PUBLICIDADE

'Há obras que não funcionam em galerias', diz o artista JR

O artista urbano francês não distingue 'artes de rua' das que são instaladas em espaços internos, mas reconhece a importância de dar protagonismo aos silenciados pela sociedade

Por Max Lakin
Atualização:

Em um dia recente no Museu do Brooklyn, em Nova York, o artista anônimo mais facilmente reconhecido do mundo, JR, tinha dificuldade em andar mais de alguns passos sem tropeçar nos fãs entusiasmados e surpresos.

JR, de 36 anos, nascido na França, está na esfera pública há pelo menos uma década, mas ainda se recusa a informar o nome completo e insiste em aparecer em público de chapéu e óculos escuros. Esse personagem, combinado à sua obra — monumentais projetos públicos de fotografia  frequentemente feitos em partes do mundo afetadas pelo caos político ou tornadas inacessíveis por causa do conflito armado —, conferiu ao artista a aura de um Houdini da empatia.

JR diz esperar que sua obra ajude as pessoas a entender melhor umas às outras. Foto: Pari Dukovic/The New York Times

PUBLICIDADE

Sua maior exposição solo em um museu até hoje, JR: Chronicles, mostra um panorama de suas já documentadas atividades desde a Faixa de Gaza e das favelas do Sudão do Sul e Serra Leo até obras mais recentes nos Estados Unidos. Como a arte dele gira em torno de retratos e envolve a colagem de lambes imensos no exterior de edifícios — o rosto de mulheres das favelas do Rio colados nas casas delas, ou olhos sem corpo em Havana, Istambul e Los Angeles —, JR costuma ser classificado como fotógrafo ou artista de rua. Mas nenhum desses rótulos captura seu maior interesse: as pessoas e o desejo de conectá-las.

“Não gosto do termo ‘arte de rua’”, disse ele. “Meu estúdio foi a rua durante muitos anos, simplesmente porque eu tinha que instalar minhas obras onde pudesse, e não sabia mais onde mostrá-las. Para mim, trata-se de arte, independentemente de estar no ambiente interno ou externo. Há obras que não funcionam em galerias.”

Seu primeiro projeto formal, Portrait of a Generation, de 2004, trazia retratos em close de jovens vivendo na habitação pública dos subúrbios parisienses de Montfermeil e Clichy-sous-Bois. JR pediu a eles que fizessem expressões exageradas, e então colou as imagens nos bairros burgueses de Paris. Eram rostos ao mesmo tempo brincalhões e confrontadores, explorando o preconceito contra os trabalhadores imigrantes e suas comunidades, consideradas ameaçadoras. Os retratos ganharam mais seriedade no ano seguinte, quando distúrbios causados por jovens se rebelando contra abusos policiais e a desigualdade se espalharam pelo país, e as fotos coladas de JR se tornaram pano de fundo para os carros incendiados.

“O interessante é que, se olharmos para uma mulher no Brasil e outra mulher na Palestina, percebemos que elas têm o mesmo ponto de vista, de alguém que é retratado de maneira equivocada e gostaria de mudar isso", refletiu.

Protagonismo para os marginais

Publicidade

JR retém boa parte dos instintos de um grafiteiro: a aplicação de guerrilha, o ethos antiautoridade, a visibilidade para aqueles que ocupam as margens da sociedade. 

“Para mim, é tudo claro", afirmou. “Eu escrevia meu nome nas paredes para dizer ‘eu existo’, então comecei a colar fotos de pessoas com seus nomes para dizer que elas existem. Sinto-me seguro quando vejo o grafie porque isso mostra que há vida. Quando visitamos um país e não vemos nenhum nome escrito nas paredes, devemos tomar cuidado.”

O objetivo de sua obra é fazer com que as pessoas vejam umas às outras, algo que JR considera o caminho mais simples para o entendimento.

PUBLICIDADE

Conforme seus projetos evoluem em termos de alcance e complexidade, refletem o tipo de pluralismo e otimismo de um cidadão do mundo que podem ser difíceis de distinguir da ingenuidade. Chronicles inclui o mais recente projeto de JR, The Chronicles of New York City, um mural em larga escala com 1.128 pessoas, que JR e sua equipe fotografaram e entrevistaram em meados do ano.

Ainda assim, as fotos dele são deliberadamente vagas, permitindo ao público fixar suas próprias concepções, boiando na superfície de problemas sociais sem solução. Pode ser uma visão reducionista e frustrante da paz mundial. “Quando viajei pela primeira vez, todos me disseram que eu acabaria morrendo", brincou. “Acho que ser ingênuo foi o que mais me ajudou.” / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.