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Mudança climática está matando os cedros do Líbano

Aquecimento global pode acabar com a maior parte das florestas remanescentes do país até o final do século

Por Anne Barnard
Atualização:

FLORESTA DE CEDROS DE BAROUK, LÍBANO - Caminhar entre os cedros numa montanha do Líbano é como visitar o território de seres ancestrais.

Algumas das árvores mais antigas estão ali há mais de mil anos, espalhando seus característicos galhos horizontais como braços abertos e cravando as raízes nas rachaduras do calcário. Elas prosperam num ecossistema fresco e úmido pouco comum no Oriente Médio, com montanhas que aprisionam as nuvens que chegam do Mar Mediterrâneo e reluzem com a neve no inverno.

Os cedros do Líbano, que chegam a 1.000 anos, espalham seus característicos galhos horizontais como braços abertos Foto: Josh Haner/The New York Times

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Mas, agora, após séculos de depredação humana, os cedros do Líbano enfrentam a mais grave ameaça até o momento: a mudança climática pode acabar com a maior parte das florestas de cedros que ainda restam até o final do século.

Com a alta nas temperaturas, a zona de conforto ecológico dos cedros está subindo a montanha e chegando a novas altitudes, em busca dos invernos frios necessários para a sua reprodução. Mas, aqui na floresta de Barouk, parte da Reserva Biosférica de Shouf, ao sul de Beirute, não há mais para onde ir. Alguns dizem que, já em 2100, os cedros só crescerão no norte do país, onde as montanhas são mais altas.

Mas, ao norte, o problema é outro. A Reserva Natural Tannourine, a floresta de cedros mais densa do Líbano, perdeu mais de 7% de suas árvores em decorrência da infestação de insetos das quais nada se sabia antes de 1997, e que está diretamente ligada a um clima mais quente e seco.

Ao longo da história, os cedros do Líbano foram procurados por sua utilidade na construção de edifícios e navios, e já eram empregados em templos do antigo Egito e Jerusalém.

Milhares de quilômetros quadrados de floresta já se espalharam pela maior parte das terras altas do Líbano. Restam apenas 17 quilômetros quadrados de florestas de cedros, em bosques espalhados.

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A mais famosa reserva de cedros do país, às vezes chamada de Cedros de Deus, é protegida por cercas desde 1876. Alguns acreditam que foi ali que Jesus se revelou aos seus seguidores após a ressurreição, disse Antoine Jibrael Tawk, autor de livros a respeito dos cedros.

O cedro do Líbano, uma espécie específica conhecida pelo nome Cedrus libani, cresce aqui e na Turquia. As árvores brotam no final do inverno porque precisam de um congelamento, preferivelmente com neve.

Um grupo de preservacionistas plantou 100 mil mudas em terrenos em torno da reserva Cedros de Deus Foto: Josh Haner/The New York Times

Há uma geração, as montanhas costumavam receber 105 dias de precipitação por ano. A neve permanecia no chão por meses. No inverno passado, foram apenas 40 dias de chuva e um mês de cobertura de neve.

“A mudança climática é fácil de observar aqui", disse Nizar Hani, diretor da reserva biosférica Shouf. “Tivemos menos chuva, as temperaturas estão mais altas, e há picos mais extremos", disse ele.

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Na reserva Tannourine, ao norte de Beirute, a baixa precipitação deste ano levou os administradores da floresta a se prepararem para uma temporada difícil de Cephalcia tannourinensis, inseto conhecido popularmente como broca do cedro, que se alimenta das agulhas verdes da árvore. O entomólogo libanês Nabil Nemer descobriu a broca do cedro, que permanece enterrada no chão durante o inverno.

O animal nunca tinha sido identificado antes porque seu ciclo de vida não interferia com os cedros. Mas, com a neve derretendo mais cedo, os insetos saem do chão antes, depositando seus ovos a tempo de as larvas comerem os novos ramos do cedro.

“É um efeito observável da mudança climática", disse o Dr. Nemer.

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Os cientistas estão usando novos métodos para combater os insetos, recorrendo a fungos que existem naturalmente na floresta e são capazes de matar as larvas.

Ao longo de cinco milênios de história, um verdadeiro desfile de grandes civilizações valeu-se dos cedros do Líbano - derrubando-os, em geral. O Líbano foi desmatado pelos mesopotâmicos, fenícios e antigos egípcios; pelos impérios grego e romano; pelos cruzados, colonizadores e pela instabilidade do Oriente Médio moderno. Mas essas árvores são um símbolo tão importante para o país que o cedro ocupa o centro da bandeira libanesa.

É uma imagem de majestade para um país pequeno e vulnerável. Por toda parte, o cedro pode ser visto em faixas, tatuagens, lembranças, cartazes políticos.

Para salvar os cedros, os grupos de preservacionistas tentam diversificar sua localização e expandir sua população.

Em Arz, a reserva Cedros de Deus tem apenas 2,1 mil árvores. O Dr. Youssef Tawk, médico e preservacionista, tenta regenerar com os colegas uma floresta maior. Trata-se de um desafio, porque a própria reserva é isolada. As melhores áreas para o plantio são particulares, ou foram destinadas a outros usos pelo governo.

Mas, desde 1998, o grupo do Dr. Tawk já plantou 100 mil árvores em terrenos assimétricos no entorno da antiga reserva.

Os cedros crescem lentamente, e só formam cones depois de chegarem a 40 ou 50 anos. Antes disso, os jovens cedros parecem outras coníferas pontiagudas, como árvores de natal. Mas, depois de aproximadamente um século, eles adquirem seu formato distinto.

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O Dr. Hani soou o alarme para garantir a sobrevivência desta icônica árvore. Ele disse: “Estamos numa corrida. Não há tempo a perder"./ Nada Homsi contribuiu com a reportagem

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