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Quando as lontras desapareceram, tudo começou a desmoronar nestas ilhas do Alasca

Num cenário de mudança climática, a delicada ecologia submarina das ilhas Aleutas, no Alasca, vem sofrendo com o declínio das lontras

Por Katherine J. Wu
Atualização:

Em 1970, Jim Estes fez sua primeira excursão às Ilhas Aleutas no Alasca. E foi recebido por um oceano repleto de rostos peludos. Por todos os lados que o jovem biólogo olhava, havia lontras marinhas, sobre camas de algas, procurando ouriços do mar, com seus chiados peculiares.

Na época, multidões dessas criaturas carismáticas cobriam o amplo arquipélago, se juntando em grupos enormes, de 500 de uma só vez”, disse Estes, ecologista da universidade da Califórnia em Santa Cruz. “Eram tantas que não conseguíamos registrar”. Hoje, segundo Estes, mais de 90% dessas lontras desapareceram.

Lontra marinha na baía de Kachemak, perto de Homer, Alasca. Foto: Scott Dickerson/The New York Times

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Em poucas décadas, esta civilização barulhenta diminuiu transformando a área num lugar fantasma. “Você percorre 15 quilômetros de costa sem ver um único animal”, disse ele. Na delicada paisagem marinha das ilhas, as lontras mantêm a unidade de todo o ecossistema.

À medida que foram desaparecendo, o resto da rede alimentar local começou a desmoronar – um processo que acelerou e agravou com a mudança climática, o que Estes e seus colegas relatam num artigo publicado na revista Science. Sem as lontras para mantê-las sob controle, as populações de ouriços do mar explodiram, povoando o fundo do mar de esferas espinhosas que destroem florestas inteiras de algas.

Agora, mesmo os recifes de algas vermelhas, vivos, sob os quais os redemoinhos de algas antes se apoiavam, estão em perigo. “Esses recifes vêm desaparecendo diante dos nossos olhos”, disse Doug Rasher, ecologista que trabalha no Laboratório de Ciências Oceânicas de Bigelow, no Maine, e o primeiro autor do estudo.

Enfraquecidas pelo aquecimento das águas ácidas, as estruturas do tipo coral rapidamente sucumbiram aos minúsculos dentes dos ouriços que podem destruir anos de algas frágeis numa única mordida. As conclusões mostram a importância das lontras nas ilhas Aleutas, onde os animais mamíferos marinhos agem não só como predadores, mas protetores, mantendo o equilíbrio biológico por meio do seu apetite voraz.

Uma única lontra marinha elimina quase mil ouriços do mar em um dia. “Elas os comem como se fossem pipocas”, disse Estes. “A quantidade de coisas que elas controlam nesse ecossistema é surpreendente”, afirmou Anjali Boyd, ecologista da Universidade de Duke, que não faz parte do grupo de estudo.

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“Por seu tamanho, e por mais belas que sejam, elas são comedoras agressivas”. As lontras nas ilhas Aleutas já passaram por mudanças antes. Negociantes de peles nos séculos 18 e 19 caçavam os animais que chegaram à beira da extinção, o que permitiu um aumento descomunal dos ouriços do mar que já existiam em quantidade, disse Rasher.

Embora os ouriços busquem algas para se alimentar, os recifes abaixo delas parecem ter resistido, em parte porque as algas saudáveis produzem uma camada de calcário protetiva que frustra até os ouriços mais determinados. Quando as populações de lontras se recuperaram depois que a caça foi restringida, o recife também se recuperou. Mas, com a mudança climática, a rede de segurança dos recifes desapareceu.

Nas últimas décadas, o dióxido de carbono na atmosfera acidificou as águas do oceano, tornando mais difícil para as algas se defenderem. “Os recifes estão produzindo estruturas menos densas. E a temperatura tem exacerbado o problema”, disse Rasher. Para quantificar os danos, Rasher e seus colegas enfrentaram ventos e águas congelantes para coletar amostras durante alguns anos das algas que vêm diminuindo, e analisá-las em laboratório.

Ouriços-do-mar em um recife de corais no Oceano Pacífico. Foto: J. Tomoleoni U.S. Geological Survey via The New York Times

Quando os oceanos estavam saudáveis, concluiu a equipe, os ouriços mal arranhavam a superfície das algas. Mas ao deparar com camadas dos recifes enfraquecidas, os ouriços escavaram até vários milímetros de profundidade, o equivalente a sete anos de crescimento. De 2014 a 2017, alguns recifes chegaram a escolher até 64%.

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Onde as algas antes cobriam o leito do mar nas Aleutas, hoje ficaram apenas fragmentos. As temperaturas mais altas também aceleraram o metabolismo animal, levando os ouriços a comerem com mais entusiasmo do que o habitual. “Como as duas coisas vêm ocorrendo simultaneamente, a região é atingida dos dois lados”, disse Alyssa Griffin, bioquímica na Universidade da Califórnia em Davis.

O declínio das algas também está acelerando. Quando pesquisadores criaram em laboratório ouriços e algas sob determinadas condições simulando o passado pré-industrial, o presente e um futuro projetado, descobriram que as atuais circunstâncias incitaram os ouriços a comerem as algas 60% mais rápido.

Mudanças que devem ocorrer os levará a agirem ainda mais rápido. “Só de ver essa tendência é algo assustador”, disse Boyd. As conclusões são mais um exemplo que se junta à lista de ecossistemas sendo destruídos por um mundo cada vez mais aquecido, e realçam como as alterações na cadeia alimentar e a mudança climática podem colidir desastrosamente. “A perda de predadores vai impactar o meio ambiente de uma maneira que jamais imaginamos”, disse Griffin. Mas essas relações ocultas também fornecem indícios de curas.

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Repatriar as lontras ajudará os recifes no curto prazo, disse Rasher, talvez “nos propiciando tempo para uma atuação em conjunto em termos de frear as emissões de carbono globais”. O que será uma tarefa difícil diante da causa provável do desaparecimento das lontras nas ilhas Aleutas.

Jim Estes suspeita que orcas famintas – talvez privadas das suas presas preferidas que são as baleias cinzentas, alvo da industrialização – passaram a buscar no seu desespero os pequenos mamíferos marinhos que conseguem engolir às centenas ou milhares por ano. Isto pode tornar difícil preservar maiores populações de lontras pois, uma vez introduzidas elas poderão desaparecer novamente. Estes, hoje com 74 anos, não visita as ilhas desde 2015.

Ele duvida que viverá para ver um retorno das lontras, mas guarda a esperança de que as ilhas de algum modo recuperarão o ecossistema fantástico que viu quando jovem. “Havia uma diversidade incrível. Era espetacularmente belo”. / TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO

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