Como os pais podem ajudar a controlar o estresse que a crise climática provoca

Algumas medidas de alívio do estresse são particularmente adequadas para superar os desafios atuais, que vão além da ansiedade provocada pela pandemia de covid-19

PUBLICIDADE

Por Ariella Cook-Shonkoff
Atualização:

Meu filho de 3 anos acordou um dia tagarelando feliz em sua cama enquanto ainda estava escuro lá fora, por isso fiquei surpresa ao ver que o despertador marcava 7h45. Em geral, o sol do outono no norte da Califórnia estaria bastante alto a esta hora. Mas as cinzas e a fumaça dos violentos incêndios florestais escureciam parcialmente o sol –o noticiário definiu o fenômeno  como “uma combinação turbulenta”.

Por quatro dias, o céu permaneceu de um apocalíptico colorido laranja acinzentado. Eu, meu marido e nossos dois filhos pequenos ficamos fechados em casa enquanto no ar víamos uma revoada de partículas, alcançando os piores níveis da qualidade do ar já registrados em todo o globo.

Carros cruzam a ponte Golden Gate, em São Francisco, em meio a uma paisagem laranja provocada por incêndios na região. Foto: Harold Postic/AFP

PUBLICIDADE

Imagens da televisão de catastróficos incêndios ardendo ao longo da costa do Oceano Pacífico aumentavam uma sensação de confinamento e desespero à tristeza da pandemia. Como psicoterapeuta trabalhando em uma crise nacional de saúde mental, sabia que os meus clientes estavam com dificuldade de enfrentar os novos medos além do estresse atual provocado pelos riscos terríveis da pandemia, a instabilidade econômica e o problema do ensino à distância, somados à violência racial e a incerteza a respeito das eleições.

Ao contrário do caráter invisível do coronavírus, a evidência de um clima e eventos climáticos extremos - como a fumaça dos incêndios, as árvores retorcidas e a força de ventos muito fortes, as inundações e as chamas – contribuem para uma “eco-ansiedade” coletiva relacionada à crise climática.

Um estudo recente do Instituto Helsinki de Ciência da Sustentabilidade identificou um denominador comum: “incerteza, impossibilidade de prever e de controlar são os ingredientes clássicos da ansiedade”. Por mais que os pais tenham uma posição funcional ou tenham grande capacidade de resistência, ou disponham de recursos, é normal que encontrem dificuldades nestas condições. Se moderado, o estresse pode nos motivar, nos proteger e permitir o nosso crescimento. Ele se torna problemático quando ganha relevância e se torna pânico ou estresse crônico.

“A incerteza representa um problema gigantesco para o nosso bem-estar”, disse Kenneth Ginsburg, diretor do Centro para a Comunicação de Pais e Adolescentes do Hospital Infantil de Filadélfia, e autor do livro Building Resilience in Children and Teens (Criando Resiliência em Crianças e Adolescentes, em tradução livre). “Estamos destinados a correr de tigres e sabemos o que fazer. Mas a experiência mais desconfortável é imaginar um tigre de tocaia atrás dos arbustos – e ter de nos manter vigilantes o tempo todo”.

Robin Cooper, Co-fundadora da Climate Psychiatry Alliance, observou: “Uma inundação ou um furacão podem ocorrer e são grandes destruidores, mas depois passam. Os incêndios são diferentes porque persistem ao longo de meses, destruindo as bases da estabilidade e da segurança essenciais para que os pais possam transmiti-las aos filhos de maneira que eles possam encarar o mundo”.

Publicidade

Os pais costumam ter grandes expectativas de si mesmos. Mas quando o mundo se encontra em um estado de revolta, deixa de ser os pais de sempre. Como estes pais oprimidos pelo peso da desgraça poderão manter as famílias em pé?

CUIDE DE SUAS PRÓPRIAS NECESSIDADES

As crianças absorvem indicações emocionais dos pais, por isso quando os pais se acalmam, podem ajudar os familiares a se acalmar. Os psicólogos a denominam co-regulação. Ginsburg disse que, em tempos de profundo estresse, a tarefa dos pais que têm filhos pequenos consiste em “parecer como cisnes deslizando sobre a água”, criando uma atmosfera de segurança e conforto. Mas os adolescentes, “precisam saber o que os pais estão fazendo para não afundar”, prosseguiu.

“Os pais então mostram que estão movimentando os pés embaixo da água porque querem ajudar os filhos a construir as habilidades de que precisam”. Os clássicos fatores de alívio do estresse – fazer exercício, respirar profundamente, passar algum tempo no meio da natureza, e expressar-se de forma criativa (arte, música, dança, escrita) – ajudam. Assim como o planejamento para a segurança e o preparo para emergências. Mas alguns outros comportamentos que reduzem o estresse são particularmente adequados para a catástrofe climática e a quarentena.

PUBLICIDADE

BUSQUE A CONEXÃO

Segundo os pesquisadores, o isolamento social é um considerável fator de estresse, ao passo que o relacionamento cura. Mas embora o distanciamento físico nos limite, devemos encontrar maneiras de preservar os relacionamentos sociais. Merritt Juliano, copresidente da Climate Psycholoy Alliance North America, pretende oferecer “Climate Cafes” virtuais gratuitos aos pais a fim de estabelecerem um diálogo entre si sobre a emergência climática.

Os “Climate Cafes” - não apenas para os pais – estão acontecendo no mundo inteiro. Na era pré-covid, eram realizados em cafés ou em outros espaços públicos. Em geral, está presente um mediador para estimlar a reflexão e compartilhar pensamentos e sentimentos sobre a questão da mudança climática.

Publicidade

“A coisa mais importante que os pais podem fazer para construir a capacidade de resistência é o próprio trabalho interior sobre a mudança climática. Processadas a próprias reações emocionais e aceita a situação, eles poderão permanecer presentes com os filhos”, disse Merritt Juliano.

MANTER AS ROTINAS

Em alta
Loading...Loading...
Loading...Loading...
Loading...Loading...

A rotina e a possibilidade de previsão afastam o caos. “Há muitas coisas que não podemos fazer, por isso é importante descobrir as coisas que podemos fazer neste momento”, disse Bonnie Goldstein, psicóloga clínica em Los Angeles. “O objetivo é sentir-se um pouco mais no controle”. Estabelecer uma estrutura diária e manter as rotinas encoraja os sistemas nervosos a se acalmar”. Como Ginsburg disse: “Não podemos controlar o mundo exterior, mas podemos criar santuários dentro das nossas casas”.

ANCORAR-SE NO PRESENTE

Usar os nossos cinco sentidos como âncoras é uma maneira simples de concentrar-nos no momento presente. Quando estamos estressados, as nossas mentes se enchem de ruídos, nós perdemos o sincronismo com o mundo ao nosso redor. Os ambientes naturais são âncoras ideais, repletos de estímulos sensoriais, como uma brisa perfumada ou o canto dos pássaros. Mas se não podemos nos aventurar lá fora, podemos nos ancorar descobrindo algo agradável aqui dentro: uma pintura, um travesseiro macio, comidas gostosas.

O que nasce desta base é um sentimento de gratidão espontânea. Goldstein aconselha a levar dentro da nossa casa alguma coisa da natureza – uma planta, uma casca, uma concha, até mesmo uma fruta – e a deixemos à mostra, ou a criar uma espécie de altar, em um canto especial.

LUTE PELOS OUTROS

Publicidade

Canalizar preocupações e frustrações na ação comunitária é um potente elemento redutor do estresse ecológico; a ação participativa é produtiva, confere autonomia e é transformadora. Descobrir caminhos, como Ginsburg disse, “a fim de fortalecer os vulneráveis” é um apoio para os outros e cria significado e objetividade em uma época de crise existencial.

A boa notícia é que todos podemos aprender a ser mais resistentes. Embora algumas pesquisas sugiram que pode haver uma predisposição genética para a capacidade de resistência, a neuroplasticidade do nosso cérebro nos permite aprender e integrar novas formas de resistência por meio do exercício e da repetição. Nossa avaliação de uma situação difícil também faz diferença.

Nós nos sentimos oprimidos, ou mais otimistas com nossas forças e recursos? E aquele ditado familiar segundo o qual as crianças têm capacidade de adaptação? Sim, há certa verdade nele, embora estejamos errados se pensamos que é somente disso que elas precisam.

Logo depois que o meu filho menor me acordou naquela manhã inusitadamente escura, meu filho de 5 anos escancarou a porta e anunciou: “Bom, os pássaros estão ok, então está tudo bem!”. Embora esta resposta esteja carregada de ingenuidade, ela contém também uma pequena semente, uma vontade de resistir. Sendo sua mãe, pretendo cuidar desta semente, e da minha também. / TRADUÇÃO DE ANNA CAPOVILLA

The New York Times Licensing Group - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito do The New York Times

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.