Coronavírus reanima antiga rede de segurança sombria da Itália: a casa de penhores

Atividade deste tipo de negócio aumentou de 20% a 30% imediatamente após o lockdown

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Por Jason Horowitz
Atualização:

ROMA - As repercussões econômicas do lockdown na Itália para conter o novo coronavírus quase aniquilaram Anita Paris. Seu filho, um mecânico de automóveis de quem ela dependia financeiramente, não podia trabalhar. Sua pequena pensão não era suficiente. Os cheques de auxílio financeiro que ela esperava receber do governo nunca se materializaram.

E assim, Anita, uma viúva de 75 anos, teve que pedir ajuda a uma rede de segurança sombria com a qual os italianos contam há séculos, durante pragas e cercos, guerras e recessões. Ela vasculhou sua casa em busca de “anéis, colares, pulseiras, tudo o que eu tinha por perto” e foi para as casas de penhores que constituem uma parte oficial, embora anacrônica, do sistema bancário italiano.

Clientes se amontoam em frente a uma loja de penhores do Banco de Nápoles. Foto: Gianni Cipriano/The New York Times

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"Eu tenho contas a pagar", disse Anita depois de penhorar suas coisas sob um teto abobadado no setor de "Avaliação de objetos de valor" de um palácio barroco que abriga uma casa de penhores e os departamentos de penhor dos principais bancos há mais de 400 anos. "Tenho que chegar ao final do mês."

O quadro econômico da Itália e dos italianos que precisam de dinheiro não parece bom. Os bancos, cheios de dívidas e cautelosos em contrair empréstimos tóxicos, dificilmente concederão crédito. Os pacotes de ajuda do governo e as medidas para garantir a estabilidade dos empregos, que entregaram bilhões de euros aos italianos em dificuldades, deverão terminar no final de setembro, embora o governo esteja considerando estender os benefícios. Estima-se que a economia italiana encolha quase 13% este ano.

A ansiedade é palpável entre os italianos nas filas de casas de penhores em todo o país. Eles temem que seus contratos de trabalho de curto prazo acabem, que os clientes não encham suas lojas, que turistas americanos não aluguem seus quartos.

Mas os gerentes do setor de empréstimos colaterais - o nome institucional das casas de penhores - não estão reclamando. A atividade aumentou de 20% a 30% imediatamente após o lockdown, pois os clientes queriam garantir o pagamento dos juros, mas também buscavam novos empréstimos. E com os benefícios emergenciais prestes a acabar, eles esperam que os negócios aumentem.

"Nos próximos meses, veremos mais problemas financeiros do que os que vimos", disse Rainer Steger, diretor-geral do conglomerado de penhoristas Affide, em seu escritório em Roma, onde ele se assemelhava com qualquer gerente de terno e gravata. "Talvez possamos ajudar."

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Nos Estados Unidos, as casas de penhores são associadas a divisórias de vidro à prova de balas, placas no gramado “Guns, Gold and Cash” (Armas, ouro e dinheiro) e spin-offs de reality shows (Negócios extremos). Na Itália, elas fazem parte do sistema bancário há séculos.

Pessoas que trocavam mercadorias por dinheiro na região da Lombardia trabalhavam com garantias na Idade Média. A Igreja Católica, no século XV, tentou combater a usura, reunindo os recursos de ricos locais em um Monte da Piedade. A ideia era criar uma pilha de dinheiro para fazer empréstimos sem juros - e, portanto, sem pecado - para os pobres e minar os agiotas, geralmente constituídos por uma minoria judia que tinha menos acesso a outras profissões. Até hoje, esses negócios continuam sendo um nicho de parte dos grandes bancos.

"Quando as coisas estão indo bem, você pode comprar suas coisas de volta", disse Claudio Lorenzo, 65 anos, um guarda que ajuda crianças a atravessar ruas que parou de trabalhar quando as escolas fecharam e que esperava do lado de fora da loja de penhores de um banco de Milão para pagar juros sobre os anéis de casamento dele e de sua esposa. "Quando as coisas estão indo mal, você não pode."

Luigi Milano é dono de uma loja de penhores em Nápoles. Foto: Gianni Cipriano/The New York Times

Os defensores das grandes casas de penhores dizem que apenas 5% dos itens são colocados em leilão e estão prestando um serviço vital aos italianos da classe média e da classe média baixa que precisam de dinheiro e que seu microcrédito - o empréstimo médio custa menos de 1.000 euros - mantém os vulneráveis fora das mãos dos agiotas e evita a usura predatória.

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Eles dizem que oferecem um sistema mais direto e transparente do que muitos instrumentos bancários modernos e que, diferentemente dos bancos que verificam linhas de crédito e investigam o histórico financeiro, qualquer pessoa que passa na verificação de antecedentes criminais, satisfaz as precauções de lavagem de dinheiro e apresenta itens de valor real ("um Rolex que não é falso", disse Steger) poderia ter acesso a dinheiro.

Os clientes depositam objetos de valor como garantia e depois pagam juros por um período determinado. Se o cliente não pagar, o item pode ser colocado em leilão. Nesse caso, o penhor recupera seu empréstimo e, se um lucro é obtido no leilão, ele é encaminhado para o cliente.

Em uma manhã recente em Nápoles, dezenas de pessoas se aglomeravam do lado de fora da agência de penhores do Banco de Nápoles, que pertence à gigante financeira Intesa Sanpaolo.

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Silvia Agora, 47 anos, tinha ganhado dinheiro quase suficiente como cabeleireira para resgatar os braceletes de ouro que sua família penhorou. Então o lockdown fechou seu salão por três meses. Quando reabriu em maio, as restrições de distanciamento social reduziram drasticamente o número de clientes. Agora ela estava ali para fazer mais pagamentos de juros.

"Estávamos chegando perto", disse ela, quanto a recuperar a herança. "Agora é impossível." / TRADUÇÃO DE ROMINA CÁCIA

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