
03 de novembro de 2018 | 06h00
TONDER, DINAMARCA - Na tentativa de deter a disseminação de uma doença que pode acabar com as populações nacionais de suínos, a Dinamarca pretende construir uma cerca ao longo da fronteira com a Alemanha para afastar os primos selvagens dos suínos dinamarqueses. Mas o plano esbarra em alguns problemas.
Para frustração do governo, muitos no país consideram que a cerca visa deter muito mais do que apenas porcos. As pessoas a consideram uma medida possível para bloquear a entrada de refugiados, um prejuízo para a vida selvagem, um remanescente de uma história dolorosa, ou uma violação da ética que impera na da União Europeia a respeito de fronteiras invisíveis e da livre movimentação.
Contudo, há escassas evidências científicas de que a medida irá funcionar. “Precisamos entrar na imaginação de um porco”, disse Bent Rasmussen, que é o encarregado pelo projeto. “Não é fácil”.
O vírus da febre suína africana representa uma grave ameaça à produção de suínos, um dos principais
produtos de exportação da Dinamarca. Ele se espalha de maneira rápida e é extremamente resistente, capaz de sobreviver durante meses nos derivados e nas fezes. Não existe uma vacina ou um tratamento contra o vírus, e a única maneira de conter uma epidemia é abatendo a população, como a Romênia fez recentemente, matando 230 mil porcos.
O vírus em geral é inofensivo para os seus hospedeiros tradicionais, animais como os javalis africanos e os porcos do mato africanos, assim como para as pessoas. Mas nos porcos domésticos e nos javardos (javalis) causa febre hemorrágica frequentemente letal. Nos últimos anos, espalhou-se na Rússia. Epidemias foram relatadas na Romênia, Bélgica, Bulgária e em sete províncias da China.
A Dinamarca investiu 20 milhões de dólares para combater a epidemia, o que inclui uma campanha de conscientização pública, ampla permissão para matar javalis, e uma cerca de cerca de 1,5 metros de altura ao longo de aproximadamente 70 quilômetros de fronteira, atravessando o pescoço da península do Jutland, do Mar do Norte ao Báltico.
Na Dinamarca, a construção da cerca deverá começar no início do próximo ano, embora os ambientalistas tenham apelado para a União Europeia para impedi-la. A cerca terá aberturas coincidindo com 15 cruzamentos oficiais na fronteira, cinco cursos de água e passagens para produtores agrícolas locais com o objetivo de permitir a movimentação de pessoas e mercadorias.
A esperança é que cervos e lontras consigam atravessar a fronteira, mas os javalis sejam barrados.
Os críticos perguntam por que isto deveria funcionar, dado que os javalis são inteligentes e curiosos, e percorrem grandes distâncias em busca do seu alimento. Em um relatório divulgado no verão, a Agência Europeia de Segurança dos Alimentos concluiu que “não há provas de que grandes cercas sejam eficientes para a contenção de suídeos selvagens”, o termo técnico para definir a família dos porcos.
“É como criar o próprio fundo de pensão comprando um bilhete de loteria”, disse Hans Kristensen, um caçador e fundador de um grupo de Facebook que se opõe à cerca.
Especialistas observam que o surto belga de febre suína africana ocorreu longe de outros animais, indicando que foram as pessoas, e não os porcos, que transportaram o vírus. “A difusão da ASF a grandes distâncias pode acontecer a qualquer momento em toda a Europa,” afirmou o dr. Klaus Depner do Instituto Federal de Pesquisa da Saúde Animal na Alemanha. “As cercas não podem impedir estes eventos”.
O plano inclui a instalação de câmeras nos pontos em que as estradas atravessam a cerca, para gravar com que frequência os javalis conseguem burlá-las. O Partido Popular Dinamarquês, de direita, indagou ao ministro da Justiça a respeito do uso de câmeras para procurar as pessoas que atravessam a fronteira ilegalmente.
Este tipo de conversa irrita Henrik Refslund Hansen, um produtor agrícola. “Não é uma cerca de fronteira”, ele disse. “Não quero ouvir falar disso. É uma cerca veterinária para proteger os nossos animais”.
A cerca é um motivo de mal-estar para a minoria étnica dos alemães da Dinamarca, composta de cerca de 15 mil pessoas. Jorgen Popp Petersen, um criador de porcos e representante do partido político da minoria, lembra de “fanáticos” na sua infância que resistiam aos casamentos intercomunitários e pediam um novo traçado da fronteira. Os fanáticos e os seus pontos de vista já vão longe, ele disse, mas as sensibilidades a respeito das divisões étnicas e das fronteiras nacionais persistem.
O ministro do Meio Ambiente e da Alimentação da Dinamarca, Jakob Ellemann-Jensen, disse que compreendia esta sensibilidade.
“É extremamente anti-europeu construir cercas e fronteiras entre países”, afirmou. “Eu luto pela livre movimentação em todos os outros contextos. Se está correta neste contexto é porque o que está em risco é uma grande parcela das exportações”.
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