Entenda por que o dólar ainda domina a economia mundial

Cada vez mais forte, moeda americana também sustenta a presidência de Trump

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Por Peter S. Goodman
Atualização:

LONDRES - Uma avaliação apressada poderia revelar nos Estados Unidos um candidato menos do que ideal para a função de administrar a moeda definitiva do planeta. 

Sua dívida pública é imensa - US$ 22 trilhões - e segue crescendo. Seu sistema bancário sobreviveu dez anos atrás à pior crise financeira desde a Grande Depressão. Seu presidente nacionalista provoca queixas de aliados e adversários, que o acusam de violar as regras das relações internacionais, dando início a rumores segundo os quais o dólar americano teria perdido sua aura de eterno santuário seguro.

O dólar se tornou ganhou a preferência das poupanças globais e se tornou uma moeda de troca essencial para a compra de commodities. Foto: Tony Cenicola/The New York Times

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Mas o dinheiro conta uma história diferente. Nos últimos anos, a estatura do dólar enquanto repositório preferencial dos depósitos do mundo, o refúgio definitivo em momentos de crise e principal moeda de troca por commodities como o petróleo só aumentou.

A força sustentada do dólar dá lastro à abordagem de Donald J. Trump para as questões presidenciais. Isso possibilitou que seu Tesouro encontrasse compradores para títulos de obrigações do governo a juros baixos. Deu credibilidade à autoridade de Trump para impor sua política externa em um mundo muitas vezes relutante com a ampliação do poder de suas sanções comerciais - especialmente contra o Irã e a Venezuela.

Como os bancos não podem correr o risco de perder seu acesso à rede financeira operada em dólares, eles evitam países e empresas consideradas párias em Washington.

"Não há alternativa ao dólar", disse o economista político Mark Blyth, da Universidade Brown, em Rhode Island. "Estão todos presos ao dólar, o que confere aos EUA um poder estrutural imenso".

Em uma clara indicação do fortalecimento da moeda americana, empréstimos denominados em dólares para solicitantes fora dos EUA, excluindo bancos, aumentaram muito entre o fim de 2007 e início de 2018, de acordo com o Bank for International Settlements. Sua parcela da produção econômica global aumentou de menos de 10% para mais de 14%.

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Tudo isso apesar de um coro de especialistas que previra que, após a crise financeira, o dólar acabaria cedendo parte de seu predomínio; que seria o momento de dar a vez à moeda de outro país.

A China tentou ampliar o papel desempenhado por sua moeda, o renminbi, para refletir sua estatura enquanto potência mundial. Ao longo dos últimos dez anos, Pequim estabeleceu acordos de divisas estrangeiras com vários países, incluindo Canadá, Grã-Bretanha e Brasil. O presidente Xi Jinping tem defendido o conjunto de projetos globais de infraestrutura construídos pelos chineses, conhecido como Iniciativa Cinturão e Estrada, em parte como meio de expandir o uso global do renminbi. No ano passado, a China criou um sistema comercial em Xangai para permitir que o petróleo seja comprado usando o renminbi.

Mas a desaceleração da economia que se observa na China, as preocupações com seu crescente endividamento e a ansiedade dos vizinhos, para quem esse investimento seria uma forma de colonialismo, são fatores que se somaram para reduzir as ambições de seus planos de infraestrutura. As restrições do governo chinês à ideia de tirar dinheiro do país e as alarmantes detenções de estrangeiros testaram o interesse nos depósitos em renminbi.

"E quanto à China?", indagou Blyth, apontando as possíveis alternativas ao dólar. "Eu poderia visitar o país e desaparecer lá. Não é algo que inspire muita confiança. Depois que um país implementa políticas desse tipo, é difícil ser levado a sério em termos de moeda global".

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Faz tempo que o mais forte concorrente do dólar é o euro. Em setembro, o presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, dedicou parte de seu discurso do Estado da União para dizer que o bloco paga 80% de suas importações de energia em dólares, ainda que apenas 2% dessa energia viesse dos EUA. "Teremos que mudar isso", declarou ele. "O euro deve se tornar o instrumento ativo de uma nova soberania na Europa".

Mas o investimento mais confiável que se pode fazer em euros, os títulos da dívida do governo alemão, estão em alta demanda. Dotada de uma aversão cultural ao endividamento, a Alemanha reluta em financiar gastos com a emissão de obrigações. Assim, os investidores que buscam locais seguros para armazenar seu dinheiro têm poucas opções com o euro. Os títulos da dívida americana existem em quantidade virtualmente ilimitada.

Uma série de crises nos 19 países que partilham o euro provocou mais animosidade do que união, revelando um defeito essencial: o euro é uma moeda comum carente de uma estrutura política capaz de garantir uma resposta robusta quando surgem os problemas.

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"Os problemas do euro são problemas de governabilidade", disse a historiadora da economia Catherine Schenk, da Universidade de Oxford. "O projeto teve falhas profundas desde o início, e a moeda não parece oferecer mais proteção do que o dólar americano".

Em comparação, o dólar parece ser uma criatura rara e única no panorama global: uma moeda livre de temores existenciais.

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Nos últimos anos, o banco central americano (Federal Reserve) aumentou a taxa básica de juros conforme encerrou a era de dinheiro barato iniciada para atacar a crise financeira. Juros mais altos aumentaram o apelo do dólar para os investidores.

"Mesmo com Trump na Casa Branca, e tudo que ele fez até o momento para enfraquecer a liderança americana no mundo, o dólar continua sendo a moeda global dominante, posto que não deve perder no futuro previsível", disse Nicola Casarini, pesquisador sênior do Instituto de Assuntos Internacionais, em Roma. A supremacia do dólar amplioucapacidade de Trump de impor sua política externa.

Enquanto Trump tenta derrubar o presidente venezuelano Nicolás Maduro, sanções paralisaram as exportações de petróleo e o sistema bancário do país. Além disso, a decisão de Trump de revogar a participação americana no acordo de não-proliferação nuclear com o Irã e retomar as sanções consternou os países europeus. Alemanha, França e Itália viam no Irã um novo parceiro comercial.

Ainda assim, a Europa respeitou as sanções porque seus bancos não podem sobreviver se tiverem restrito seu acesso a um sistema financeiro global dominado pelo dólar.

Para um banco global, "a incapacidade de funcionar com dólares é, na prática, uma sentença de morte", disse Brad Setser, ex-funcionário do tesouro dos EUA e pesquisador sênior em economia internacional do Conselho das Relações Estrangeiras, em Nova York. "Os EUA conseguiram se aproveitar disso".

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