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Por que as drogas contra o câncer não são melhores? Alvos podem estar errados

“Inúmeros alvos das drogas usadas hoje nos testes clínicos foram descobertos com a melhor tecnologia de cinco a 10 anos atrás”, diz pesquisador

Por Carl Zimmer
Atualização:

Há vinte anos, parecia que a luta contra o câncer estava tomando um rumo dramático. Os médicos combatiam a doença com armas toscas, envenenando as células de crescimento rápido, fossem elas cancerosas ou saudáveis. Mas então os pesquisadores chegaram a uma nova estratégia: drogas que visavam proteínas produzidas por células cancerosas aparentemente necessárias para a sua sobrevivência. Uma destas drogas, a Gleevec, funcionou de maneira espetacular nos pacientes com leucemia mieloide crônica. Mas os testes clínicos que se seguiram foram decepcionantes

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Um estudo publicado recentemente pela revista Science Translational Medicine, aponta uma razão para a falha: os cientistas estão combatendo os alvos errados. Jason Sheltzer, biólogo do câncer do Laboratório Cold Spring Harbor, no estado de Nova York, e os seus colegas fizeram a descoberta quando tentavam obter um novo teste para o câncer de mama.

Em algumas formas da doença, as células cancerosas produzem níveis elevados de uma proteína chamada MELK. Estudos anteriores haviam indicado que a MELK era essencial para o alastramento do câncer; os pesquisadores já estavam testando uma droga contra o câncer de mama que ataca esta proteína. A equipe de Sheltzer utilizou o Crispr, uma ferramenta que edita o DNA, para arrancar o gene da MELK nas células cancerosas. As células deveriam parar de crescem, mas não era o que acontecia. “As células do câncer não ligaram a mínima”, contou o cientista.

Mais estranho foi o que aconteceu quando os cientistas expuseram as células à droga que combatia a MELK. Ela deteve as células do câncer - embora elas não contivessem o gene que o medicamento deveria atacar. A equipe de Sheltzer realizou o mesmo experimento com outras drogas que comumente tinham como alvo a proteína em testes clínicos. 

Estudo constatou que medicamentos que atacam alguns genes nas células cancerosas podem não atacar outros. Foto: A.Lin et al., Science Translational Medicine, 2019

Os cientistas obtiveram os mesmos resultados com cada droga. Todas as proteínas consideradas essenciais revelaram-se descartáveis, entretanto as células paravam de crescer quando os cientistas aplicavam a droga. Este tipo de erro pode levar ao fracasso dos testes clínicos, observou Sheltzer. “Inúmeros alvos das drogas usadas hoje nos testes clínicos foram descobertos com a melhor tecnologia de cinco a 10 anos atrás”, afirmou.

Na época, parecia que esta tecnologia, conhecida como RNAi, conseguiria zerar os alvos do câncer com grande precisão. Mas alguns críticos questionaram se a RNAi seria mesmo tão precisa. A técnica pode bloquear não apenas a proteína visada, mas também algumas outras. Sheltzer testou esta possibilidade com uma das drogas usadas no seu experimento, a OTS964.

Os pesquisadores aplicaram a droga a colônias de células cancerosas em que a proteína visada havia sido retirada. A maioria delas morreu, mas algumas não. Todas as células sobreviventes apresentavam mutações no mesmo gene, o que codifica uma proteína chamada CDK11B. O experimento de Sheltzer sugeriu que a proteína era essencial para a sobrevivência das células. Quando os pesquisadores eliminaram o gene CDK11B, as células cancerosas morreram.

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Segundo Traver Hart, um biólogo do câncer que não participou do novo estudo, os cientistas precisam estudar mais a fundo as drogas contra o câncer que estão sendo testadas atualmente. Isto não significa que atacar as proteínas essenciais seja inútil. Os cientistas precisam apenas ter a certeza de que estão atacando as proteínas certas. “Existe provavelmente todo um universo de alvos de drogas ainda não exploradas nas células cancerosas”, disse Sheltzer. / TRADUÇÃO DE ANNA CAPOVILLA

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