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Israel coloca identidade acima da democracia

Sentindo-se ameaçados, mais eleitores do país se voltam ao nacionalismo

Por Max Fisher
Atualização:

Em um momento de euforia nacional, o primeiro-ministro fundador de Israel, David Ben-Gurion, emergiu de sua aposentadoria, em julho de 1967, para avisar aos israelenses que eles tinham plantado as sementes da autodestruição.

Israel tinha acabado de conquistar uma impressionante vitória militar contra seus vizinhos, incutindo nos israelenses uma sensação de que o grandioso experimento de um Estado judaico poderia realmente funcionar.

Israel declarou o direito de autodeterminação nacional como "exclusivo do povo judeu". Fora dos portões do assentamento israelense Beit Hadassah, no centro de Hebron Foto: Bryan Denton/The New York Times

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Mas Ben-Gurion insistia para que Israel devolvesse os territórios que havia conquistado. Caso contrário, dizia ele, a ocupação distorceria o jovem Estado, que tinha sido fundado para proteger não somente o povo judeu, mas também seus ideais de democracia e pluralismo.

Agora, passados 51 anos, Israel declarou formalmente que seu direito de autodeterminação nacional, antes idealizado para incluir a todos dentro de suas fronteiras, diz respeito “exclusivamente ao povo judeu”.

Para alguns, a nova lei é uma consequência natural da vitória de Israel contra vizinhos que se opunham a sua existência, protegendo o povo judeu entre fronteiras e leis que o colocasse em primeiro lugar. Para outros, porém, a nova lei representa um passo na direção do caminho profetizado por Ben-Gurion: da ocupação até um conflito sem fim que corroeria a democracia.

Acima de tudo, a lei pode ser uma escolha entre duas identidades: enquanto um Estado judaico ou um Estado democrático. Pesquisas sugerem que para muitos no campo político da direita, a escolha é pela identidade em primeiro lugar. 

Apesar de que a circunstância de Israel possa ser singular, a noção de que um país tem de encarar uma decisão sobre sua identidade nacional não é. Existem crescentes reações negativas à ideia de que os países devem privilegiar a democracia acima de tudo.

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A era moderna dotou os países com dois tipos de direitos, supostamente inexpugnáveis, que acabam convivendo sob tensão. O direito de autodeterminação nacional vislumbrou Estados enquanto coletivos unificados, uma nação para um povo. E o direito democrático previa participação igualitária para todos, incluindo na definição do caráter do país.

Líderes mundiais idealistas que estabeleceram esses direitos um século atrás imaginavam países que seriam internamente homogêneos e estáticos. Mas a realidade se mostrou mais complicada.

A ocupação israelense dos territórios palestinos aguçou em Israel questões a respeito de como incorporar democraticamente não judeus dentro deste país reconhecidamente judaico - uma identidade que os primeiros líderes israelenses, lembrando do Holocausto, sentiam-se obrigados a proteger - da mesma maneira como outras nações de todo o mundo encaravam seus próprios desafios sobre o equilíbrio entre identidade e democracia.

Movimentos de direitos civis desafiavam países a ampliar identidades nacionais há muito associadas com a pele branca. O fim do colonialismo testemunhou migrações em massa de não europeus à Europa.

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O mundo democrático chegou, nos anos 60, a um consenso informal: se as condições para democracia e identidade nacional entram em conflito, a primeira deveria prevalecer.

Mas antigos ideais de nacionalidade podem ter um poderoso apelo. A maneira como os humanos pensam a respeito da identidade de grupo pode nos fazer sentir segurança na conformidade e ver perigo na diversidade ou na tolerância.

Nada desencadeia esses sentimentos como terrorismo ou mudanças demográficas. Judeus israelenses experimentaram ambos fatores no início e na metade da década de 2000. Uma onda terrível de violência conhecida como Segunda Intifada, que deixou muito mais mortos entre palestinos do que entre israelenses, incluiu chocantes ataques terroristas em enclaves israelenses considerados seguros anteriormente.

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Ao mesmo tempo, as taxas de natalidade de palestinos e árabes israelenses ocasionaram a sensação de risco demográfico entre os judeus de Israel. Na verdade, as taxas de natalidade entre judeus são altas, e as taxas de natalidade de muçulmanos estão em declínio, mas o medo dos judeus de ser superados em número pelos árabes persiste.

Pesquisas demonstraram repetidamente que ataques terroristas elevam o apoio, entre as comunidades alvejadas, ao campo político da direita. Um estudo revelou que até mesmo a percepção de ameaça de ataques cooptou eleitores israelenses para partidos de direita. De maneira reveladora, essa impressão favoreceu um subgrupo específico dos partidos de direita: os nacionalistas.

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Um estudo sobre os israelenses realizado por Daphna Canetti-Nisim, pesquisadora da Universidade de Maryland especializada em psicologia política, revelou que a exposição ao terrorismo transforma muito além das preferências partidárias.

Quando as pessoas acreditam que podem sofrer ataques meramente por serem quem são, se agarram mais firmemente às suas identidades. Seu senso de comunidade se estreita: somente os que se parecem a elas devem ser tolerados. Elas ficam mais propensas a apoiar políticas que restringem ou controlam minorias e apoiam menos o pluralismo.

Ao mesmo tempo, quando um grupo demográfico majoritário acredita que poderá se tornar minoria, membros desse grupo frequentemente passam a apoiar menos a democracia, preferindo um governante mais forte e controles sociais mais severos, de acordo com pesquisas acadêmicas sobre declínio de democracia.  Judeus israelenses mudaram a maneira como veem a identidade de seu país. Em sondagens, eles já expressaram otimismo sobre essa identidade poder ser tanto judaica quanto democrática. Mas, na última década, de acordo com pesquisa do Israel Democracy Institute, essa posição se tornou minoritária.

Grandes subgrupos afirmam que o país tem de ser primordialmente judaico ou primordialmente democrático. Aqueles que afirmam que Israel deveria ser judaico em primeiro lugar pertencem, na esmagadora maioria, ao campo político da direita, que introduziu este mês a lei de autodeterminação nacional.  Mas mesmo aqueles que afirmam que a democracia deveria prevalecer expressam apoio a algumas exceções.

Em 2014, a maioria dos judeus afirmava que "decisões nacionais cruciais" deveriam ser tomadas pela maioria judaica.

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Os israelenses não estão sozinhos ao questionar o consenso de meio século de que a democracia deveria prevalecer em relação à identidade nacional.

Na Europa, um fluxo de imigrantes e refugiados, juntamente com os ataques terroristas, transformaram as ações públicas. Europeus se tornaram mais nacionalistas e menos acolhedores em relação a estrangeiros.

O crescimento da democracia empacou globalmente. Ainda que as causas para esse fenômeno não sejam totalmente conhecidas, essa tendência é marcada, em parte, por democracias anteriormente saudáveis dando passos para trás. A sabedoria convencional sustenta que isso ocorre por má gestão ou interesses próprios dos líderes. Mas talvez isso esteja errado.

Forçadas a escolher entre colocar em primeiro lugar sua democracia ou sua identidade, as pessoas podem nem sempre escolher a democracia.

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