Famílias procuram filhos que teriam sido sequestrados pelo governo de Israel

O governo israelense nega que tenham ocorrido sequestros sistemáticos. Documentos divulgados anos depois provam o contrário

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Por Malin Fezehai
Atualização:

ROSH HAAYIN, ISRAEL- Ofra Mazor, de 62 anos, procurava a irmã Varda há 30 anos quando levou amostras do seu DNA à companhia israelense especializada em pesquisas genealógicas, MyHeritage, em 2017. Sua mãe, Yochevet, falecida, contava que conseguiu amamentar sua irmã uma vez depois que ela nasceu em um hospital israelense, em 1950. As enfermeiras disseram-lhe que seu marido exigiu a criança de volta. Mas isto nunca aconteceu. Meses depois de apresentar seu DNA, foi encontrado outro compatível. Em janeiro, as irmãs puderam reunir-se. Varda Fuchs havia sido adotada por um casal alemão-israelense em Israel. As irmãs fazem parte de uma comunidade de israelenses de ascendência iemenita que há décadas busca respostas a respeito de parentes perdidos.

Varda Fuchs, de 68, esquerda, e Ofra Mazor, de 62, são as irmãs que foram reunidas graças aos testes de DNA, no início de 2018. Foto: Malin Fezehai/The New York Times

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A história é conhecida como o “caso das crianças iemenitas”, e são mais de mil casos oficialmente relatados de crianças e bebês desaparecidos, mas algumas estimativas falam em 4.500. Suas famílias acreditam que os bebês foram levados pelas autoridades israelitas na década de 1950, e colocadas para adoção ilegalmente em famílias asquenazes sem filhos, de judeus de ascendência europeia.

As crianças provinham, na maioria, de outras comunidades “mizrahi”, termo que identifica judeus do Norte da África e do Oriente Médio. O governo israelense nega que tenham ocorrido sequestros sistemáticos. “Eu tinha certeza de que eu era iemenita”, disse Varda, de 68 anos.

Outros casos

Depois da fundação da nação em 1948, os imigrantes que chegaram a Israel foram colocados em campos transitórios, verdadeiras cidades de barracas de lona administradas pelo Estado. Há centenas de testemunhos semelhantes de famílias que viveram nesses campos. Mulheres que deram à luz ou que levaram seus bebês ao médico foram informadas de que as crianças haviam morrido. As famílias jamais puderam ver um corpo ou um túmulo. Muitas sequer receberam atestados de óbito.

Em 1995, foi criada a Comissão Cohen-Kedmi com a tarefa de examinar mais de mil casos de crianças desaparecidas. Esta foi a terceira comissão criada pelo governo israelense desde os anos 60. Em 2001, a comissão concluiu que não havia nenhuma base para a acusação de que o governo sequestrara bebês. As investigações declaravam que a maioria das crianças que foram dadas como mortas haviam morrido de fato, mas para cerca de 50 delas não foi dada qualquer explicação.. As outras comissões apresentaram conclusões semelhantes. A credibilidade da comissão foi questionada pelas famílias e por especialistas em direito.

Nos anos que se seguiram à fundação de Israel, houve uma imigração maciça de judeus provenientes de 80 países. Os judeus mizrahi em geral eram pobres e menos instruídos do que os asquenazes  de Israel, que inclusive ocupavam cargos no governo e queriam que os recém-chegados se conformassem à sua concepção de um estado moderno. “Eles achavam que tinham de criar uma nova geração, separada da antiga comunidade ‘primitiva’”, disse Naama Katiee, uma fundadora da AMRAM, organização que catalogou mais de 800 testemunhos de famílias mizrahi.

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Documentos

Nos últimos anos, Israel tentou ser mais transparente. No fim de 2016, foram divulgados mais de 200 mil documentos dos arquivos do governo, contendo fichas de crianças, registros hospitalares e atestados de sepultamento.

Margalit Ronen, de 92 anos, entrou com uma ação judicial contra a Comissão Cohen-Kedmi. Em 1949, ela chegou a Israel procedente do Irã grávida de oito meses de gêmeas. Depois que deu à luz, o hospital a aconselhou a descansar no campo por alguns dias antes de levar as filhas. Quando voltou  ao hospital, disse que os funcionários a avisaram de que as meninas tinham morrido.

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Gil Grunbaum, de 62 anos, ficou sabendo de sua adoção aos 38 anos, quando um amigo da família disse à sua esposa que Gil era adotado. Grunbaum investigou o paradeiro de sua mãe biológica, uma imigrante da Tunísia, que havia sido informada de que seu filho morrera enquanto ela estava sedada para dar à luz, em 1956.

Os pais adotivos de Grunbaum eram sobreviventes do Holocausto da Polônia. Por esse motivo, ele não quis aprofundar o trauma do casal, e por isso não falou a este respeito com eles. Muitos têm dificuldade para aceitar que isto possa ter acontecido. “Os judeus  fizeram isto a outros judeus? Não sei”, afirmou Yehudit Yosef, de 91 anos. Em 1949, ela levou o filho Rafael ao hospital com febre. Dias mais tarde, uma enfermeira telefonou para dizer que o menino tinha morrido. “Disseram: ‘Desculpe pela demora'". “Eles infligiram uma ferida nos nossos corações por toda a nossa vida”.

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