente a refletir sobre o que está passando, desde um dia difícil no trabalho até uma desconexão com Deus.

Os diretores espirituais, ao contrário dos terapeutas, não são médicos licenciados, nem são regulamentados por nenhuma agência. Nem a Spiritual Directors International, uma das maiores organizações dedicadas ao companheirismo espiritual, ou organizações menores como a Spiritual Directors of Color Network oferecem algum tipo de certificação independente.

O treinamento pode variar dependendo da formação religiosa ou das preferências educacionais do praticante, mas há programas de certificação por meio de organizações de direção espiritual e ministérios sem fins lucrativos, incluindo o Instituto Shalem para Formação Espiritual, em Washington, D.C.

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As diretrizes da Spiritual Directors International exigem que os diretores espirituais tenham diretores e mentores próprios ou colegas que forneçam supervisão e senso de responsabilidade. A taxa para um serviço de direção espiritual pode chegar a US$ 150 por uma sessão de 50 minutos. Alguns diretores oferecem serviços gratuitos para os que não conseguem pagar.

A relação entre o companheiro espiritual e a pessoa que recebe os serviços é íntima e, assim como em qualquer tipo de aconselhamento, é importante que o diretor espiritual mantenha limites apropriados. Alguns companheiros espirituais, incluindo Pannier-Cass, são graduados em Serviço Social.

Emily Malcoun, psicóloga clínica da Filadélfia que trabalhou com um diretor espiritual, observou que, embora a terapia "possa fornecer ajuda especializada na cura de sintomas de saúde mental, a direção espiritual foca o relacionamento com Deus ou com o divino" por meio da oração ou da reflexão.

Alguns defendem mais responsabilidade na profissão. Andree Grafstein, diretora espiritual na cidade de Avon, em Connecticut, descreveu um incidente de assédio sexual envolvendo um diretor, ocorrido cerca de 40 anos atrás, em um artigo que publicou no Presence, jornal publicado pela Spiritual Directors International. "Quero que algum dia a realidade do assédio sexual de um diretor espiritual se torne tão visível quanto outras formas de abuso sexual", escreveu ela.

Grafstein disse que, desde que o artigo foi publicado, recebeu e-mails de apoio de outros diretores espirituais. Ela está particularmente preocupada com a necessidade de fornecer orientação e apoio aos diretores espirituais que tomem conhecimento de que algum cliente sofreu assédio ou abuso de outro diretor.

A pessoa pode estar vulnerável, especialmente porque, para algumas, a rejeição da religião organizada ou de uma ex-comunidade religiosa foi o que a fez procurar um diretor espiritual. Kristabeth Atwood, de Burlington, em Vermont, diretora espiritual e ex-ministra da Igreja Metodista Unida, que se autodenomina uma pastora para as pessoas que não vão à igreja, comentou que a maioria das pessoas que atende "simplesmente não se identifica como parte de uma comunidade religiosa tradicional ou formal".

Outros podem estar considerando diferentes denominações dentro de sua fé. No fim do ano passado, Silas Bergen, de 33 anos, professor de Estatística e Ciência de Dados da Universidade Estadual de Winona, no Minnesota, decidiu deixar a igreja depois de trabalhar com um amigo que estava estudando para se tornar diretor espiritual.

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Bergen, que costumava tocava piano na igreja e até ajudava a liderar cultos de adoração, começou a se sentir cada vez mais em desacordo com as crenças e doutrinas conservadoras da instituição, embora fossem familiares a ele a ponto de descrevê-las como sua educação religiosa "com gosto evangélico".

"Comecei a sentir uma forte dissonância", explicou ele. Pelo o que começou como uma conversa virtual mensal em 2019, passou a explorar que forma de cristianismo seria significativa para ele agora. Planeja considerar novas igrejas quando for possível voltar a frequentá-las presencialmente.

"Onde estive? Onde estou com tudo o que tenho experimentado? Isso me motiva a checar em mim mesmo para talvez dar nome às maneiras como estou percebendo o divino em minha vida cotidiana", disse Bergen ao descrever seu processo de autorreflexão.

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