A música de Mas Aya contém rebeliões silenciosas

Em seu novo álbum, produtor nicaraguense canadense considera as expressões políticas nos momentos de quietude

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Por Isabelia Herrera
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O single "Momento Presente", de Brandon Valdivia, é um tipo de convocação. Nessa faixa cativante de seu álbum Máscaras, o ritmo excêntrico, não exatamente footwork, bate sob o som de uma flauta irlandesa. Um sino toca e, em pouco tempo, a voz divina de um homem idoso convida à ação. "Neste momento, os opressores e os oprimidos estão sendo separados. Não vamos esperar dois mil anos para que os bons estejam de um lado e os maus de outro. Estamos vivendo esse momento agora", diz uma voz em espanhol.

Esse é o tipo de magia militante que Valdivia, de 38 anos, mais conhecido como Mas Aya, invoca em sua música. "Estou tentando combinar uma visão política com uma visão muito espiritual. É preciso agir, estar no momento, estar no mundo", afirmou em uma entrevista em vídeo de seu estúdio em Londres, na província de Ontário.

Brandon Valdivia, que grava como Mas Aya, perto de sua casa em Ontário. Foto: Brendan Ko/The New York Times

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Essa sensação de urgência silenciosa permeia Máscaras, seu primeiro álbum desde Nikan, de 2017. Às vezes, o projeto faz referências diretas às revoluções na Nicarágua, sua terra natal. (O sample da música "Momento Presente" foi tirado de uma reunião de guerrilheiros no fim dos anos 1970 liderada pelo teólogo da libertação Ernesto Cardenal.) Mas Máscaras não se baseia apenas em alusões explícitas ao poder. Também considera as pequenas rebeliões embutidas em momentos imersivos de quietude.

Brandon Valdivia comentou que o título do álbum descreve as máscaras usadas em marchas políticas e cerimônias indígenas, mas também se refere à sua prática composicional. "Os instrumentos se escondem dentro da nuvem de texturas". As canções do álbum são como esboços impressionistas, trocando pontos focais por fluidez. As flautas quena e bansuri pairam sobre loops de bateria. Sons de claves ou maracas se transformam em ondas de sintetizadores nítidos e batidas eletrônicas desequilibradas, mudando de forma em doces rajadas de harmonia.

Valdivia cresceu em Chatham, pequena cidade canadense a cerca de uma hora de carro de Detroit. Sua família foi uma das primeiras famílias latinas da cidade, e muitas vezes ele sonhava em encontrar companheiros na música, na comunidade e na arte.

Na Nicarágua, seu pai era um hippie de cabelo comprido que ouvia Black Sabbath e cumbia, fumava maconha e tomava ácido. Valdivia se apaixonou pela música aos 12 anos e aprendeu a tocar flauta doce e, mais tarde, bateria. Assistia ao programa MuchMusic (na MTV do Canadá) e ouvia a rádio pública de Detroit. Lia poesia francesa e encomendou uma cópia de A Love Supreme, de John Coltrane, à loja de discos da cidade. O álbum demorou seis cômicos e longos meses para chegar. "Eu sabia que era um estranho. Queria sair dali o mais rápido possível", disse, referindo-se ao mundo conservador que o cercava.

Ele fugiu para a faculdade e cursou composição na Universidade Wilfrid Laurier, em Ontário, onde encontrou "pessoas que eram criativas, que estavam interessadas em ir além. Tipo, esquisitas. Uso muito essa palavra".

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Nos anos que se seguiram, Brandon Valdivia se tornou um multi-instrumentista e percussionista respeitado na cena experimental e de art-rock de Toronto, tocando em grupos como Not the Wind, Not the Flag e I Have Eaten the City. Também colaborou extensivamente com seu parceiro, Lido Pimienta, artista indicado ao Grammy conhecido pela fluidez de gênero, que participa de Máscaras. Quando tinha 20 e poucos anos, viajou à Nicarágua para visitar familiares em Manágua, em Esteli e na cidade natal de sua avó, Masaya – e estudou as tradições da música folclórica do país.

Depois de retornar ao Canadá, decidiu iniciar um projeto solo inspirado em parte por sua frustração com a cena artística de Toronto. "Ninguém estava falando de política. Todo mundo estava basicamente fazendo música experimental niilista esquisita." O nome Mas Aya vem da cidade de sua avó, bem como a frase em espanhol "el más allá", que significa "o além".

Brandon Valdivia, que grava como Mas Aya, perto de sua casa em Ontário. Foto: Brendan Ko/The New York Times

Valdivia descreveu sua prática como "harmelódica", neologismo que pegou emprestado do músico de jazz Ornette Coleman. "É o tipo de música na qual a melodia, a harmonia e o ritmo estão a serviço um do outro". É uma visão que captura a atual abordagem musical de Valdivia, mas também evoca os tons espirituais do álbum como um todo.

Na faixa "Quiescence", Valdivia usa o mbira dzavadzimu (um tipo de kalimba) como percussão, embora seja um instrumento tipicamente tocado em teclas de metal. Sobre flautas leves e sintetizadores cintilantes, o som percussivo do mbira se funde em uma onda líquida pacífica.

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Em "18 de Abril", ele sampleou o áudio de um manifestante em um protesto de universitários de 2018 na Nicarágua, conectando os esforços de resistência atuais aos movimentos de décadas passadas e apresentando a luta política como algo contínuo. O resultado vai além da mera fusão ou da homenagem ancestral. Articula uma linguagem prismática e poética, demonstrando que a expressão política nem sempre é óbvia. Ela também pode chegar em momentos de contemplação e conexão silenciosas.

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