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No México, mulheres reagem contra a violência

Nova geração se recusa a aceitar o abuso masculino

Por Paulina Villegas e Elisabeth Malkin
Atualização:

ECATEPEC, México - Itan Flores era uma adolescente quando o primeiro namorado a prendeu em um quarto por seis semanas. De acordo com a jovem, ele voltava apenas para estuprá-la. Ela fugiu quando ele esqueceu de trancar a porta. 

Ele a ameaçou dizendo que, se contasse o ocorrido à polícia ou aos pais dela, mataria sua família. “Até hoje, meus pais não sabem que fui prisioneira", disse Itan, 24 anos. “Durante muito tempo, pensei que era tudo culpa minha.”

A violência contra as mulheres, comum na América Latina, trouxe manifestantes às ruas da Cidade do México. Foto: Toya Sarno Jordan para The New York Times

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Uma em cada três mulheres na América Latina vivenciou situações de violência sexual ou física, de acordo com as Nações Unidas, mas 98% dos assassinatos ligados a questões de gênero ficam sem investigação na região.

As mexicanas foram às ruas para acabar com a ideia segundo a qual teriam provocado a violência da qual são vítimas. Sua raiva está ecoando pela América Latina, onde o machismo é comum. As manifestações no México tem sido estridentes, com janelas quebradas, pixações e bombas de glitter arremessadas contra policiais.

Se a violência em geral alcançou patamares sem precedentes no México, os analistas dizem que muitos assassinatos de mulheres podem ser atribuídos especificamente a questões de gênero. E o número de mulheres mortas de maneira violenta no México está aumentando: de sete por dia em 2017 para 10 em 2019, de acordo com a ONU Mulheres.

O que se vê agora é uma nova geração de mulheres que conhecem seus direitos e aprenderam a lutar por eles, disse Lourdes Barrera, integrante do coletivo feminista Las Luchadoras, da Cidade do México. “Há um grande embate entre aquilo que elas aprenderam e a realidade o México: o assédio que sofrem nas ruas, a violência dos cônjuges, a violência que vemos todos os dias", disse ela.

Depois que um protesto paralisou a Cidade do México em agosto, a prefeita Claudia Sheinbaum condenou as manifestantes por terem depredado a famosa estátua do Anjo da Independência. Diante da indignação com os comentários dela, a prefeita se reuniu com grupos de mulheres. Em novembro, prometeu criar um cadastro central de abusadores com banco de dados de DNA e pressionou pela aprovação de uma lei municipal tipificando como crime o compartilhamento não autorizado de conteúdo sexual na internet.

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De acordo com a ONU, uma em cada três mulheres na América Latina passou por situação de violência. Manifestação na Cidade do México. Foto: Toya Sarno Jordan para The New York Times

Mas, no vasto subúrbio de Ecatepec, as mulheres dizem que a polícia não as protege, chegando até a atacá-las. “Viver aqui é uma constante luta pela sobrevivência", disse Itan. “Temos que estar sempre alertas.”

Itan se juntou a outras para criar um coletivo chamado Mulheres da Periferia pela Periferia. O grupo organiza aulas de autodefesa e prepara apresentações de arte.

“Essas jovens estão tomando as ruas para recuperar sua dignidade, e estão nos ensinando lições importantes", disse Eréndira Cruz, investigadora especial de questões femininas da Comissão Nacional de Direitos Humanos do México. “Diante do desespero, elas representam uma profunda esperança.” / AUGUSTO CALIL

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