Fendace, a união frustrante de Fendi e Versace

Nas passarelas da Semana de Moda de Milão, esperava-se uma parceria, mas o que se viu foi uma sobreposição onde a Versace saiu com mais destaque

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Por Vanessa Friedman
Atualização:

Milão – A Semana da Moda de Milão terminou com a confirmação oficial do que pode ser a maior tendência no mundo da moda de agora em diante – não as franjas (embora houvesse muitas delas) ou os braceletes (idem) ou mesmo os tops de biquíni (que ainda estão na moda), mas sim a união de marcas poderosas.

A final do desfile da Fendace, com os designers da Fendi e da Versace, durante a Semana da Moda em Milão em setembro de 2021. Foto: Ivan Marianelli/The New York Times

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O evento apresentou a Fendace, também conhecida como Fendi por Versace, ou Versace por Fendi, com as coleções pop-up pré-primavera de 2022 criadas por Kim Jones, diretor artístico de moda feminina da Fendi; Silvia Venturini Fendi, designer de moda masculina da Fendi; e Donatella Versace, da Versace, em que os designers trocaram de lugar e depois mostraram os resultados na passarela. O nome pode ter sido criado para ser divertido, mas não é uma piada. "Isso nunca tinha acontecido na história da moda", disse Versace, hiperbolicamente, em um comunicado à imprensa. Ela descreveu o experimento como "uma troca de papéis".

Pense nisso como uma colaboração elevada ao enésimo grau (mas não ouse chamar de colaboração, porque isso é coisa de 2019). Ou o oposto de separação consciente, mas em uma versão de curta duração, quando duas marcas na mesma categoria de moda decidem que, em vez de competir, começarão a jogar no mesmo time. De propósito e com permissão.

Logo da Fendace rm uma bolsa durante o desfile em que Fendi e Versace se uniram na Semana de Moda de Milão. Foto: Ivan Marianelli/The New York Times

A Gucci deu início à ideia em abril, quando seu designer, Alessandro Michele, "hackeou" a marca irmã Balenciaga (nada de "colaboração", viu?) para a coleção principal da Gucci; a Balenciaga retribuiu o favor em junho. Em seguida, Jean-Paul Gaultier – a marca, não o homem – anunciou que, depois da aposentadoria de Gaultier, cada desfile de alta-costura seria criado por um designer convidado diferente, interpretando as características da marca: em julho, foi a vez de Chitose Abe, da Sacai; o próximo será Glenn Martens, da Y/Project e da Diesel. Abe também se juntou a Jones, da Fendi, como parte de seu outro trabalho, como diretor artístico da Dior Men's, para criar uma pequena coleção masculina em junho.

Trata-se de um encontro de iguais, ao contrário dos projetos anteriormente conhecidos como colaborações, que costumavam apresentar marcas de diferentes partes do mundo da moda (nomes da alta-costura e do mercado de massa; da alta-costura e do streetwear; da alta-costura e do esporte), em uma mistura que funcionava porque a dupla era tão incompatível que ficava legal. O plano é explorar o legado e as características de cada marca, para iluminá-las de maneira inédita.

Afinal, está ficando cada vez mais difícil fazer com que essas parcerias se destaquem, agora que praticamente todo influenciador faz alguma colaboração – e vive em uma casa colaborativa. É preciso expandir o conceito.

Gigi Hadid na passarela durante a seção Fendi by Versace da Fendace. Foto: Ivan Marianelli/The New York Times

Em teoria, Versace e Fendi partiram dessa ideia e deram um passo à frente: revelaram o projeto no último minuto (embora estivesse em andamento desde meados de fevereiro) em um programa supostamente secreto (a não ser pelo fato de que a notícia vazou na semana anterior), não como duas marcas relacionadas no mundo da moda, como Gucci e Balenciaga, que pertencem à Kering, mas como duas marcas que fazem parte de conglomerados completamente diferentes (Capri Holdings, no caso da Versace, e LVMH Moët Hennessy Louis Vuitton, no caso da Dior).

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Que divertido! Uma polinização cruzada! Típico do mundo da moda, já que havia muitos rumores de que Jones seria oficialmente escolhido como o herdeiro de Donatella Versace em 2017, antes que ele assumisse o cargo na Dior e ela decidisse que ficaria no comando por mais algum tempo.

Modelo desfila com uma peruca de Donatella Versace durante a seção Fendi by Versace. Foto: Ivan Marianelli/The New York Times

No fim das contas, ficou muito difícil perceber a diferença. Foi até meio difícil notar a diferença entre esse desfile e o desfile da Versace no início da semana.

A maior surpresa da Fendace foi como a falta de ousadia – e como a estética da Versace se sobrepunha. Talvez houvesse um pouco mais de alfaiataria na seção Versace por Fendi, emendada e com estampas de lenço; um pouco mais de atenção ao trabalho manual, especialmente em um minivestido tubinho tomara-que-caia com estampa rococó adornado com bordados. Mas, essencialmente, o Versace por Fendi parecia muito Versace – e o Fendi por Versace também parecia muito Versace. Embora com mais logotipos "F".

Isso se deve, em parte, ao fato de haver muitas características associadas à casa fundada por Gianni: não apenas símbolos como gravuras gregas e curvas barrocas, mas alfinetes de fralda, cota de malha, preto e dourado, sexo e dominação de salto alto (além do cabelo, basta ver as perucas Donatella na seção Fendi por Versace). Por outro lado, se você examinar a mente coletiva em busca da semiologia da Fendi, encontrará principalmente uma letra do alfabeto. Alguns complementares, dois tons de marrom. E peles, é claro, mas a Versace anunciou que não voltaria a usá-las.

Amber Valletta (esq) e Kate Moss (dir): supermodelos participaram do desfile da Fendace na seçãoVersace by Fendi. Foto: Ivan Marianelli/The New York Times

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Além disso, os dois lados adoram uma supermodelo original: Shalom Harlow, Amber Valletta e Kate Moss fecharam a seção Versace por Fendi; Naomi Campbell, a Fendi por Versace. Kristen McMenamy e Karen Elson também fizeram aparições, assim como outras modelos.

Para que as colaborações – ou, para ser mais específico, a "celebração da moda italiana e uma ruptura da ordem estabelecida", descritas no comunicado de imprensa da Fendace – alcancem certo nível de grandeza, é preciso haver tensão, em vez de aconchego, carinho; é preciso haver uma necessidade de negociação entre estéticas opostas para dar origem a uma nova forma de ver, tirando os designers de sua zona de conforto.

O que torna essas junções empolgantes é o encontro de duas mentes, cada qual com uma história antitética, cabo de guerra que cria uma quimera tão inovadora que poderia se tornar um mito. Caso contrário, resta apenas a apreciação mútua e o marketing. Ou uma entrevista de emprego.

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