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Falta de civilidade se alastra no governo Trump

Críticos afirmam que os termos utilizados pelo presidente americano para se referir aos imigrantes ilegais desumanizam as pessoas

Por Peter Baker e Katie Rogers
Atualização:

WASHINGTON - Recentemente, o presidente Donald J. Trump ofendeu os imigrantes ilegais acusando-os de serem “assassinos e ladrões” que querem “infestar os Estados Unidos”. Não faz muito tempo, chamou-os de “animais”, embora insistisse que se referia aos que fazem parte de gangues violentas.

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O discurso rude de Trump parece estimular cada vez mais os adversários a reagir com palavras ofensivas, como a reprovação insultuosa que Robert De Niro lhe dirigiu na cerimônia dos Tony Awards. A política da raiva que alimentou a ascensão política de Trump agora domina o discurso nacional nos Estados Unidos, como ele demonstrou repetidas vezes durante o debatesobre sua política de “tolerância zero” sobre a imigração com a qual separou filhos de pais apreendidos na fronteira.

“Infelizmente, constatamos um declínio da civilidade e um aumento da incivilidade”, observou Christine Porath, autora de Mastering Civility, um livro sobre comportamento no local de trabalho. “Agora, as pessoas não só respondem como tendem a baixar o nível em lugar de melhorá-lo”.

Christine disse que o atual clima agressivo afeta as pessoas não somente no contexto político, mas se introduz na vida diária em casa e no trabalho. “Sabemos que a falta de civilidade é contagiosa”, ela disse. “É como um bug ou um vírus. Não apenas quando as pessoas são objeto de um ato de incivilidade, mas quando veem ou leem a respeito disso”.

Os termos usados por Trump a respeito dos que tentam entrar no país ilegalmente são tão crus que, segundo os críticos, desumanizam as pessoas. O que nos faz voltar ao dia em que Trump anunciou sua campanha à presidência, em 2015, quando definiu muitos imigrantes mexicanos como “estupradores”.

O presidente Donald J. Trump tem sido criticado por usar termos degradantes contra os imigrantes ilegais. Foto: Doug Mills/The New York Times

Recentemente, ele lembrou desta controvérsia. “Lembram quando fiz aquele discurso e fui tão criticado? ‘Oh, que coisa terrível ele disse’”, recordou em tom de caçoada discursando na National Federation of Independent Business, em 19 de junho. “No fim, eu estava 100% certo. Por isso fui eleito”.

Trump classificou o primeiro-ministro do Canadá como “fraco e desonesto”. Afirmou que jornalistas, parlamentares e adversários políticos são “loucos”, “malucos”, “patetas”, “doentes mentais”, “psicopatas”, “gente de quinta categoria” e “corruptos”. E definiu alguns de seus próprios indicados e aliados republicanos como “muito ruins”, “extremamente fracos”, “fracassados” e “sem consistência”.

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Retribuir incivilidade com incivilidade nem sempre funcionou bem para seus adversários. Quando os senadores Marco Rubio, da Flórida, e Ted Cruz, do Texas, tentaram fazer isso durante as primárias republicanas em 2016, deram-se mal.

“Somente Trump pode comportar-se como Trump impunemente”, disse Jennifer Mercieca, professora adjunta da A&M University do Texas, que estudou a linguagem do presidente. “Todas as vezes que outras pessoas tentam usar ataques ao autor, ou praguejar ou algo do gênero, soa falso. Além disso, outros políticos tendem a ter mais vergonha, por isso, quando são criticados, preferem não responder. Como todos sabem, Trump não faz isso. E como ele se recusa a envergonhar-se, pode sempre falar o que bem entende”.

O discurso grosseiro na política americana remonta aos dias turbulentos da disputa entre John Adams e Thomas Jefferson. Mas raramente o próprio presidente estabeleceu o tom como Trump faz. Quando o presidente George Bush chamou Bill Clinton de “palhaço”, em 1992, sua fala foi considerada indigna de um presidente.

Os adversários do presidente agora também passaram a usar termos vulgares, como Robert De Niro na cerimônia dos Tony Awards. Foto: Sara Krulwich/The New York Times

Alguns liberais sentem arrepios à ideia de que deveriam rebater a uma presidência que consideram bárbara. Jessica Valenti, colunista do Guardian U.S. e autora de livros sobre feminismo, política e cultura, afirmou que o comedimento interessa a Trump. “Esperar que os que estão assustados e revoltados com o que nosso país está se tornando falem com civilidade é um absurdo - a civilidade morreu no dia em que Trump tomou posse”, escreveu. “É como dizer a uma mulher que sorria enquanto está sendo atacada sexualmente na rua”.

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Um dos debates mais sensíveis gerados pela política da separação das famílias de Trump foi sobre a adequação das comparações com a política nazista. Quando Michael V. Hayden, que foi diretor da CIA durante o governo do presidente George W. Bush, postou a imagem de um campo de concentração e escreveu: “Outros governos separaram mães e filhos”, deu origem a uma controvérsia com o âncora da CNN Wolf Blitzer, que observou que seus parentes foram assassinados no Holocausto. “Por pior que esta política seja, não tem certamente a ver com Auschwitz”, respondeu Blitzer a Hayden.

Entretanto, dois sobreviventes do Holocausto postaram um vídeo falando sobre o trauma de terem sido separados dos pais. “Sejamos bem claros: Não estamos comparando o que está acontecendo hoje ao Holocausto”, afirmaram. “Mas a separação forçada de pais e filhos é um ato de crueldade em todas as circunstâncias”.

Jonathan Greenblatt, diretor-executivo da Liga Antidifamação, um grupo internacional que combate o antissemitismo, disse quetodo mundo “deveria tomar extremo cuidado” com as comparações com o Holocausto, mas que “há paralelos perturbadores que tocaram um nervo particularmente sensível”.

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]“Não percamos o tempo fazendo comparações”, acrescentou. “Em vez disso, hoje, devemos concentrar todas as nossas energiasem lutar por uma série de medidas mais morais”. / Maggie Haberman contribuiu para a reportagem.

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