Modern Love: Levou muito tempo para eu me assumir como fã de pelúcias

Quando a segunda onda de covid-19 nos atingiu na Índia, meu namorado e eu encontramos consolo e satisfação com nossos bichos de pelúcia

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Por Sandip Roy
Atualização:

No meio da pandemia, eu frequentemente conversava com um pequeno Chewbacca. Ele é um bicho de pelúcia com brilhantes olhos azuis e um sorriso que parece costurado. Ele costumava rugir como um Wookie, uma habilidade infelizmente perdida depois de um banho superzeloso.

Chewie não é meu brinquedo de infância, uma espécie de caminho de volta nostálgico a um casulo mais seguro. Por mais vergonhoso que seja admitir isso, eu o comprei já adulto, como presente para meu namorado, Bishan, que é fanático por Star Wars. Quase como uma brincadeira, criamos uma conta no Instagram para Chewie.

Ilustração de Brian Rea/The New York Times. 

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Certa vez, eu li a respeito de como o artista Horst Wackerbarth pegou um sofá vermelho e o fotografou em frente a locais emblemáticos: o Taj Mahal, a floresta amazônica, as geleiras do Alasca. Começamos a fazer o mesmo com Chewie, que é bem mais manejável como uma obra de arte viajante.

Começamos a levar Chewie em viagens, colocando-o em frente a monumentos, montanhas e praias. No processo, nos deparamos com um mundo do Instagram que não conhecíamos, povoado completamente por “plushies” (pelúcias), o termo usado para brinquedos desse material. Foi como se tivéssemos caído na toca do coelho e emergido piscando como Alice em um país das maravilhas onde um pinguim chamado Squeeshy usava gravatas-borboletas, um cachorro que atendia pelo nome de Trashhound removia plástico de praias e um coala de nome Malish estrelava seus próprios filmes ao estilo de James Bond.

Havia pelúcias de companhia de pessoas com câncer, pelúcias blogueiras de viagem profissionais, pelúcias de apoio emocional e pelúcias resgatadas. Um dia, nos demos conta de que Chewie tinha mais seguidores do que nós. Nossas férias se transformaram em ensaios fotográficos de Chewie. Pouco tempo depois, Chewie recebia mais correspondência do que qualquer residente humano de nossa casa; da Eslováquia, de Long Island e do Chile. Em uma viagem a Bornéu, arranjamos um amigo para Chewie: Nozy, um macaquinho-narigudo.

Mas, no ano passado, a pandemia deu fim a nossas viagens. Em nossa cidade, Calcutá, Índia, Bishan e eu nos mudamos para a casa de nossas respectivas famílias, em partes diferentes da cidade, e nossas pelúcias também foram separadas.

Desde então, as aventuras de Chewie têm se limitado a dar uma olhada nas berinjelas em meu quintal; enquanto Nozy tem posado com esquilos no telhado de Bishan. De vez em quando, organizamos sessões de fotos coordenadas, Chewie na minha mangueira, Nozy balançando na árvore de amargosa de Bishan, aprendendo, de alguma maneira, a fazer coisas juntos enquanto são forçados a viver separados.

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Quando Bishan e eu nos conhecemos, 14 anos atrás, eu era escritor e apresentador de rádio em São Francisco. Ele era editor de livros em Calcutá, minha cidade natal. Nós nos conhecemos pela internet e iríamos nos ver pessoalmente durante minhas viagens para casa ou nas férias em algum lugar. Caso contrário, estaríamos literalmente separados por noite e dia em nosso relacionamento virtual. Quando jogávamos Scrabble on-line, um de nós acordava pela manhã e ia ver a jogada no tabuleiro que o outro tinha feito.

Alguns anos depois, voltei para Calcutá para ficar mais perto da família. Foi a primeira vez que Bishan e eu vivemos no mesmo fuso horário. A pandemia tem sido um novo tipo de separação, desta vez por um lockdown, no lugar de oceanos. Não jogamos mais Scrabble. Em vez disso, nos conectamos com o que Chewie ou Nozy postaram naquele dia.

Curiosamente, à medida que nosso mundo ficava cada vez mais parado, o mundo das pelúcias ficava animado e vivo.

Não é uma bolha de negação da covid-19. Uma pelúcia se preocupa quando seu humano está com febre, enquanto outra o acompanha no dia da vacinação. Alguns tiveram que mudar de planos juntos com seus humanos quando a pandemia interrompeu os voos. Houve doenças e perdas, até mesmo mortes. Algumas pelúcias fazem uma pausa nas redes sociais porque seus humanos estão muito doentes ou estressados; e o resto do "mundo de pelúcia" espera pacientemente pelo retorno deles.

Na verdade, os plushies surgiram como cavaleiros improváveis em armaduras peludas. Eu li a respeito de um segurança em Mumbai que resgatou um panda de pelúcia abandonado, do tamanho de um menino de 7 anos, e que ele o colocou em uma cadeira de plástico vermelha ao seu lado.

“É claro que me sinto sozinho”, disse ele. “O homem é um animal social”.

Mas o panda provou ser um bom companheiro. Alguns dias, o guarda cobre as pernas do panda com um cobertor e coloca um boné sobre os olhos dele para bloquear o sol enquanto tira uma soneca à tarde.

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No ano passado, uma mulher na província de Ilha do Príncipe Eduardo, no Canadá, inspirada pelo livro infantil We’re Going on a Bear Hunt (Vamos caçar ursos, em tradução livre), organizou uma caça a ursos de pelúcia durante o lockdown.As pessoas colocavam ursos de pelúcia em suas janelas e portas e os residentes contavam os ursos.

Levei muito tempo para me assumir como fã de pelúcias. Não fui uma daquelas crianças que passou a infância arrastando um ursinho de pelúcia encardido e roído pelas traças. Bishan nunca teve um bicho de pelúcia quando criança. Nossa adoção de um zoológico de pelúcia na idade adulta é um mistério até para nós mesmos.

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Quando uma revista na Índia quis fazer um perfil de nós como um casal gay, incluímos Chewie na sessão de fotos; ele fez com que parecesse menos encenado. Minha família aceitou com bom humor. Minha mãe pergunta sobre meus “pequeninos”. Minha irmã tricotou um cachecol de Natal para Chewie. Meu sobrinho e minha sobrinha o seguem no Instagram. Mas ainda assim foi uma revelação que me fez pensar na reação dos demais do mesmo jeito como quando saí do armário.

A primeira vez que Chewie passou pelo raio-X dentro da minha bagagem de mão e o inspetor o puxou para fora da bolsa, lembro-me de ter ficado vermelho e resmungando sobre uma criança inexistente.

É preciso um certo tipo de coragem para colocar um bichinho de pelúcia em frente a uma escultura de arenito do século 7 e não se importar com o que os demais turistas pensam.

Um amigo que segue com entusiasmo as aventuras de Chewie diz que sua filha de 7 anos não está nem aí.

"Mas ele nem é de verdade", disse ela com uma lógica irrefutável quando lhe mostraram as fotos das aventuras de Chewie.

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Os analistas podem dizer muitas coisas a respeito deste apego às pelúcias - substitutos de crianças, infantilização, escapismo, transferência ou apenas adultos entediados com muito tempo disponível. Tudo verdade, talvez, mas também há uma alegria inabalável em compreender que se pode amar algo tão incondicionalmente, até mesmo algo inanimado. É um alívio perceber que nem sempre é preciso fazer algo para ganhar amor. Um bichinho de pelúcia sentado ao lado de um travesseiro pode ser suficiente.

Como todo amor, porém, tem seu lado negativo. Certa vez, em uma viagem à cidade histórica de Hampi, no sul da Índia, coloquei Nozy entre algumas esculturas dos templos, tirei uma foto e fui embora. Horas depois, no caminho de volta para o carro, percebemos que ele não estava conosco.

Bishan, horrorizado, gritou comigo como se eu tivesse esquecido nosso filho de carne e osso. Corremos de volta para o templo com ele resmungando de modo assustador que não havia nenhuma maneira de Nozy ser encontrado em um complexo tão grande e cheio de crianças em idade escolar. Compramos ingressos outra vez, entramos correndo esbaforidos e lá estava ele, esmagado entre dois leões de arenito, esperando pacientemente para ser resgatado.

“Como você pode ser tão irresponsável?”, questionou minha irmã depois.

Perdi meus direitos de "porte de pelúcia" naquela viagem. Mas enquanto eu estava ali com os olhos marejados, segurando um minúsculo macaco de pelúcia, meu coração ainda batendo forte, entendi que o amor pode surgir dos lugares mais improváveis, e que não existe amor que mereça esse nome a menos que a ideia de perdê-lo torne-o vulnerável.

Nesses tempos de covid-19, o medo da perda nos assombra todos os dias. A segunda onda na Índia nos golpeou com más notícias - amigos e familiares adoecendo, hospitais ficando sem oxigênio e a escassez de vacinas. Cada contato com o mundo exterior parece um jogo de roleta russa. O mundo das pelúcias parecia uma diversão inocente quando nos deparamos com ele com a primeira publicação de Chewie em 2016. Agora, parece um refúgio, uma comunidade que se mantém unida, até mesmo quando as coisas desmoronam ao nosso redor.

Em um mundo onde as redes sociais costumam ser uma competição tóxica, o mundo das pelúcias comemora cem seguidores com a mesma empolgação de quando são mil. Os humanos ficam em segundo plano, raramente posando com seus acompanhantes de pelúcia, e passam ser chamados de “hooman” (uma forma diferente de se dizer humano), “colega de quarto”, “assistente” e, às vezes, “mamãe” ou “papai”, mas quase nunca por seus nomes.

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Há céticos das máscaras, ativistas do Black Lives Matter, adolescentes cheios de ansiedade e uma avó de seis netos, mas, no fim, é tudo sobre Zuzu, o suricato, e Azai, o cachorro caolho. Os dados biográficos, a visão política e a cor da pele do humano permanecem vagos, como se informação demais pudesse destruir este mundo cintilante mantido junto por uma delicada suspensão de descrença - uma bolha de sabão iridescente flutuando por uma tarde dourada.

Porém, mais do que qualquer coisa, há algo profundamente reconfortante em saber que no dia mais sombrio e desesperador há uma pelúcia que você pode abraçar. Em um mundo com distanciamento social onde não nos atrevemos a nos abraçar, isso não é pouca coisa./ TRADUÇÃO DE ROMINA CÁCIA

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