LOS ANGELES - Para a concorrência, o "assalto" da Netflix ao gênero da comédia deve ter sido uma ofensiva desleal, brutal e rápida.
Em questão de poucos anos, a gigante da transmissão via streaming deixou para trás a HBO enquanto canal das melhores comédias stand-up, fazendo a Comedy Central parecer mais uma Comedy Marginal. Ao assinar contratos com grandes celebridades (Dave Chappelle, Jerry Seinfeld, Chris Rock), transformar novos talentos em astros (Ali Wong e Hannah Gadsby) e expandir o volume de conteúdo novo, a Netflix transformou o especial de comédia stand-up no centro da cultura popular. Como a empresa fez isso?
A explicação mais cínica diria que o serviço simplesmente tinha mais dinheiro para gastar do que os demais. Mas, em entrevistas, a vice-presidente da Netflix para programas originais de comédia e documentário, Lisa Nishimura, e o diretor de comédias stand-up originais da empresa, Robbie Praw, contam uma história diferente, na qual a iconoclastia, as novas métricas e a fé na precisão do algoritmo perturbam as convenções estáticas de uma indústria.
No ano passado, Lisa explicou sua maior jogada: convencer Chappelle a voltar para uma plataforma de alcance nacional. Ela o conheceu por acaso em Londres e o convidou para uma festa depois da premiação do Bafta.
Anos mais tarde, Chappelle concordou em lançar na Netflix seu primeiro especial de stand-up em 13 anos, seguido por outros três em 2017. Ele teria recebido 60 milhões de dólares pelo pacote de programas. A Netflix não confirma o valor dos salários, mas, indagada a respeito de como eles determinaram a oferta que fariam ao comediante, Lisa respondeu: “Da mesma maneira que fazemos tudo o mais", disse ela. “Analisando os dados.”
O mesmo impulso estava evidente mais de uma década antes, quando Lisa começou a trabalhar para a Netflix, comprando conteúdo de empresas que não fossem grande estúdios. Depois de acompanhar o desempenho de programas de comédia já lançados na TV a cabo e então trazidos para a Netflix, ela começou a intuir que a sabedoria convencional a respeito do especial de comédia stand-up, segundo a qual seu público é limitado, estaria enganada.
Na época, tratava-se de um nicho do mercado: meses se passavam entre os lançamentos de grande porte. Mas, ao tornar os especiais prontamente disponíveis, Lisa percebeu que havia um grande mercado ainda não aproveitado.
Quando a Netflix começou a desenvolver conteúdo original, Lisa defendeu que a empresa apostasse alto na comédia. Agora, 50% dos seus 130 milhões de assinantes assistiram a um especial desse tipo nos 12 meses mais recentes, e um terço desses espectadores assistiu três programas de standup.
A Netflix lança aproximadamente um especial por semana, e a frequência aumentou no segundo semestre de 2016, pouco depois de Lisa trazer Praw para a empresa: ele trabalhava como vice-presidente do festival Just for Laughs, em Montreal. A estratégia deles tem como base a crença segundo a qual a Netflix não precisa escolher entre qualidade e quantidade.
De acordo com eles, a empresa pode fazer ambas as coisas, pois conta com os dados indicando o que o público deseja assistir.
Diferentemente dos canais de mídia tradicionais, a Netflix não se atém à idade ou ao gênero.
“Correríamos o risco de opor o gosto de uma avó japonesa de 75 anos ao de um adolescente de 14 anos de Ohio", disse Lisa. “Mas há momentos em que seu gosto coincide.”
O sistema da Netflix tem mais de dois mil “núcleos de preferência” que medem o conteúdo pelo tom, timbre e sensação para prever quem se interessará por ele quando ficar disponível no site. A Netflix enfatiza mais aspectos como o clima animado, sombrio ou redentor de um título do que informações como o nome do diretor.
Quando indagado se teme que os astros se esgotem, Praw apontou para novos especiais estrelados por Ellen DeGeneres e Adam Sandler. Indagada se a Netflix pode seguir oferecendo somas imensas, Lisa respondeu, “Se continuarmos multiplicando o público, não teremos problemas".
Esta pode ser parte da razão pela qual a Netflix está investindo alto no mercado global, contratando recentemente um executivo em Amsterdã para recrutar comediantes estrangeiros. No ano que vem, o serviço vai lançar 47 especiais de meia hora em sete idiomas diferentes.
“Quando observamos o mundo todo, vemos que há mercados de comédia stand-up em lugares onde não havia nada 20 anos atrás", disse Praw. “Hoje há clubes de comédia na Coreia.”