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Gangues de criminosos alimentam caça ilegal de rinocerontes

Chumlog Lemtongthai foi condenado a 40 anos de cadeia por ter elaborado plano de caça ilegal, mas cumpriu seis

Por Rachel Nuwer
Atualização:

Em 2003, criminosos dotados de espírito empreendedor do Sudeste Asiático descobriram que poderiam explorar uma brechanas leis sobre a caça da África do Sul para transportar legalmente chifres de rinoceronte de um país para outro. Naquele ano, 10 “caçadores” vietnamitas solicitaram autorização para caçar rinocerontes.

Os caçadores têm permissão para transportar legalmente seus troféus de um país para outro, de acordo com várias leis internacionais e nacionais. Os caçadores vietnamitas voltaram para casa cada um com o chifre montado, a cabeça ou mesmo o corpo de um rinoceronte.

Chumlong Lemtongthai comprou autorizações para a caça legal com a ajuda de prostitutas, a fim de contrabandear partes de rinocerontes. Foto: Julian Rademeyer

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A notícia se espalhou. Embora o Vietnã e outros países asiáticos não tenham uma história de grandes caçadas esportivas, a África do Sul logo foi inundada de pedidos de cidadãos asiáticos, que às vezes pagavam 85 mil dólares, até mesmo mais para matar um rinoceronte.

Foi o início de uma atividade ilícita denominada pseudo-caça - o primeiro passo da crise da caça ilegal ao rinoceronte que hoje assola o país.

A África do Sul tem registros de mais de 650 troféus de rinocerontes levados para o Vietnã de 2003 a 2010 - por um valor que varia entre 200 dólares a 300 milhões de dólares no mercado negro. O Vietnã, entretanto, tem documentação referente a apenas uma fração deste total.

Em 2012, investigadores sul-africanos identificaram pelo menos cinco grupos vietnamitas criminosos que exploravam a brecha legal. O cidadão tailandês, Chumlong Lemtongthai, e o seu bando de prostitutas armadas foram seguramente os mais notáveis.

No intuito de adquirir novas autorizações para caçar, Chumlong contratou mais de vinte prostitutas que fingiram ser caçadoras. Elas receberam por volta de 550 dólares somente para entregar cópias dos seus passaportes e tirarem umas “férias” com Chumlong na África do Sul.

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O vietnamita teve a ajuda de Johnny Oliver, um espertalhão e intérprete, na África do Sul, que mais tarde trabalhou para ele. Depois de abater cerca de 50 rinocerontes, sua consciência começou a pesar.

“Isto já deixou de ser um troféu”, ele disse. “Agora estamos realizando uma matança pura e simples, unicamente por dinheiro. Estes animais são a herança da minha nação”.

Quando o seu caso chegou aos tribunais, em 2012, os promotores sul-africanos determinaram que Chumlong era o autor intelectual de “uma dos maiores fraudes da história do crime ambiental”. Ele foi condenado a 40 anos de prisão.

Foi uma punição de um rigor inaudito em um país onde as condenações por supostos crimes contra a vida selvagem são muito raras.

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Mas Chumlong não passou 40 anos na prisão. Em setembro, a África do Sul acabou libertando-o após ter passado apenas seis anos de cárcere. Depois do estardalhaço promovido por grupos conservacionistas e pelas autoridades governamentais, ele foi rapidamente deportado para a Tailândia.

A África do Sul endureceu as leis sobre caça depois que Chumlong foi preso, e a pseudo-caça ilegal foi substituída pela caça furtiva tradicional e pelo tráfico. Entretanto, muitos dos contraventores continuam os mesmos.

Mas dada a maneira como estas redes funcionam, derrubar um dos supostos chefões não acaba com o comércio.

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Para levarem o seu prêmio, os caçadores de rinocerontes, que frequentemente são homens pobres e desesperados, costumam se introduzir nas reservas naturais protegidos pelas sombras da noite. Uma vez no parque, em geral esperam até o amanhecer para matar um rinoceronte. Em seguida, aguardam o transporte ou enterram o chifre para resgatá-lo mais tarde. Outros simplesmente correm para casa. Em geral são pessoas do lugar, com o chifre.

Depois que o chifre, presas, um saco de ossos, uma caixa de escamas ou outra mercadoria animal contrabandeada - ele sai clandestinamente do parque, e os bens são transferidos através de uma cadeia de “corredores” que os levam para cidades maiores. A certa altura, descobre-se que há empresários asiáticos na África envolvidos: em geral chefões vietnamitas que procuram chifres de rinoceronte, ou chefões chineses à procura de marfim.

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Uma remessa de marfim que se destina à China pode ser enviada inicialmente de Togo para a Espanha; um passageiro com um chifre de rinoceronte pode pegar um avião para Dubai antes de se dirigir para Kuala Lumpur e depois para Hong Kong. Estes caminhos tortuosos ocultam a origem e o destino das mercadorias.

Um negociante que faz contrabando de marfim talvez não conheça o chefão local que supervisiona o contrabando na Ásia. Nos cartéis dirigidos por apenas um ou poucos indivíduos, as vagas deixadas pelas prisões são imediatamente preenchidas.

“Prender alguns chefões que traficam com animais selvagens pode ser um útil instrumento simbólico”, disse Tim Wittig, cientista conservacionista da Universidade de Groningen, na Holanda. Mas “na realidade não é eficaz para salvar animais protegidos, principalmente se é um ato isolado”.

John Sellar, ex-diretor da Convenção sobre o Comércio Internacional de Espécies Ameaçadas da Fauna e da Flora Silvestre, afirmou que nós deveríamos ver o tráfico de animais selvagens apenas como um crime.

Estes grupos de criminosos que lidam com a vida selvagem costumam incluir cúmplices de várias nacionalidades o que complica as investigações. Os governos frequentemente não compartilham informações e nem colaboram efetivamente através das fronteiras. Até as autoridades de um país assolado por caçadores ilegais podem não cooperar entre si.

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“Se o gênio da garrafa quisesse realizar apenas um desejo meu para combater o crime internacional contra a vida selvagem, eu pediria que cada um trabalhasse com um maior espírito de colaboração”, escreveu Sellar. “Estou convencido, totalmente convencido, de que nós faríamos grandes progressos no combate ao crime internacional contra os animais selvagens se pudéssemos agir em conjunto”.

Rachel Nuwer contribui regularmente para “The New York Times” e é a autora de “Poached: Inside the Dark World of Wildlife Trafficking”, do qual o presente artigo foi extraído e adaptado.

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