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Esses não são os Estados Unidos que as au pairs estavam esperando encontrar

Jovens como a brasileira Ana Flávia, de 23 anos, enfrentam problemas em uma nova realidade

Por Alyson Krueger
Atualização:

No início de março, Ana Flávia, de 23 anos, viajou de sua cidade natal, Sorocaba, no estado de São Paulo, para Oakland, na Califórnia. Foi para lá para ser uma au pair de duas meninas, de 6 e 11 anos, e saborear um pouquinho dos Estados Unidos, morando com elas e com seus pais, uma mãe chinesa e um pai alemão.

Quando Flávia concordou com o trabalho, em janeiro, tinha grandes planos. Enquanto as meninas estivessem na escola, ela exploraria São Francisco, passeando na Ponte Golden Gate e andando pelos típicos bairros. Os fins de semana seriam dedicados a viagens de sua lista de desejos: ir até a Strip em Las Vegas e dirigir pela Route 1 até Los Angeles. "Adoraria visitar o Havaí, talvez Honolulu. Amo paisagens com praias e montanhas", disse ela.

Valeria Rodriguez, que é de North Coahuila, México, na casa onde é au pair para quatro crianças com idades entre 1 e 5 anos, em Tampa, Flórida, 24 de junho de 2020 Foto: Eve Edelheit The New York Times

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Mas a pandemia do coronavírus já estava chegando. Ela chegou a Oakland uma semana antes da implementação das ordens de isolamento social. Flávia passou os primeiros três meses ajudando as meninas a lidar com o estranho novo mundo do aprendizado online. "Há coisas que elas não conseguem fazer." Agora, com a escola fechada, Flávia precisa criar atividades para fazer em casa e, assim, preencher os dias, já que a maior parte da cidade ainda não está aberta. "Às vezes é chato, às vezes é uma montanha-russa. Temos dias bons e ruins", observou a au pair.

Mesmo quando não está trabalhando, ela está presa em casa. Em vez de jantar fora e explorar toda a excelente comida da região, ela faz todas as refeições com seus pais anfitriões, que são rigorosos quanto a uma alimentação saudável. "Eles não usam molho ou açúcar, e às vezes preciso de açúcar e sal. Tem sido estranho", comentou.

Todos os anos, os Estados Unidos recebem aproximadamente 18 mil au pairs, a maioria jovens mulheres de todas as partes do mundo atrás de uma oportunidade de melhorar seu inglês, ganhar algum dinheiro (US$ 175 a US$ 200 por semana, em média) e explorar as cidades e a cultura americanas. A maioria das au pairs tem contratos organizados por agências que estipulam quanto podem trabalhar – geralmente 45 horas por semana –, para que tenham tempo livre e possam sair para se aventurar.

As que estão nos Estados Unidos durante a pandemia, no entanto, estão tendo uma experiência muito mais restrita. As viagens pessoais foram reduzidas de maneira considerável, assim como a socialização com as outras au pairs e os moradores locais. As au pairs estão passando muito mais tempo com sua família anfitriã do que esperavam. E fizeram um curso intensivo em política nacional e estadual, às vezes confundindo suas opiniões sobre os americanos e o sonho americano.

"No Brasil, sempre que estamos juntos, nós nos abraçamos e nos tocamos. Temos um estereótipo dos americanos como pessoas mais frias. Parece verdade, mas não sei dizer se são assim por causa do coronavírus. Sinto falta de calor humano", disse Flávia. A pandemia tem sido particularmente difícil para as novas au pairs que tiveram de se adaptar às famílias anfitriãs com pouco espaço. Yilin Gu, que usa o nome Erin com falantes de inglês, tem 26 anos e é de Tongxiang, uma cidade no sul da China, perto de Xangai.

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Em março, ela se mudou para a casa de uma família em Dallas, com dois meninos, um de cinco e outro de dois anos. A casa estava lotada. A au pair anterior, também da China, ainda estava morando lá por causa das restrições de viagem. O filho mais novo ficava chamando por ela e não por Gu, principalmente de manhã. Uma das avós das crianças também morava lá e adorava "tagarelar", segundo Gu. "Sempre que eu estava cuidando das crianças, ela começava a me dizer que elas precisavam beber leite, leite e leite, e que os nuggets de frango não eram saudáveis", comentou Gu.

A au pair pensou em voltar para a China, algo que alguns amigos estavam fazendo, principalmente porque a pandemia está mais controlada lá, mas decidiu ficar. "Quero explorar as cidades, aprender a cultura e aperfeiçoar meu inglês. Se eu interrompesse minha jornada agora, sentiria que não cumpri meu objetivo. Ficaria arrependida."

Ela se mudou para um hotel para aguardar seu próximo trabalho, colocando um perfil no site da agência e entrevistando as famílias anfitriãs interessadas. "Para mim, não é estranho estar sozinha em um hotel. É menos estressante do que estar em uma casa", ponderou Gu. No início de junho, ela se mudou para Nova York para começar seu trabalho com uma nova família anfitriã. No fim daquele mês, o presidente Donald Trump emitiu uma ordem executiva proibindo os vistos J-1, que permitem que au pairs morem e trabalhem legalmente nos Estados Unidos.

Gu e outras que já estavam aqui se sentiram afortunadas por já terem garantido sua papelada. Mas algumas que estão no fim do período de trabalho se sentiram frustradas por não poderem se despedir pessoalmente dos amigos ou realizar o tipo de aventura de última hora que costuma pontuar a experiência.

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Andrea Ibañez Granizo, de 24 anos, é de Madri e trabalha para uma família no Condado de Marin, nos arredores de São Francisco, há mais de dois anos. Antes de seu recente retorno à Espanha, Granizo havia programado o que as au pairs chamam de "um mês de viagem". "Minha família anfitriã paga minha comida, meus produtos de higiene pessoal, tudo de que preciso. Economizei todo o meu salário para isso", disse ela, que havia planejado ir a Chicago, a Dallas, ao Havaí e a Las Vegas como uma maneira de se despedir dos EUA em grande estilo.

Ela precisava dessa viagem especialmente para mudar sua percepção dos EUA, algo que a pandemia corroeu. "Como europeia e espanhola, vim para cá com aquela ideia dos Estados Unidos que vi nos filmes de Hollywood, que aqui tudo é possível, tudo é tão bom. Agora, com a pandemia, minha reação é: 'Meu Deus! Eles não estavam nem um pouco prontos.'" "Ser americano realmente não é mais uma vantagem", acrescentou Granizo.

E não ajudava nada quando suas amigas da Espanha ficavam enviando mensagens de texto brincalhonas, perguntando se ela já havia tomado sua dose diária de água sanitária. (A agência se ofereceu para estender seu período, mas ela voltou para casa este mês.) Outras au pairs acham que os EUA são um lugar melhor para estar na atual crise. O coronavírus está drasticamente pior no Brasil, onde os pais de Flávia têm uma loja que vende itens de cozinha. "Se meus pais tiverem problemas no Brasil, posso ajudá-los. O dólar está alto e posso enviar dinheiro a eles", comentou ela.

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Valeria Rodríguez, de 26 anos, uma au pair do norte de Coahuila, no México, está cheia de trabalho em Tampa, na Flórida, cuidando de quatro crianças de cinco, três, dois e um ano. "Antes do coronavírus, eu conseguia realizar todas as minhas atividades. Podia sair com meus amigos e jantar tranquilamente. Agora, as quatro crianças estão em casa o dia todo; tenho de mantê-las ocupadas, e a vida mudou. A cada 15 ou 20 minutos, preciso pensar em uma nova atividade.

Elas ficam entediadas tão rapidamente", disse ela, rindo. Ainda assim, Rodríguez está feliz por estar em Tampa, embora as taxas de infecção estejam disparando. "Vamos a bares e às praias daqui, mas com precauções", observou a mexicana. E Flávia conseguiu visitar Las Vegas no fim de semana do feriado do Dia da Independência, mas não foi uma experiência louca, porque ela manteve o distanciamento social. "Quando voltei, fiz o teste para a covid e deu negativo", afirmou a au pair de Sorocaba.

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