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Em meio a bombardeios, crianças sírias se distraem com brinquedos

Escondidas em porões e túneis úmidos, crianças nascidas durante a guerra encontram conforto em bonecas e bichos de pelúcia

Por Megan Specia e Hwaida Saad
Atualização:

Os ataques aéreos não dão trégua em um bairro de Damasco, na parte leste de Ghouta, onde esqueletos de edifícios bombardeados se erguem em ruas fantasmagóricas.

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Centenas de vidas foram perdidas desde o início do cerco, em meados de fevereiro. Muitas crianças estão entre os mortos.

O cerco foi considerado “uma das hecatombes mais cruéis desta guerra civil longa e brutal” pelo representante da Comissão de Direitos Humanos da ONU, Zeid Ra’ad al-Hussein.

As famílias buscaram refúgio em porões e túneis úmidos, carregando pequenos fogões, farinha e roupas quentes. As crianças, nascidas nesta guerra, trazem o que elas amam, os seus brinquedos.

Assustadas e feridas, crianças aguardam atendimento médico em hospital de campanha monstado na cidade de Douma, perto de Ghouta Oriental Foto: AFP PHOTO / Hamza Al-Ajweh

Maya, 5, trouxe suas bonecas e seu gato de pelúcia, Tiki. Outros trouxeram blocos de madeira, jogos de mesa e carrinhos, e brincam enquanto os adultos recolhem madeira para queimar. Estas são as histórias de crianças que driblaram a morte, contadas em parte através do que elas puderam carregar para os abrigos, descritas por seus pais por telefone e mensagens em aplicativos.

Maya agarrava as suas bonecas, os olhos fixos nos seus rostos. A mãe, Nivin Hotary, tirou uma foto. “Cada boneca tem um nome e ela ama todas”, disse Nivin, 38. “Quando pedi a ela que as deixasse em casa, ela se recusou e insistiu para trazê-las conosco no porão”.

Maya nasceu dois anos depois do início da guerra, seus dias foram definidos pelo conflito que se desenrola. Sentada sobre um acolchoado que a isola do frio do piso de concreto, Maya preparava o “jantar” com suas panelinhas de plástico.

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“Talvez esteja tentando compensar as privações que está vivendo dando para os outros”, escreve Nivin. Em um porão do outro lado da cidade, Ahmad, 2 anos, chorava e pedia à mãe que buscasse os seus carrinhos em casa.

Há dias, a mãe, Maram, 24, não consegue pegá-los porque corre risco de morte. Maram, que não quis ser identificada, disse que, no começo, não pensou em levar os carrinhos: com 150 pessoas compartilhando o espaço sem janelas, ela imaginou que não haveria tempo nem espaço para brinquedos. Mas os seus filhos estavam ficando inquietos.

Além disso, Omar, o filho de Maram de oito meses, estava irritado. Estava nascendo o seu primeiro dente ali, no abrigo, notou a mãe.

Depois de mais de uma semana no subterrâneo, os ataques aéreos pararam e Maram fez questão de buscar os brinquedos.

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Uma bomba havia despedaçado as janelas da sua casa e danificado as portas. Porém, ela encontrou os carrinhos, roupa limpa para os dois meninos e um analgésico para Omar, por causa dos dentes que estavam nascendo.

Mas dentes que nascem e brinquedos são as suas menores preocupações. Como alimentar as crianças? “Não sei o que posso dar para ele, não temos vitaminas nem comida boa”, afirmou.

Há pouco tempo, Marwan Habaq e sua filha de seis meses, Yasmina, passavam horas olhando o peixinho dourado nadando em um tanque em casa. Yasmina adorava o seu brinquedo de pelúcia, um zangão vermelho que o pai comprara para ela.

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“Em geral, os bebês reagem a coisas coloridas, como Yasmina”, ele disse.

Quando os ataques aéreos se intensificaram, Habaq e a esposa pegaram a filha e fugiram para o subterrâneo, deixando o aquário e o zangão no andar de cima.

No dia 23 de fevereiro, sua casa foi bombardeada. A voz dele ficou embargada ao descrever a destruição.

“Cada canto da casa era precioso para mim, mas as coisas de Yasmina eram mais preciosas ainda”, disse Habaq. Ele encontrou o zangão, meio chamuscado.

Quanto ao aquário: “Só encontrei um peixe queimado no meio dos destroços, o resto virou cinzas”.

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