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Cozinheiros transformaram o Instagram no maior cardápio para delivery do mundo

Durante a pandemia, chefs reformulam a cultura alimentar nos EUA com pequenos pratos caseiros que proliferam na mídia social

Por Tejal Rao
Atualização:

LOS ANGELES — Trabalhando como cozinheira no Rustic Canyon em Santa Monica, Califórnia, Jihee Kim confeccionava nhoques e pozole, uma sopa mexicana à base de milho com mexilhão e vôngole. Mas sempre teve a ideia de abrir seu próprio restaurante.

Seria algo similar aos seus locais favoritos em Busan, Coreia do Sul, onde ela cresceu, onde ofereceria pratos como inhame japonês cozido em molho de soja e finas omeletes servidas em espiral com alga marinha e pepino fermentado com peras doces coreanas.

Durante a pandemia, chefs empreendedores estão remodelando a cultura alimentar com pequenos restaurantes pop-ups caseiros que prosperam nas redes sociais. Foto: Adam Amengual / The New York Times

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Era um sonho – até o ano passado, quando a pandemia obrigou os restaurantes a fecharem e uma enxurrada de cozinheiros desempregados começou uma reformulação da suas carreiras e também dos pratos prontos para viagem nas suas cidades, surgindo novas empresas de comidas feitas em casa.

Kim se juntou a esse grupo de cozinheiros que em todo o país vêm improvisando na propaganda, promovendo seus cardápios pelo Instagram e mudando a maneira como muitos clientes encomendam seus jantares.

Tudo é mais imprevisível e mais caótico. Eu tenho alertas no calendário sobre mais de 50 menus no Instagram e notificações ligadas para o receber novos posts de mais de 100 contas. Embora às vezes eu perca algumas coisas, também encontro várias outras. E um algoritmo caprichoso me aponta para novos negócios em todo o país, desde o de Jessica e Trina Quinn no Brooklyn, que serve pelmeni (prato russo), até o frango frito de Anwar Herron em Napa.

Quando o Instagram lançou as abas de guias Shop e Reels em novembro, priorizando marcas e influenciadores populares, fiquei preocupado que a plataforma se tornasse mais hostil a esses minúsculos negócios de comida. Mas os cozinheiros garantiram que eles funcionassem adotando o sistema de mensagens diretas ou links para outras páginas personalizadas ou aplicativos de terceiros.

Jihee Kim fotografa seu tofu banchan, uma nova adição ao cardápio do Perilla, sua cozinha pop-up. Foto: Adam Amengual / The New York Times

Esse processo de encomenda descentralizado pode desorientar o cliente. Cabe a você acompanhar de perto cada um para lembrar o cronograma, as regras para retirar a encomenda e os métodos de pagamento. E alguns cozinheiros são mais organizados do que outros. As informações se dissipam numa miscelânea de histórias que desaparecem depois de 24 horas e entre as postagens e tudo muda semanalmente.

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Apesar disto, além do fato de que muitos desses novos lugares não estão regulamentados pelos departamentos de saúde, o Instagram se tornou um dos meus favoritos em termos de menus de comida para viagem. O negócio de Perilla Kim, que só atende mediante a retirada no local, mostra o porquê.

Kim, 34 anos, começou o Perilla em maio trabalhando a partir do seu apartamento em Koreatown, Los Angeles. Como todos os clientes, eu encomendava comida on-line e nunca entrei na casa dela, mas achei a experiência revigorante e com muita proximidade – a mesma pessoa que compra tudo o que produz no mercado de agricultores locais também prepara e confecciona toda a comida. Essa mesma pessoa recebe minha encomenda, a empacota cuidadosamente e a entrega para mim no meu carro.

A estrutura pode parecer descuidada – nada de fogões, nem mesas de jantar, não há investidores e nem funcionários. Mas a comida de Kim não é.

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Ela trabalha só com produtos de qualidade que encontra no mercado, seja um repolho ou uma alga marinha coreana, ou uma raiz de aipo menos tradicional e cogumelos. Seus pratos são deliciosos, muito bem apresentados e viajam bem, e é empolgante ter acesso a esta comida a cada semana.

Essa onda de novos pequenos negócios é um ponto positivo com os restaurantes passando por dificuldades ou fechados, mas a pandemia não criou oportunidades para os cozinheiros, e em muitos aspectos dificultou a vida deles. Centenas de milhares foram demitidos e entre aqueles que continuaram no emprego trabalhando na linha de frente, muitos adoeceram ao entrarem em contato com o vírus.

Jihee Kim verifica os vegetais em vários estágios de fermentação. Foto: Adam Amengual / The New York Times

Sem nenhuma rede de proteção instalada, os cozinheiros emergiram dos destroços para criar suas próprias empresas improvisadas, independentes, redirecionando suas habilidades como cozinheiros de restaurantes finos, ou sua relação com fornecedores e agricultores, para novos projetos. É algo empolgante, mas precário.

Em maio, Erik Piedrahita, chef de cozinha no Bom Temps em Los Angeles, construiu um forno de lenha com grill no quintal da casa do seu pai, a alguns quilômetros do Griffith Park. Os clientes que fazem encomendas via Instagram esperam na porta para receber a encomenda e fazer um piquenique ou levar a comida para casa.

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“Não tinha nenhuma formação em qualquer tipo de churrasco”, disse o chefe, que lançou o Neighborhood Barbecue [Churrasco da Vizinhança, em tradução livre] no ano passado no Instagram e recentemente passou a receber pedidos por mensagens diretas para o Tock. “Mas aproveitei o conhecimento que obtive junto a restaurantes e apliquei na churrascaria”.

Piedrahita, 33 anos, compra a carne dos mesmos fornecedores do Bon Temps. Ele salga e grelha em torno de 27 quilos de costelas de boi e nove quilos de frango por semana, direto sobre o fogo ou mais lentamente sobre as brasas, e vende tudo.

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“Basicamente há sempre fumaça saindo da cozinha do meu pai” disse ele. “Para tornar o negócio financeiramente viável tivemos de expandir para vender durante mais dias”.

Sem mais refrigeração, isso não é possível, mas a força das circunstâncias mudou seu equilíbrio entre vida e trabalho e temporariamente ele teve de reformular suas ambições. “Sinto falta do restaurante, mas agora vejo meu pai diariamente”, disse ele. “Tenho mais tempo para viver a vida, não só ficar numa cozinha desde que amanhece até a noite”.

Num fim de semana agitado, Kevin Hockin vende cerca de 600 mini-pizzas que entrega através de um buraco na cerca da sua casa em Altadena, Califórnia. A Side Pie é uma pequena empresa, mas com espaço para crescer. Hockin acha que mil pizzas num fim de semana provavelmente é o limite no momento.

Irfan Zaidi cuida de um forno a lenha de quintal. Foto: Adam Amengual / The New York Times

“Esta pandemia nos fez entender como as coisas vão mudar para sempre daqui para a frente. Todo mundo estava acostumado a trabalhar até a morte e agora estamos reavaliando isto”.

Depois de fechar o Collage Coffee em março e suspender a construção do seu novo restaurante em Altadena, Hockin aprendeu a técnica da pizza com Irfan Zaid, que trabalhava no Roberta’s.

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Ele postou fotos de pizzas e de chihuahuas com chapéu no Instagram e rapidamente desenvolveu uma base de clientes, pequena, mas fiel, para suas pizzas.

Um ex-chefe confeiteiro de Sqril, Piligian, passou a confeccionar tortas doces para ele vender para sobremesa. Mas depois que um vizinho apresentou queixa no Departamento de Saúde Pública, o negócio foi encerrado – temporariamente.

Hockin reabriu seu café e aguarda autorização para seu restaurante para operar o Side Pie legalmente. “É uma confusão total. Mas tenho de vender pizza no meu quintal para cobrir os prejuízos da minha cafeteria e pagar meus funcionários”. /TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO

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