Na Cisjordânia, uma correlação entre paz e crescimento econômico

Novas gerações de palestinos focam as atenções em necessidades pessoais, como emprego, em detrimento de aspirações nacionais coletivas

PUBLICIDADE

Por Isabel Kershner
Atualização:

BILIN, CISJORDÂNIA - Recentemente, Muhammad Abu Rahma voltou ao local onde manifestantes palestinos e soldados de Israel costumavam entrar em confronto semanais, que tornaram a aldeia o símbolo da resistência contra a ocupação israelense. Mas, desta vez, ele ia fazer um piquenique com a esposa e os três filhos.

Abu Rahma cumpriu pena por três condenações em razão de suas atividades no ápice dos protestos. Mas agora, aos 33 anos, ele tem uma família e um emprego de lixeiro. "As pessoas querem dinheiro para viver, e querem autorizações", afirmou, referindo-se às permissões para trabalhar em Israel, onde podem ganhar o dobro do que ganham nos territórios palestinos. A agência israelense para assuntos civis palestinos já emitiu 86 mil autorizações, o maior número já registrado.

Abdallah Abu Rahma, outrora líder de protestos contra israelenses, agora usa os canais oficiais para defender os palestinos. Foto: Samar Hazboun para The New York Times

PUBLICIDADE

Ao que tudo indica, a experiência de Abu Rahma confirma a correlação entre o crescimento econômico e a paz - a lógica em que se baseou a recente conferência econômica do governo Trump em Bahrain, com a finalidade de mostrar os benefícios econômicos que esperam os palestinos desde que assinem o plano de paz do presidente americano, ainda não homologado.

Para muitos palestinos, no entanto, a trégua dos protestos tem mais a ver com o desespero do que com o otimismo econômico. Eles atribuem a calmaria ao cansaço da guerra, que provocou um número excessivo de mortos, feridos ou presos, mas poucas conquistas. 

Há também a desesperança depois de cinco anos de impasse nas negociações de paz, da intransigência de Israel e do que muitos palestinos consideram a displicência da própria liderança. Além disso, eles desistiram em grande parte da ajuda dos Estados Unidos, uma vez que o governo Trump é favorável a Israel.

Cientista político da Universidade Birzeit na Cisjordânia, Ghassan Khatib afirmou que a visão de um Estado palestino independente ao lado de Israel parece fora da realidade para a nova geração.

"Pelo fato de não haver claras aspirações nacionais coletivas, os palestinos voltam suas atenções para as perspectivas individuais, pessoais, como um emprego e a melhoria das condições de vida".

Publicidade

A Autoridade Palestina em geral não encoraja o confronto direto com Israel. Sua coordenação da segurança com Israel, ponto fundamental dos acordos de paz de Oslo dos anos 1990, não só contribui para prevenir os ataques contra Israel, como também ajuda a autoridade a reprimir os rivais militantes islâmicos.

Os palestinos da Cisjordânia também olham para Gaza, onde no ano passado, marcado por protestos ao longo do muro na fronteira, houve um grande número de mortes e poucos avanços para melhorar suas condições. Poucos veem alguma vantagem em pôr em risco a própria estabilidade em nome de um objetivo abstrato.

Muitos contraíram empréstimos para se casar, ou para comprar uma casa ou um carro; além disso, na Cisjordânia, a falta de pagamento ou um cheque sem fundos pode levar à prisão.

"As pessoas começaram a falar mais na própria situação econômica do que na resistência", explicou Muhammad Abu Latifa, que vive no campo de refugiados de Kalandia e passou sete anos na cadeia depois que ele, então com 17 anos, e dois amigos esfaquearam um civil israelense em um bairro de Jerusalém. Agora, aos 26, Abu Latifa estuda na universidade de Birzeit e disse estar feliz pelo fato de sua vítima ter sobrevivido.

PUBLICIDADE

Ele criticou a autoridade Palestina por manter monopólios que, em sua opinião, favorecem o aumento dos preços e o nepotismo. Abu Latifa acrescenta que tais problemas, juntamente com a impopular cooperação pela segurança, fazem muitos sentirem que, "antes de confrontar os israelenses, devem confrontar a Autoridade Palestina".

A mudança é concreta. O local dos protestos em Bilin foi transformado em um parque. Na vizinha Nilin, onde antes soldados caçavam jovens palestinos que estavam armados com estilingues, foi construído um novo Banco da Palestina, em frente a uma loja de roupas modernas. E no populoso campo de refugiados de Kalandia, Halima Abu Latifa teve dificuldade para lembrar quando ocorreu o último confronto violento.

Entretanto, para um oficial israelense de alta patente, que pediu para não ser identificado, a Cisjordânia continua instável.

Publicidade

Abdallah Abu Rahma, 48, um dos fundadores do movimento de resistência de Bilin, conta que em lugar de desistir, ele preferiu cuidar de outras preocupações. Agora, tem um emprego administrativo em Ramallah, onde dirige uma comissão que defende os palestinos contra a ameaça dos confiscos de terras e as demolições israelenses.

"Agora, nós protestamos trabalhando a terra, cultivando fazendas, construindo estradas, linhas elétricas, uma creche e um parquinho", afirmou. "É um tipo de superação diferente, nós encorajamos as pessoas a permanecerem na terra". / TRADUÇÃO DE ANNA CAPOVILLA

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.