SUNDERLAND, INGLATERRA - Eles treinam em uma academia perto das docas desta antiga cidade da construção naval, homens que veem os ringues de luta como uma saída em tempos difíceis ou um jeito de ganhar a vida, conseguindo um pouco de dinheiro extra. Mas programas locais como o da academia - que depende de uma instituição de caridade que recebe fundos da União Europeia para comunidades pobres - em breve podem se tornar vítimas da separação entre a Inglaterra e o bloco.
Essa separação foi adiada, por enquanto. Diante da perspectiva de uma derrota, a primeira-ministra Theresa May disse, em 10 de dezembro, que tentaria adiar a votação parlamentar sobre seu plano de deixar a União Europeia, lançando o processo na incerteza.
Enquanto o governo britânico tenta proteger as grandes empresas das consequências econômicas da saída da União Europeia, muitos em Sunderland dizem que, mais uma vez, os governantes estão ignorando as preocupações de pessoas como elas. “A cidade de Londres é protegida a todo custo”, disse Steven France, que dirige a academia, “mas isso não adianta nada para nós”.
Dois anos depois de as pessoas de Sunderland terem votado 61% a 39% a favor do Brexit, quase não arrefeceu sua raiva contra o que veem como uma economia desigual e uma classe política indiferente. Se, na época, elas viam a votação para deixar a União Europeia como um golpe contra o establishment, agora veem o Brexit como apenas mais uma promessa quebrada pelas elites políticas.
Algumas pesquisas mostraram um arrefecimento nas atitudes em relação à saída, tanto em Sunderland quanto em outros lugares que votaram pelo Brexit. Muitos passaram a duvidar das promessas da campanha, inclusive dos novos acordos comerciais, da injeção de dinheiro no sistema de saúde e da completa independência em relação à União Europeia.
Moradores disseram que o que o governo fez desde a votação - levando adiante medidas de austeridade, apresentando um plano de saída favorável aos negócios - só reforçou a sensação de que eles estavam sendo ignorados.
Com uma população de pouco mais de 275 mil habitantes no Mar do Norte, Sunderland é a 28ª cidade mais carente do país, com quase um terço das crianças crescendo na pobreza. Ela foi duramente atingida pelos cortes nos gastos públicos promovidos pelo programa de austeridade. É também a região cuja economia vem sendo mais prejudicada pelo Brexit: quase 60% das exportações do nordeste do país vão para a União Europeia.
As pessoas viram o referendo de 2016 como uma chance de chamar a atenção de Londres, após gerações de líderes eleitos negligenciando a economia da região, que ficou devastada depois que a indústria da construção naval entrou em colapso e as minas fecharam.
O voto foi um protesto contra as obrigações impostas pela União Europeia, especialmente contra as disposições que permitem aos cidadãos de qualquer Estado-membro viver e trabalhar na Grã-Bretanha. Muitos em Sunderland dizem estar conscientes de que o nordeste da Inglaterra recebeu um financiamento considerável da União Europeia - mais de 426 milhões de libras, cerca de 445 milhões de dólares, para o período de 2014 a 2020.
Eles reconhecem que o governo salvou empregos de uma fábrica da Nissan em Sunderland, a maior da Grã-Bretanha, que exporta mais da metade de seus carros para outros países da União Europeia. Depois que a Nissan sinalizou a retirada dos investimentos da fábrica diante do resultado do referendo de 2016, o governo reagiu com medidas para proteger a montadora de quaisquer impactos econômicos negativos.
Doações do bloco também contribuíram para a instalação de um centro aquático e um campus universitário e ajudaram a criar um núcleo de auxílio a aspirantes a empreendedor de software, mas essas instalações nem sempre estão ao alcance dos moradores da cidade.
No centro da cidade, um monumento representa os trabalhadores do estaleiro que, no passado, fizeram de Sunderland o maior centro de construção naval do mundo. Parece uma obra local, exceto por uma pequena placa de bronze a poucos passos do monumento, coberta de grama marrom. Na descrição das fontes que financiaram a obra, não se vê a bandeira da Grã-Bretanha, mas, sim, a da União Europeia.