No processo de edição, a confiança na leitura pelos ouvidos

Judith Girewich, editora da Others Press, hospeda autores em sua casa por dias seguidos; eles leem para ela em voz alta os respectivos manuscritos

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Por John Williams
Atualização:

Existe um clichê entre os editores de livros segundo o qual “os editores não editam mais”. Pode ser exagero, mas é improvável que qualquer editor tenha um processo tão íntimo quanto o que Judith Girewich, a editora da Other Press, frequentemente emprega. Gurewich não é uma editora comum. Ela cresceu na Bélgica e veio para os Estados Unidos com um diploma de advogada. É Ph.D. em sociologia, com uma tese sobre a obra do psicanalista francês Jacques Lacan. Acabou se tornando analista lacaniana e ainda pratica em meio período.

Judith Gurewich é uma amante da conversação enérgica, inquiridora e arrebatadora. Durante uma discussão sobre os princípios exotéricos de Lacan, ela levantou o seu olhar penetrante e disse: “O coração é inimigo da mudança”. O romancista britânico Rupert Thomson a definiu como “uma personalidade totalmente independente, uma força da natureza”.

Judith Gurewich utiliza seu profundo conhecimento da psicanálise para editar os manuscritos dos autores. Ela dá feedback sobre os livros usando um método 'primitivo'. Foto: Daniel Dorsa / The New York Times

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Ela leva a intensidade da personalidade para o seu processo único de edição, auditivo, hospedando os autores em sua casa em Massachusetts por dias seguidos, durante os quais eles leem para ela em voz alta os respectivos manuscritos. “Pensei: ‘Meu Deu, vou ficar prisioneiro da minha editora’”, disse Michael Greenberg comentando o convite. “Nunca estive em uma situação como esta”.

Na época, ele trabalhava em Hurry Down Sunshine, um livro de memórias sobre o transtorno bipolar do filho. Quando começou a interpretar o seu texto à mesa de jantar de Judith, em 2007, durante uma sessão de cinco a seis horas diárias por três dias, lembra que achou o processo “um tanto quanto maluco” “Judith dizia, vez por outra: ‘Tem alguma coisa errada aqui’. E fechava a cara”, disse Greenberg. No começo, ele se mantinha na defensiva quando Judith dizia que havia um problema no que estava ouvindo, dizendo que não sabia do que ela estava falando. “Mas ela nunca voltava atrás”.

Judith definia suas interrupções como reações físicas e, ao mesmo tempo intelectuais, mais do que isso, até. “Quando o meu estômago intervém, paro a leitura”, dizia. “Pergunto o que aconteceu. Minha função não é interpretar”. E costumava ressaltar que não estava ali para oferecer soluções, mas para identificar problemas. “Eu preciso mostrar a defesa que está bloqueando o desejo”. E continuou: “Nunca coloco o meu desejo no lugar do deles”.

Quando criança, Judith começou a narrar sua própria vida na terceira pessoa. “Não é porque sou inteligente” que o processo de edição funciona, disse. “É porque sou incrivelmente primitiva”. Quando ouve um autor lendo um manuscrito, acrescentou, “esqueço quem eu sou. Entro no texto”. 

“Judith me fez sentir tenso e ao mesmo tempo relaxado”, afirmou Greenberg. “E tanto a tensão quanto o relaxamento vinham da qualidade da sua atenção. Era uma espécie de autoconfronto e não um confronto entre nós dois. Eu tinha de confrontar-me com as coisas como se estivesse diante do analista. Ela me incitava a fazê-lo”.

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O resto da visita é repleto de afabilidade. “Ela recebe as pessoas com uma hospitalidade maravilhosa”, contou Greenberg. “Elas são acolhidas no seio da sua vida familiar e da sua vida social. Há um jantar especial todas as noites”.

Thomson, o romancista, disse que lê os seus textos em voz alta quando está sozinho, mas que ler para Judith é “algo muito mais puro, mais forte desse mesmo processo”. Ele contou que fica “ligeiramente confuso” na hora de tentar estabelecer a diferença, mas que pode senti-la. “Há, inclusive, menos espaço para enganar a si próprio quando há duas pessoas na sala”, observou. “Ou talvez não haja espaço algum”./ TRADUÇÃO DE ANNA CAPOVILLA

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