Parar a economia da China era complicado. Reiniciá-la é ainda mais difícil

Pequim emitiu uma série de medidas para que escritórios e fábricas voltem às suas atividades

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Por Keith Bradsher
Atualização:

XANGAI – A China está voltando ao trabalho mais de dois meses depois que os seus líderes praticamente fecharam a segunda maior economia do mundo a fim de deter uma implacável epidemia de coronavírus. Mas isto não serve de consolo para Zhang Xu. Pilhas de para-brisas - alguns quebrados, outros novos e prontos para serem instalados – estavam intocados na sua oficina mecânica em Xangai. Era meados de março e ainda não havia aparecido nenhum cliente.

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“Se não conseguirmos algumas vendas, a distribuidora não poderá encomendar mais da fábrica e a fábrica não poderá produzir”, comentou. Parar a máquina industrial do país foi doloroso para a China e para o mundo – e reiniciá-la poderá ser ainda mais difícil. As fábricas estão muito aquém da capacidade plena.

E mesmo quando os trabalhadores voltarem, as empresas chinesas poderão se deparar com uma queda da demanda de suas exportações em razão do agravamento da epidemia de coronavírus em outros países. A China fez progresso no reinício das operações. Mas, em meados de março, as fábricas estavam funcionando com 50 a 60% da capacidade, disse John Peyton Burnett, diretor-gerente da TAC Index, uma companhia que acompanha os dados referentes aos preços de cargas aéreas.

Pequim emitiu uma série de medidas para que escritórios e fábricas voltem às suas atividades. Os banqueiros recebem quase diariamente telefonemas das autoridades reguladoras, pedindo tolerância com o pagamento das dívidas, particularmente das pequenas empresas. As seguradoras foram instruídas a estender as apólices mesmo quando os prêmios não são pagos em dia.

As ferrovias estatais reduziram pela metade os custos da carga. O Ministério da Educação criou 180 mil vagas nas escolas de pós-graduação no próximo outono para os estudantes que se formam nesta primavera com poucas perspectivas de um emprego. Tais medidas enfrentam obstáculos formidáveis. As autoridades locais estão sendo pressionadas a reduzir as novas infecções, o que provoca grande preocupação, dada a perspectiva de permitir que as pessoas voltem ao trabalho.

A oficina de conserto de automóveis de Zhang Xu em Xangai tem poucos clientes. Ele disse que está arrependido de ter voltado ao trabalho. Foto: Henri Shi para The New York Times

As famílias com problemas de dinheiro talvez relutem em gastar. As dívidas das famílias e das empresas são enormes depois de uma década de pesados empréstimos do setor bancário controlado pelo estado. Os trabalhadores não sabem se os empregadores conseguirão saldá-los. As empresas não sabem se outras empresas deixarão de pagar os bens e serviços. No início de março, as autoridades provinciais do sul da China resolveram salvar o HNA Group, um conglomerado privado onerado de dívidas que luta para pagar as contas.

“Esperem os defaults – eles precisam de fluxo de caixa e isto não está acontecendo”, disse Anne Stevenson-Yang da J Capital Research, uma empresa de consultoria. “Tanta alavancagem e tão pouco dinheiro”. Já surgiram sinais de fraudes, o que torna mais difícil para as autoridades em Pequim saber o que está acontecendo no país.

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Um dos golpes é usado por empresas que ligam o ar condicionado e movimentam as máquinas sem produzir nada, segundo Cao Heping, economista da Universidade de Pequim. O objetivo é usar bastante eletricidade a fim de se qualificarem para recomeçar os subsídios.

“Elas precisam alertar as diferentes regiões. ‘Nada de competições por causa dos números, preocupem-se com a produção econômica real’ ”, disse Cao. As empresas têm sido pressionadas pelos proprietários a reabrirem, às vezes usando como atrativo o perdão do aluguel.

A maioria das concessionárias de automóveis reabriu no final de fevereiro, mas as lojas continuam em grande parte vazias. As vendas de automóveis na China despencaram 80% em fevereiro em relação ao mesmo mês do ano passado. “Antes, mais de mil pessoas por mês procuravam uma concessionária, e agora apenas dez grupos de pessoas por mês podem ir a uma loja”, disse Cui Dongshu, secretário geral da Associação de Veículos de Passageiros da China.

A General Motors está reabrindo muito lentamente sua dezena de montadoras chinesas à medida que a demanda o justifica e as normas locais o permitem. Os proprietários das fábricas enfrentam mais um problema: a redução da demanda global de bens fabricados na China. A epidemia de coronavírus está ameaçando o crescimento global, o que poderá reduzir a produção  exatamente quando ela está reiniciando. “Se o choque da demanda não for tratado rapidamente, se tornará um problema”, afirma Cao.

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Em algumas áreas são poucos os cidadãos que vão trabalhar ou fazem compras. Os proprietários das empresas maiores, particularmente as fábricas voltadas para a exportação com estreitas margens de lucro, temem que se um funcionário ficar infectado, os governos locais possam obrigá-los a pagar as quarentenas de duas semanas a dezenas ou mesmo centenas de  trabalhadores. O governo emitiu poucas diretrizes para os seus passivos.

Com os negócios tão fracos, Zhang fica sentado todos os dias entre as suas pilhas de para-brisas que não foram vendidos e lamenta ter voltado ao trabalho em fevereiro em sua cidade natal, a várias horas de carro de Xangai. “Se eu soubesse que ia ficar assim”, afirmou, “teria ficado em casa”. / TRADUÇÃO DE ANNA CAPOVILLA

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