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Em prisões na fronteira com México, bebê de 4 meses é o detento mais jovem

Famílias que cruzaram recentemente a fronteira mexicana, vindas da América Central, têm sofrido perseguição; com pais presos, bebês e crianças são encaminhados para adoção

Por Caitlin Dickerson
Atualização:

KALAMAZOO, MICHIGAN – As mensagens de texto chegavam durante todo o dia e noite, contendo apenas dois tipos de informação: gênero e idade. A cada mensagem, a assistente de plantão no Bethany Christian Services, em Michigan, tinha 15 minutos para encontrar um lar adotivo para outra criança que estava a caminho vinda da fronteira. Em um gelado dia de fevereiro de 2018, Alma Acevedo recebeu uma mensagem que a deixou sem ar: “menino, 4 meses".

Desde o verão de 2017, a assistente social de 24 anos observava uma misteriosa onda de crianças chegando até ela vindas da fronteira, a maioria saída da América Central. As que tinham idade o suficiente para falar diziam ter sido separadas dos pais. “As crianças chegavam inconsoláveis, perguntando: ‘Onde está a mamãe? Onde está o papai?’”, disse Alma. “Depois disso, só choravam constantemente". 

Vasile e Florentina Mutu com os filhos em Olteni, na Romênia, vilarejo onde cresceram. Foto: Todd Heisler/The New York Times

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Quando chegou ao escritório dela, depois da meia-noite, o bebê chamava a atenção, com cílios compridos emoldurando os profundos olhos castanhos. As pernas e braços eram gordinhos, o que parecia indicar que alguém cuidava dele. Então, o que estava fazendo em Michigan? 

Alma foi até o computador e localizou uma certidão de nascimento da Romênia com o nome do bebê, Constantin Mutu, e seus pais, Vasile e Florentina. Pesquisou o banco de dados da agência de policiamento alfandegário e de imigração, e descobriu que o pai do bebê estava sob custódia federal no Texas. Constantin era o mais jovem dentre milhares de crianças separadas dos pais de acordo com uma política voltada para dissuadir as famílias que sonham em imigrar para os Estados Unidos. Teve início quase um ano antes de ser reconhecida publicamente pelo governo Trump em maio de 2018, e o número total de pessoas afetadas ainda é desconhecido. O governo americano ainda não disse aos Mutus por que seu filho foi afastado deles, e funcionários do Departamento de Segurança Interna se recusaram a comentar o episódio.

O pequeno passaria meses em um centro de detenção para imigrantes no Texas porque não conseguia parar de chorar; a mãe seria hospitalizada com um quadro de hipertensão decorrente do estresse. Constantin desenvolveria laços com uma família americana de classe média depois de passar a maior parte da vida na casa deles na zona rural de Michigan, para então ser mandado para casa. Agora, já passada a marca dos 18 meses, ele ainda não consegue andar sozinho, nem sabe falar.

Perseguição na Europa

Embora a maioria das famílias que cruzaram recentemente a fronteira com o México tenham vindo da América Central, os Mutus saíram de um lugar muito mais distante - a Romênia, de onde um pequeno número de solicitantes de asilo chega aos EUA há anos. Crescendo em um pequeno vilarejo, Vasile e Florentina Mutu ajudavam os pais a pedir dinheiro para comprar comida. São membros da minoria dos ciganos roma, escravizados por mais de 500 anos na Romênia. Ataques violentos contra eles persistem em toda a Europa. 

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É comum serem excluídos de escolas, empregos e acesso aos serviços sociais, e grupos de defesa dos direitos humanos documentaram campanhas de esterilização forçada contra os ciganos. Há cerca de uma década, a primeira família cigana do vilarejo dos Mutus anunciou que estava partindo com destino aos EUA. Voltou a notícia de que a família tinha prosperado muito. Outras famílias seguiram o mesmo rumo. O irmão mais velho de Florentina partiu alguns anos atrás com a mulher e os três filhos. Publicou nas redes sociais fotos de palmeiras, concessionárias de carros de luxo e dinheiro americano.

Quando nasceu o quinto filho, os Mutus já tinham desenvolvido um sistema em que captavam dinheiro em outras partes da Europe, pedindo esmolas e ocupando-se de trabalhos braças, voltando em seguida para passar algumas semanas na Romênia, onde o dinheiro rendia mais.

Constantin teve de nascer de cesariana. Enquanto estava em trabalho de parto, Florentina assinou documentos que não era capaz de ler. Quando voltou para um exame de rotina, descobriu que o obstetra tinha ligado suas trompas, impossibilitando que ela tivesse mais filhos. Ela e o marido ficaram devastados.

Pouco depois, desenvolveram um plano: buscariam asilo nos EUA com os dois filhos menores e, depois de assentados, mandariam buscar os outros três. Venderam a casa para pagar um homem que prometeu levá-los até os EUA atravessando o México. Florentina preparou as malas. No avião, Constantin começou a apresentar um quadro febril.

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Jornada pelo México 

A Cidade do México era um redemoinho de caos e barulho. Não conseguiam entender as vozes e as placas em espanhol. Mendigos batiam na janela do seu táxi; por mais que eles também mendigassem na Europa, a experiência parecia agora mais assustadora. Encontraram um contrabandista que os levou a um ônibus lotado com destino à fronteira. Os Mutus acabaram sentados longe uns dos outros, revezando-se para cuidar do filho de 4 anos, Nicolas, e de Constantin, que parecia estar piorando. Desceram em uma parada e se separaram para buscar remédios. Mutu voltou ao ônibus e percebeu que os lugares da mulher e do filho estavam vazios. Sacou o celular e tentou entrar em contato com ela, mas os dois tinham esgotado seus minutos telefonando para a Romênia. 

Mutu pagou um taxista para levá-lo com o bebê até a ponte onde é feita a travessia a pé até os EUA, imaginando que poderia telefonar para a mulher quando chegasse ao outro lado. Estava escuro quando eles encontraram um funcionário da imigração. Mutu explicou que tinha se perdido da mulher e do filho, e que a família fugia da perseguição na Romênia. Oficiais o algemaram nos punhos e tornozelos. Ele disse ter sido arrastado para fora da sala enquanto Constantin ficou para trás.

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Florentina estava na parada de ônibus com Nicolas, chorando desde o momento em que percebeu que o ônibus partira sem ela, quando recebeu um telefonema. Policiais da fronteira tinham localizado a mãe dela na Romênia e explicaram que ela seria detida se cruzasse a fronteira. Parentes juntaram dinheiro para trazê-los para casa.

Uma família separada

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Constantin foi encaminhado para um lar adotivo em Michigan enquanto Alma trabalhava para entrar em contato com os pais do bebê. Conseguiu o número de telefone da mãe dele na Romênia e fez uma chamada de vídeo na madrugada europeia. Uma mulher atendeu, falando freneticamente, mas Alma não conseguia entendê-la. Abriu o tradutor do Google no computador e escreveu em inglês uma mensagem a respeito de Constantin em inglês, reproduzida em romeno.

Alma começou a organizar chamadas de vídeo semanais entre Constantin e a mãe. Florentina basicamente chorava, falando com ele em romeno. Ainda detido, Vasile Mutu afundava cada vez mais na depressão. Ocasionalmente, entregavam a ele documentos em inglês ou espanhol, que ele não era capaz de ler. Chorava tanto que seus colegas de cela começaram a espancá-lo. Pensou em cometer suicídio. “Ninguém me contava nada", lembrou.

Depois de dois meses de detenção, um funcionário da imigração procurou Mutu com uma proposta. De acordo com o que ele entendeu, se desistisse da solicitação de asilo, seria deportado para a Romênia com Constantin. Ele concordou e, no dia 3 de junho de 2018, foi levado a uma van. No aeroporto, recusou-se a embarcar sem o bebê. De acordo com ele, os funcionários da imigração disseram que Constantin seria entregue a ele depois que assumisse seu assento. Mas o avião decolou e o bebê não apareceu.

Constantin compareceu a uma audiência em um tribunal federal de imigração em Detroit no dia 14 de junho de 2018. Balbuciou alguns sons no colo da mãe adotiva. Seu representante legal oferecido pelo governo solicitou que fosse devolvido à Romênia o quanto antes, às custas do governo. Uma advogada do Departamento de Segurança Interna contestou o pedido. O juiz decidiu em favor da viagem, questionando a ideia de que “o réu, com apenas 8 meses, seria capaz de voltar sozinho à Romênia". Quando a viagem de Constantin foi marcada para julho - algumas semanas depois de o presidente Donald J. Trump rescindir a política de separação de famílias diante da indignação do público, - ele tinha 9 meses, e passara a maior parte da vida sob custódia do governo americano. Depois da viagem de Constantin, Alma deixou seu emprego assim que conseguiu reunir todas as crianças dos casos em que estava trabalhando com as suas famílias. “Não consegui superar aquilo", disse ela. “E, se eu não consegui superar, imagine as crianças”.

Retorno à Romênia

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Florentina e Vasile Mutu estavam no aeroporto em Bucareste quando finalmente viram Constantin nos braços da mãe adotiva. Ela entregou o bebê à mãe, mas a criança chorou, buscando o colo da mãe adotiva. Os Mutus tiveram de fazer várias paradas no caminho de volta para consolar Constantin, que chorava ao ponto de ficar sem fôlego. Durante semanas, a mãe lutou para fazê-lo comer e dormir, trocando mensagens de texto com a mãe adotiva, que oferecia conselhos. Florentina enfrentou sentimentos conflitantes de gratidão e culpa. “Ele ficou mimado", disse ela. “Vivia no conforto, em uma casa decente. Diferentemente da nossa vida aqui”. 

Os Mutus, que estão processando os EUA e buscando uma indenização, voltaram ao vilarejo onde cresceram, vivendo amontoados em uma pequena casa que dividem com outra família. Constantin é sensível a ruídos altos, e as multidões o fazem chorar, o que é um problema, disse a mãe, pois as duas coisas fazem parte da cultura cigana. “Ele ficou diferente do que seria se o tivéssemos criado", refletiu. Com 18 meses, ele ainda não sabe andar sozinho. Balbucia e grita, apenas.

A família Mutu voltou a viajar pela Europa para juntar dinheiro para uma casa nova. Pai e mãe sonham em voltar aos EUA. O irmão de Florentina, que voltou da Flórida, diz achar que os dois estão se iludindo. Ele disse ter detestado os EUA; um país cheio de imigrantes e outras pessoas passando necessidade. Ele admitiu que foi parar em um apartamento lotado de três quartos dividido com outras famílias, com dificuldade para pagar o aluguel.“As leis de lá são muito rigorosas", afirmou. “Não se pode nem pedir esmolas”. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

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