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O som de Laura Mvula se libertou e chegou aos anos 1980

Depois de cinco anos entre álbuns, a premiada compositora inglesa mudou tudo, trocando orquestras por sintetizadores e aumentando a batida

Por Jon Pareles
Atualização:

A compositora inglesa Laura Mvula mudou quase tudo ao fazer seu terceiro álbum. Trocou de som, de método de composição, de colaboradores e (involuntariamente) de gravadora. Depois de dois álbuns premiados e inovadores de pop orquestral, o disco mais recente de Mvula, Pink Noise, envereda por uma direção totalmente diferente: um R&B-pop impetuoso e brilhante, movido por sintetizadores dos anos 1980.

"Preciso ser capaz de ir a qualquer lugar. Há a sensação de risco, de não saber bem o que estou fazendo. Minha intenção sempre foi fazer um álbum libertador, em que eu defendesse minhas ideias. Queria canalizar tudo o que tenho sem precisar me conter", disse Mvula, de 35 anos, durante uma chamada de vídeo diretamente de sua sala de estar, em Londres.

A cantora e compositora Laura Mvula em Londres. Foto: Rosie Matheson/The New York Times

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Atrás dela, com as cordas e os martelos expostos, estava o piano vertical surrado em que ela aprendeu a tocar quando criança. De vez em quando, seu gato, Marley, passava por ali.

O nome de batismo de Mvula é Laura Douglas; seus pais são de St. Kitts e da Jamaica. Ela cresceu nos subúrbios de Birmingham, na Inglaterra, sentindo-se uma forasteira: uma garota negra em um "bairro de classe média predominantemente branco. Eu nunca tinha certeza de onde me colocar", ela lembrou.

Sua família era cristã devota e as canções de Laura Mvula invocam frequentemente a oração. (Uma nova música, "Church Girl", justapõe suas expectativas juvenis ingênuas com as desilusões da vida adulta, perguntando: "Como você pode dançar com o diabo nas costas?") Ela cantava com regularidade na igreja e estudava música erudita, tocando violino.

Formou-se em composição no Conservatório de Birmingham. Também fez parte do Black Voices, grupo coral dirigido por sua tia; compôs canções para seu grupo de jazz neo-soul/fusion, o Judyshouse, e liderou corais escolares e gospel antes de se concentrar na própria carreira artística. Nessa época, já estava casada com um colega do conservatório, Themba Mvula, cantor de ópera nascido na Zâmbia.

O álbum de estreia de Laura Mvula, Sing to the Moon (Cantar para a lua), lançado em 2013, ignorou deliberada e elegantemente a maioria dos sons do século XXI. Em canções sobre idealismo e autoafirmação, Mvula se valia do conhecimento adquirido no conservatório para reforçar a paixão crua em sua voz. Voltou ao estúdio pop dos anos 1950 e 1960, escrevendo harmonias luxuosas apoiadas por arranjos orquestrais, coros dramáticos e seções rítmicas com toques de jazz. O álbum rendeu comparações com Nina Simone e foi indicado ao Brit Awards e ao Mercury Prize; ganhou dois prêmios Mobo, que reconhecem a "Música de Origem Negra" no Reino Unido. Mvula cantou no concerto do Prêmio Nobel da Paz de 2014.

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The Dreaming Room (A sala dos sonhos), álbum lançado por Mvula em 2016, tratava do fim de seu casamento e de seus episódios de depressão e de ataques de pânico; ela sofria de monofobia, o medo de ficar sozinha. Enquanto cantava sobre desespero e exaltação, sua música aprofundava as orquestrações, acrescentando ocasionalmente um pouco de funk. Mvula também falou publicamente sobre a fragilidade de sua saúde mental no programa da BBC Generation Anxiety (Geração Ansiedade). (Ela contou que vem melhorando com a ajuda da terapia.)

Embora "Sing to the Moon" tenha alcançado o Top 10 na Grã-Bretanha, e um de seus singles, "Green Garden", tenha entrado no Top 40 britânico, elogios e prêmios não trouxeram mais sucessos. Meses antes de The Dreaming Room ganhar o prêmio Ivor Novello, um dos maiores prêmios britânicos, atribuído por outros compositores, a Sony Music informou a Mvula em um breve e-mail que ela não faria mais parte do quadro da gravadora. "Eu não estava acostumada com a realidade da indústria da música comercial. O e-mail foi tão breve. Foi tipo: 'Aqui termina seu valor para nós'".

Mvula já estava reavaliando seu processo de composição. "Havia uma pressão para que eu fizesse algo novo, e também me pressionei. Eu tinha todos esses rótulos na cabeça, sabe? 'Criou um gênero musical próprio, encontrou o próprio caminho.' Mas depois me perguntei: o que isso tudo significa? Para onde vou agora?"

O nome de batismo de Mvula é Laura Douglas. Foto: Rosie Matheson/The New York Times

Entre os contratos de gravação, Laura Mvula fez uma turnê como banda de abertura de David Byrne na Grã-Bretanha. Suas setlists simplificadas chamaram a atenção de Briony Turner, da Atlantic Records U.K., que agora é copresidente da empresa. Turner queria assinar com Mvula antes de seu contrato com a Sony. "Ela se mudou para um novo reino inesperado, e fiquei maravilhado. Eu a contratei porque acho que ela é um gênio. Amo o que ela representa cultural e musicalmente", disse Turner.

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Mvula disse a Turner que estava pensando no R&B dos anos 1980 e que queria fazer experiências com colaboradores. Ela admite agora que suas ideias eram nebulosas: "Eu não parava de dizer que queria fazer um disco que me fizesse dançar, mas isso era mentira. Eu não tinha planos reais. Não tinha esboços, não tinha nada. Eu só estava tentando transformar essa ideia em realidade".

Com a ajuda da Atlantic, Laura Mvula tentou sessões de composição que, segundo ela, eram "como um encontro rápido". Nenhuma deu certo até que Turner sugeriu Dann Hume, produtor da Nova Zelândia que acabou se tornando coautor e coprodutor do álbum inteiro, ao lado de Mvula. "Eu não fazia ideia de que minha vida mudaria", comentou Hume por telefone, do sul do País de Gales.

Mvula montou um estúdio caseiro em seu closet em Londres. "Um dia, eu disse a mim mesma que, quando entrasse naquele armário, deveria fazer uma coisa que me libertasse. Parei de pensar e decidi: não vou definir uma paleta orquestral com determinadas texturas; não vou tocar no teclado só os acordes e as vozes de que gosto; não vou tocar mais as formas que me são familiares; vou tocar a primeira coisa que vier à minha cabeça".

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Essa primeira coisa foi a linha de baixo de "Safe Passage", a abertura do álbum: uma celebração da superação e do prazer compartilhado. "Fiz isso de maneira muito rudimentar. Peguei o dedo indicador e 'dum-dum-dum'", disse Mvula, batendo em um teclado imaginário e cantando algumas notas graves sincopadas. "Então, estive diante de uma armadilha: eu realmente queria que fosse um som quente. Só quando terminei foi que pensei: isso parece coisa dos anos 1980. Esse é o caminho que vou explorar, um mundo sonoro".

Ela começou a trabalhar as faixas no estúdio, Hume ficou entusiasmado e o álbum deslanchou. "Eu sabia que ela queria fazer algo grande e ousado. Ela deixou claro desde o início que não queria passar por caminhos que já conhecia. Aceitei isso e nunca olhamos para trás", contou ele.

A produção de Pink Noise – termo técnico para o som sibilante do ruído branco, que mistura todas as frequências, mas com os graves intensificados – revela-se na bateria estridente, nos tons reluzentes do teclado e na imersão espacial do pop dos anos 1980.

Há muita nostalgia na nova música de Mvula. "Você me ouve como meu eu de 14 anos ouvindo soul e R&B do fim dos anos 1980 e do início dos anos 1990", observou, acrescentando: "E você pode dizer que muitas canções desse álbum são música negra, seja lá o que isso signifique. Antes, eu estava dissociada da música negra porque escrevia para cordas e metais. Acho que eu estava inconscientemente querendo acabar com isso e me perguntava: por que me coloquei nessa caixa?"

Ainda assim, Pink Noise não é uma mudança completa de rumo. Os instintos musicais de Mvula persistem, com linhas melódicas irregulares e saltitantes, equilibradas sobre a batida, com contrapontos não muito dissonantes e o uso inesperado de harmonias vocais. "A cabeça da Laura é assim. Ela tem um grande conhecimento musical, mas sempre quer abordá-lo de um ângulo diferente. Se ela sabe como fazer, perde o interesse. Só quer fazer algo que a obrigue a ir mais longe", concluiu Hume.

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