Jovem judeu quer uma chance na liga principal de beisebol, mas sem desrespeitar o shabat

Elie Kligman pode fazer de tudo num campo de beisebol, mas o seu respeito às regras do judaísmo pode ser um empecilho para o seu futuro no esporte

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Por David Waldstein
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Elie Kligman é um rebatedor ambidestro poderoso. Tem lançado sem rebatidas, tem innings imaculados e pode agarrar a bola com precisão fria de qualquer ponto do campo interno. É um astro em todos os sentidos na Cimarron-Memorial High School em Las Vegas, e sonha alcançar alturas ainda maiores.

Também é um shomer shabat, o que significa que observa as regras rigorosas do sábado judaico e não pode - e não vai - participar de jogos nas noites de sexta-feira ou nas tardes de sábado antes do pôr do sol.

Elie Kligman é um jogador bastante versátil em campo. Foto: Amr Alfiky/The New York Times

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Com base no talento e no desejo, Kligman é suficientemente bom para realizar seu sonho de jogar na Liga Principal de Beisebol ou, pelo menos, nas competições universitárias de alto nível. Mas sabe que a devoção à sua fé pode destruir esse sonho antes que comece, e ele está pronto para aceitar isso.

E, mesmo se um time da grande liga oferecesse a Kligman um bônus de assinatura de US$ 10 milhões, com a promessa de que jogaria para 40 mil pessoas - desde que concordasse em jogar no shabat -, ele insiste que permaneceria firme em sua convicção. "Não. O shabat é para Deus. Não vou mudar isso", afirmou Kligman quando questionado se poderia ser seduzido a romper com suas obrigações religiosas.

Muitos jogadores judeus se recusaram a jogar em certos feriados religiosos ao longo das décadas, principalmente no Yom Kippur e no Rosh Hashaná. Um dos exemplos mais notáveis foi quando Sandy Koufax, o canhoto do Hall da Fama, optou por não arremessar no primeiro jogo da World Series de 1965, porque seria no Yom Kippur. (Seu substituto, Don Drysdale, foi bombardeado. E, quando o gerente Walter Alston o retirou do time na terceira entrada, Drysdale disse: "Aposto que agora você gostaria que eu fosse judeu também.")

Mas perder um jogo ocasional em outubro não é nada se comparado a ficar de fora dos jogos de toda sexta-feira à noite e de todo sábado à tarde. O conceito pode ser particularmente complicado na faculdade, onde muitos programas jogam duas partidas nesses dias. Será um desafio, mas Kligman e sua família têm lidado com esses mesmos obstáculos desde que Elie e seu irmão mais novo, Ari, de 16 anos, eram pequenos.

Os judeus observantes não podem trabalhar durante um período de 25 horas, do pôr do sol de sexta-feira até o anoitecer do sábado, nem usar eletricidade. Alguns não podem fazer laços, como os que são necessários nas chuteiras de beisebol. Não podem rasgar roupa, como a calça do uniforme, que pode ser rasgada quando um jogador desliza a caminho da segunda base, e não podem revolver a terra, o que tecnicamente acontece quando as travas da chuteira arrancam a grama ou a terra do campo. Acima de tudo, é um dia reservado à reflexão espiritual.

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Para Kligman, isso é inegociável. Por mais que ame o beisebol, ele não vai renunciar a suas crenças religiosas, mesmo que isso acabe frustrando tudo aquilo pelo qual tem trabalhado. Se existir uma forma de contornar o conflito, depende em grande parte se ele é bom o suficiente - alguns no beisebol acreditam que poderia ser. Nesse caso, as faculdades e depois os times da liga principal podem fazer as concessões necessárias para permitir que ele se mantenha fiel a si mesmo e à sua religião, e ainda jogar.

Kligman tem apenas 18 anos, com um longo caminho pela frente, mas já embarcou em uma jornada para fazer história no beisebol: "Meu objetivo é me tornar o primeiro jogador observante do shabat da Liga Principal de Beisebol."

Uma vantagem que ele tem é seu pai, Marc Kligman, ex-receptor e defensor externo com uma autodenominada "carreira indefinida" na Universidade Johns Hopkins. Advogado, Marc Kligman também é agente licenciado de beisebol e entende o cenário que os clientes em potencial devem percorrer para realizar seu sonho. Mas a busca de seu filho é diferente da deles.

Elie Kligman e o pai, Marc, em Henderson, Nevada. Foto: Amr Alfiky/The New York Times

Ao longo dos anos, Marc Kligman teve de solicitar à pequena liga, à Pony League, aos programas de viagens, às escolas de ensino médio e aos eventos com olheiros que organizassem a agenda para que seus filhos pudessem jogar o máximo de jogos possível. Ele disse que geralmente seus pedidos têm sido bem-sucedidos, porque a maioria das pessoas tenta ajudar. Ainda assim, houve jogos perdidos e discussões difíceis.

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De acordo com os Klingman, há um punhado de técnicos universitários - a família não vai identificá-los, por enquanto - que estão cientes da decisão de Elie e mesmo assim querem que ele jogue em seu time.

Elie tem 1,83 m, cerca de 84 quilos e foi classificado pelo Prep Baseball Report como número 14 em Nevada. Teve um bom desempenho em um evento recente promovido pela organização, que contou com 65 olheiros profissionais. Brett Harrison, observador de Nevada para o relatório, que já viu Kligman jogar muitas vezes, disse que ele tem os recursos e o conhecimento de beisebol para causar impacto no programa universitário Power 5 em um ou dois anos. "Acho que, com sua habilidade para arremessar e jogar bem em várias posições, ele vai acrescentar valor onde quer que decida jogar", comentou Harrison.

Mike Hubel, ex-jogador da liga secundária de beisebol e treinador há 25 anos, os últimos 22 anos no Cimarron-Memorial, é o atual técnico de Kligman. Muitos de seus jogadores conseguiram jogar em importantes programas universitários e vários chegaram à Liga Principal. Ele observou que Elie Kligman tem talento e determinação para se um tornar um bom profissional, mas não tem certeza de como as faculdades e os times profissionais - e as ligas nas quais jogam - vão encarar suas restrições religiosas, que Hubel reconheceu serem complicadas de negociar, mesmo para um time de ensino médio. "Acho que vai ser um desafio, mas se você encontrar um bom programa de primeira divisão, com um bom treinador que esteja disposto a permitir isso, não será um problema. Ele é um colega de equipe fenomenal. Não fala com a boca, fala com sua luva e seu taco, e pode apoiá-lo", disse o treinador.

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De certa forma, o beisebol profissional - se Kligman for tão longe - poderia ser mais adequado, por causa da necessidade fundamental de assumir apenas uma posição no campo. De todas as características que determinam onde os jogadores estão posicionados no campo de beisebol - capacidade atlética, potência e o fato de o jogador ser canhoto ou destro -, a religião raramente, ou nunca, foi um fator. Mas, por mais aleatório que pareça, a devoção de Kligman ao judaísmo é a razão pela qual ele está se concentrando agora em apanhar a bola.

Devido à tensão física e mental da posição, os apanhadores têm dias de folga regulares durante a semana. Nas fileiras profissionais, costuma ser um dos jogos da tarde do fim de semana - possivelmente um ajuste adaptável para a situação de Kligman. Segundo Hubel, Kligman começou a se concentrar em ser um apanhador este ano porque esse poderia ser o melhor caminho no longo prazo para uma carreira no beisebol. Ele tem o braço, as mãos e o cérebro para a posição, e a esperança é que, se Kligman chegar às fileiras profissionais, seus dias de folga possam ser a sexta-feira à noite e o sábado à tarde.

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À medida que a notícia do talento e das aspirações de Elie Kligman se espalhava pela comunidade judaica, ele foi se tornando um orador popular nas videochamadas das escolas judaicas e das sinagogas de todo o país. As crianças mais novas querem saber que número ele usa e qual é a média de suas rebatidas. As mais velhas querem saber quão difícil é seu sacrifício.

Kligman explica que o que está fazendo é para Deus, portanto não há um sentimento de sacrifício. "É muito surpreendente que estejam interessados na minha vida. Dá a esperança de que, se é isso que você realmente quer fazer, você pode jogar beisebol. Mas não no shabat."

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