Maggie Gyllenhaal tem ideias perigosas sobre a direção de cinema
Atriz e diretora foi a responsável pela adaptação bem sucedida do best-seller de Elena Ferrante, 'A Filha Perdida', disponível na Netflix
Entrevista com
Maggie Gyllenhaal
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Maggie Gyllenhaal
30 de janeiro de 2022 | 05h00
Maggie Gyllenhaal nunca evitou papéis difíceis. Vem rompendo limites há anos, tendo interpretado personagens complicados como a assistente enredada em jogos sadomasoquistas com seu chefe (Secretária), a filha de um traficante de armas envolvido no conflito entre Israel e Palestina (The Honorable Woman) e uma prostituta na década de 1970 em Nova York (The Deuce).
Mas é o trabalho de diretora e roteirista de A Filha Perdida, adaptação do romance homônimo de Elena Ferrante, que pode ser seu papel mais arriscado até agora. O filme está disponível na Netflix.
Ambientado em uma ilha grega ensolarada, o filme é estrelado por Olivia Colman como Leda, professora de literatura de meia-idade que sai de férias sozinha e se envolve com uma jovem mãe, Nina, interpretada por Dakota Johnson. À medida que ela se relaciona cada vez mais com Nina e sua família, o passado de Leda e as decisões que tomou quando jovem se misturam com o presente, produzindo resultados estranhos e, por vezes, profundamente perturbadores.
Assim como o livro, o filme aborda questões complicadas que as mulheres têm de enfrentar em diferentes fases da vida. No centro da trama está o intenso fardo da maternidade, mas também a ambição, o sacrifício, o envelhecimento e a arte.
Durante um longo almoço em Nova York, Gyllenhaal falou sobre ser diretora nos dias de hoje, sobre os tabus em torno da maternidade e sobre o que significa traduzir Ferrante para o cinema. Aqui estão trechos editados da nossa conversa.
Comecei com os romances napolitanos. Ela falava de coisas das quais eu quase nunca tinha ouvido falar. "Meu Deus, essa mulher é caótica", e depois de dez segundos, ao ver que realmente me identificava com ela, vi que também sou caótica - ou isso é algo que muita gente sente, mas não aborda? No fim das contas, achei perturbador, mas também muito reconfortante, porque, se alguém escreveu sobre isso, você pensa: opa, não sou só eu que acho que isso é uma ansiedade ou um terror secreto, ou mesmo o oposto, uma alegria intensa e uma conexão.
Então li A Filha Perdida e pensei: e se, em vez de simplesmente nos sentirmos sozinhos no quarto, eu pudesse criar uma situação em que esse sentimento fosse comunal, no qual essas coisas realmente fossem ditas em voz alta?
Acho que é uma combinação de duas coisas. Em parte, nunca houve muito espaço para que as mulheres se expressassem, por isso uma expressão honesta do ponto de vista feminino não é algo comum. Mas também há uma espécie de acordo cultural para não falar dessas coisas, uma vez que todo mundo tem mãe e pensa: não quero que minha mãe tenha sido ambivalente.
Só tentei ser o mais honesta possível. Normalizar um enorme espectro de sentimentos. Acho que especialmente para a jovem Leda e para Nina, seus imensos desejos - intelectual, artístico, físico - são maiores do que elas foram ensinadas a ter ou precisar, e definitivamente me identifico com isso.
Eu queria que fosse um filme de suspense. O livro não é de fato um thriller, mas o ampliei porque pensei que acabaria me dando mais liberdade artística. Eu até queria me desafiar a transformá-lo em um filme de terror sobre o funcionamento interno da mente dela. Ela não é uma pessoa ruim; é como você.
Achei que a adaptação usou um músculo semelhante ao que usei como atriz no sentido de pegar um texto, excelente ou falho, e descobrir a essência daquele material. Algumas coisas são literais, mas muito estranhas. Como a frase: "Sou uma mãe não natural." Isso é cem por cento Ferrante, um movimento direto, mas muitas pessoas me disseram: "Tire essa frase." Também fiz o que Ferrante permitiu e mudei muitas coisas, mas realmente acredito que o roteiro e o filme conversam com o livro.
Acredito que existe algo como a escrita feminina e a produção cinematográfica feminina. Há mulheres feministas muito interessantes que não concordam comigo. Acho que, quando as mulheres se expressam de forma honesta, o resultado é diferente de quando os homens o fazem. Isso é algo bastante perigoso de falar. Quando fico livre e recebo um pouco de dinheiro e um espaço para contar uma história que quero contar, o tema será a maternidade, a vida doméstica, o que inclui muitas cenas na cozinha. Essas histórias podem, de fato, ser vistas como arte de alta qualidade? Porque para mim é uma ópera. Não venho de uma família cujas mulheres estavam presas à cozinha. Minha mãe é uma profissional (Naomi Foner Gyllenhaal é roteirista e diretora), minha avó era pediatra nos anos 40 e minha tia-avó era advogada. Tive uma formação e tenho vida profissional, e ainda assim minha identificação como mãe é uma grande parte de mim.
Fellini e Lucrecia Martel, que nunca é literal. Amo Claire Denis. Já falei muito sobre Jane Campion e David Lynch. Nunca trabalhei com ele, mas passei uma semana lendo uma peça com Mike Nichols. Ele amava seus atores e me ensinou a fazer o mesmo. Eu me lembro de uma declaração dele (na recente biografia Mike Nichols: A Life [Mike Nichols: uma vida, em tradução literal]): "Sinto muito se você não quer filmar 'Quem Tem Medo de Virginia Woolf?' em preto e branco. Você deve procurar outro diretor. Vou embora." Algumas vezes, durante a feitura desse filme, tive de dizer: "Isso está errado."
Anotei um pequeno trecho do livro Mérito, de Rachel Cusk, porque andei pensando em adaptação em geral. Aqui está a citação: "Traduzi com muito cuidado e cautela como se fosse algo frágil que eu pudesse quebrar ou matar por engano." Amei isso. Ela diz: "Quando li seu livro, me foi comunicado algo valioso, que eu jamais tinha ouvido em voz alta e que me eletrizou, que me fez entender algo a meu respeito, e precisei segurar aquela ideia e cuidadosamente trazê-la para o outro lado."
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