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Na China, guerra comercial com EUA divide opiniões

Embora admirem o estilo de vida americano, chineses consideram que política comercial do governo Trump prejudica ascensão de Pequim

Por Amy Qin
Atualização:

PEQUIM - Qi Haohan descreve com orgulho as vezes em que saltou e fez piruetas com dançarinos americanos em palcos de toda a China, e considera uma de suas principais influências o bailarino Daniil Simkin, um dos nomes principais do American Ballet Theater. Mas, indagado a respeito da guerra comercial entre China e Estados Unidos, vemos evaporar a admiração de Qi pelos americanos.

"A decisão dos EUA de aumentar as tarifas resultará apenas na destruição do próprio país", disse Qi, 25 anos, dançarino do Balé Nacional da China. "A China está totalmente pronta para responder".

A cultura americana é tão parte da chinesa que, para os especialistas, seria impossível um boicote aos produtos do país. Foto: Andy Wong/Associated Press

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As opiniões de Qi são um exemplo das atitudes complexas e às vezes contraditórias em relação aos EUA que vemos em toda a China - um relacionamento de amor e ódio que apresenta um desafio incomum para o Partido Comunista e seu líder, Xi Jinping, enquanto tentam defender a própria imagem em casa em meio à cara guerra comercial.

A opinião pública dividida - e a ambivalência em relação aos americanos, mesmo entre seus fãs (e críticos) mais ardentes - dificulta para Pequim uma reação dura contra os EUA. Mas, se o governo chinês fizer pouco, corre o risco de parecer fraco.

Faz tempo que os chineses observam os americanos com admiração, sonhando com seus arranha-céus reluzentes, centros financeiros e poderio militar sem paralelo. Entretanto, cada vez mais, eles veem nos EUA um rival estratégico - uma perspectiva mobilizada em parte pelo orgulho com a ascensão da China, e também pela propaganda do partido, que há tempos retrata os EUA como país hostil e imperialista que tenta frear a China.

"Agora, a China tem a mentalidade do Número 2", disse o analista Yun Sun, do Stimson Center, em Washington. "Para o número 2, é apenas natural o desejo de sobrepujar o número 1".

Mesmo no autoritário sistema político da China, a opinião pública deve ser administrada com cuidado. Se os líderes levarem longe demais a mensagem antiamericana, corre-se o risco de um sentimento nacionalista que pode fugir ao controle.

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Ainda que a China tenha maneiras de sustentar a própria economia, muitos temem que o país não esteja preparado para um impasse prolongado. Isso pode ser um tiro pela culatra para o partido, que aposta sua legitimidade no contínuo crescimento econômico.

Por outro lado, se os líderes chineses agirem com demasiada cautela, podem parecer ineptos diante de uma população local que, nos últimos anos, tornou-se mais confiante em relação ao status da China enquanto potência ascendente.

O antigo olhar entusiasmado que muitos chineses adquiriam ao falar dos EUA deu lugar a uma admiração mais realista, ou até desilusão, agora que as pessoas conhecem melhor os EUA e os problemas do país ficaram mais evidentes.

De acordo com a mais recente pesquisa de opinião de alcance nacional realizada pelo Pew Research Center, publicada em 2016, 45% dos chineses consideravam o poder e a influência dos americanos uma grande ameaça ao seu país, uma alta em relação aos 39% observados em 2013. Mais da metade dos chineses disse acreditar que os EUA tentavam impedir que a China se tornasse tão poderosa quanto eles, de acordo com a pesquisa.

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Essa tendência pode ter se acelerado no passado, que viu as duas maiores economias do mundo se enfrentarem em uma prolongada guerra comercial e em uma disputa envolvendo a Huawei, gigante chinesa das telecomunicações. Os EUA também ampliaram as restrições a vistos para estudantes chineses e especialistas visitantes, medidas que seriam voltadas ao combate ao roubo de propriedade intelectual e à espionagem.

"Não temos medo. A China tem dinheiro", disse Amanda Lin, 36, em um Starbucks de Pequim. Ela disse que a manufatura chinesa para a qual ela trabalha foi duramente atingida pelas tarifas mais recentes. "Talvez seja necessário um pequeno sacrifício no curto prazo, mas, se não lutarmos, o sofrimento será maior no longo prazo", disse ela.

A cultura americana é tão parte da chinesa que, para os especialistas, seria impossível um boicote aos produtos do país, como a China fez com produtos do Japão e Coreia do Sul quando as tensões com esses países se elevaram. Muitos chineses adoram seus iPhones e as lagostas importadas de Boston, e são fãs de programas americanos de sucesso como House of Cards e "Modern Family".

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Para os especialistas, a liderança do partido está se preparando para um período prolongado de concorrência com os EUA. Alguns dizem que, para preparar o público para esse futuro, será necessário um ajuste na crescente confiança cultural da juventude.

"A geração mais velha de chineses respeita e teme os EUA, fomos criados pensando que os americanos eram superiores, e nós, os azarões", disse Wang Xiaodong, um escritor nacionalista. "Mas, para os jovens chineses, a perspectiva é diferente. Eles não respeitam nem temem os americanos". / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

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