HAIA - Em uma cidade que simboliza a justiça internacional, a embaixadora do Burundi desempenha uma função solitária. Enquanto seu país está sendo acusado de assassinatos, estupros e tortura, ela acaba de se destacar pela declaração impopular de que o Tribunal Penal Internacional não deveria interferir nos assuntos internos de uma nação. Segundo a embaixadora Vestine Nahimana, o tribunal estaria violando a soberania do Burundi.
Tais críticas lembram as de déspotas cujas afirmações há muito foram ignoradas pelo Ocidente. Mas sua visão recebeu recentemente o apoio do presidente Donald J. Trump, cujo assessor de segurança nacional, John R. Bolton, declarou a corte "ineficiente, não confiável e, na realidade, definitivamente perigosa", e ameaçou aplicar sanções a promotores e juízes que defendem ações contra americanos.
O discurso de Bolton é o exemplo mais recente de desprezo pelas organizações globais, segundo o governo Trump. Mas para o Tribunal Penal Internacional, sua aberta hostilidade se manifesta em um momento perigoso. A corte, inaugurada em 2002, foi criada como organismo judiciário mundial permanente para tratar de crimes de guerra, genocídios e outros crimes contra a humanidade. Entretanto, um ex-promotor está sendo acusado de corrupção. Somente oito pessoas foram condenadas até agora, e a condenação mais significativa, a do ex-vice-presidente do Congo, Jean-Pierre Bemba, foi derrubada por erros judiciários.
No entanto, muitos aliados dos Estados Unidos consideram o tribunal um símbolo da ordem internacional. Os comentários de Bolton foram vistos como um convite a ignorar a autoridade da corte.
Os Estados Unidos sempre viram a corte com desconfiança, temendo que possa ser usada contra as tropas americanas. O presidente Bill Clinton assinou o Tratado de Roma, de 1998, que estabeleceu o tribunal, embora destacando "suas falhas significativas". O Congresso nunca ratificou o tratado, mas os ex-presidentes George W. Bush e Barack Obama o apoiaram em algumas circunstâncias.
As afirmações de Bolton representam uma advertência ao tribunal por sua aparente intenção de investigar crimes de guerra cometidos no Afeganistão, inclusive os abusos de funcionários da CIA contra prisioneiros. Segundo ele, os promotores da corte representam uma ameaça à soberania americana. Também falou que para muitos na África o organismo se tornou um instrumento do moderno colonialismo europeu.
Este argumento reitera a visão do presidente do Sudão, Omar Hassan al-Bashir, que está sendo julgado por genocídio. "São os mesmos argumentos dos líderes de Mianmar, da Coreia do Norte e da Rússia", afirmou David J. Scheffer, ex-embaixador americano cujo trabalho contribuiu para a redação do Tratado de Roma.
O discurso de Bolton suscita novos temores quanto à duração de um tribunal que carece do apoio dos maiores países do mundo, como China e Índia. A Rússia desistiu de seu aparente endosso. Embora as nações europeias considerem organizações como a Tribunal Penal Internacional importantes restrições a ditadores, os conservadores americanos o veem como uma afronta. É que os EUA arcam com várias operações de paz no Ocidente. Bolton e seus aliados questionam por que, então, os Estados Unidos expõem seus cidadãos à supervisão externa.
Grupos defensores dos direitos humanos estão particularmente alarmados com a ameaça de que advogados e juízes internacionais possam ser levados a processo.
"Vinda do país anfitrião das Nações Unidas, esta visão é muito perigosa para a ordem jurídica internacional", afirmou William Pace, diretor da Coalizão para o Tribunal Penal Internacional, criada para oferecer suporte à corte. "Isso abala os pilares de uma ordem internacional criada depois da Segunda Guerra Mundial para prevenir a eclosão da Terceira Guerra Mundial".