Ruas mais vazias por conta do coronavírus trazem grafite de volta a Nova York

O lockdown e o consequente aumento no desemprego criaram condições ideias para o aparecimento de novos grafiteiros

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Por David Gonzalez
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NOVA YORK - Os anos setenta ligaram. Eles querem suas paredes de volta.

Enquanto a maioria dos nova-iorquinos aceitou com má vontade o lockdown da cidade de Nova York em março, uma comunidade o abraçou com entusiasmo: os grafiteiros. Ruas comerciais desertas com portas fechadas ofereciam milhares de telas em branco para rápidas tags (assinatura personalizada de um grafiteiro) ou projeções, enquanto murais decorativos em bairros gentrificados recebiam jatos de tinta à medida que as ruas traduziam uma crítica definitiva.

Grafite no bairro do Bronx, Nova York. Foto: David Gonzalez/The New York Times

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De South Bronx a East New York, surgiu uma nova geração de grafiteiros, muitos dos quais nunca pisaram em um pátio de trens ou dentro de um vagão de metrô. Mas como os primeiros taggers que cresceram em uma cidade assolada pelo crime, sujeira e cofres vazios, a geração de hoje está lidando com seus próprios medos em relação aos efeitos devastadores do novo coronavírus nas comunidades e na economia.

“A arte dita os tempos ou os tempos ditam a arte?” disse John Matos, 58 anos, um grafiteiro conhecido como Crash, que começou na década de 1970. “Antes, as ruas eram higienizadas, com peças bacanas e legais, e feitas com autorização. Agora, estamos de volta às raízes.”

Em sua época, tagging era uma arte perigosa - e ilegal - feita sob o manto da noite, enquanto grafiteiros pulverizavam vagões inteiros do metrô de cima a baixo. Para muitos nova-iorquinos, foi a marca registrada de uma cidade em declínio, uma visão mais tarde reforçada pela abordagem de controle da "teoria das janelas quebradas”. Muitos artistas daquela época passaram a exibir seus trabalhos em exposições em galerias ou em murais comerciais em meados da década de 1980, quando a cidade começou a atacar agressivamente o que era considerado vandalismo. Em 1989, a Autoridade Metropolitana de Transportes (MTA, na sigla em inglês) declarou vitória sobre o grafite (embora nos últimos anos alguns vagões inteiros tenham sido pintados clandestinamente, levando as autoridades municipais a aumentar a segurança).

Nas décadas seguintes, a arte de rua - murais encomendados por proprietários e empresas ou feitos por coletivos em bairros gentrificados - tornou-se moda à medida que a cidade vivia um boom econômico e populacional. E embora o grafite nunca tenha desaparecido completamente, nas últimas semanas ele se tornou cada vez mais visível em toda a cidade. O aumento dele é, para muitos residentes, um sinal indesejável da recente turbulência econômica, especialmente para os proprietários que assumem um trabalho interminável de tentar apagar tudo.

“Tudo começa e termina com angústia”, disse Matos, 58 anos, filho de um pregador evangélico que cresceu no bairro de Mott Haven, no Bronx. “A angústia dos adolescentes sempre será provocada. Sempre equiparei o grafite com a música, como a forma como Stevie Wonder escreveu canções políticas. O que está acontecendo nas ruas é uma resposta às coisas. ”

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As peças de hoje são tão ousadas - e ilegais - quanto as de quatro décadas atrás. Henry Chalfant, um coprodutor do documentário sobre grafite de 1983, Style Wars (Guerra de Estilos, em tradução livre), disse que é apenas parte da paisagem para ele. Ele observou que, à medida que o grafite no metrô diminuía, mais artistas passaram a pintar muros, que pintavam sem permissão.

“É mais do que apenas divulgar seu nome agora”, disse Chalfant, que publicou o livro Subway Art (Arte do Metrô, em tradução livre) com a fotógrafa Martha Cooper. O livro é um arquivo definitivo da arte efêmera.

“Isso é realmente diferente depois que os trens acabaram e os antigos reis pararam de pintar? As pessoas simplesmente saíram e grafitaram”, disse ele. "E eles ainda estão fazendo isso."

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O lockdown - especialmente quando a MTA anunciou o funcionamento com horário reduzido - ecoou o apogeu do grafite no metrô há cerca de 40 anos, quando os artistas aproveitavam as tempestades de neve que deixavam dezenas de trens sem vigilância parados durante a noite nos túneis. E embora usar uma máscara talvez possa ter parecido estranho há seis meses, ninguém pensa isso agora, tornando mais fácil pintar, apesar da presença quase universal de câmeras de vigilância.

As preocupações com o vírus, assim como a morte de George Floyd e outros nas mãos da polícia, foram refletidas nas peças que apareceram pela cidade. Mas muitas das novas tags na cidade são, aparentemente, apolíticas, embora o mero ato de escrever em uma parede seja uma declaração política em si.

Alguns dos grafites mais recentes foram inspirados pela morte de George Floyd e outros episódios de violência policial. Foto: David Gonzalez via The New York Times

“A questão da quarentena é que as pessoas se sentem impotentes porque a vida e as atividades diárias estão muito diferentes”, disse Eric Felisbret, autor de Graffiti New York, que se dedicou à arte do aerossol quando adolescente no Lower East Side. “Eles não podem controlar nada. Mas eles podem sair e grafitar - isso é algo que eles podem controlar.”

Parte do que pode ser visto hoje cobre uma variedade de estilos, desde tags simples e cinéticas que se parecem com um eletrocardiograma até grandes letras em formato de bolha com contornos grossos e preenchimentos brilhantes ou brancos. Alguns respeitam as influências do passado, como uma figura rechonchuda que apareceu recentemente no South Bronx que lembra as ilustrações clássicas de quadrinhos underground de Vaughn Bode dos anos 1970, que influenciaram as gerações anteriores.

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Na década de 1970, os policiais vigiavam lojas de ferragens onde jovens grafiteiros furtavam tinta spray e ensinavam uns aos outros compartilhando cadernos pretos cheios de designs. Hoje, a tinta pode ser encomendada on-line. E em vez de comparar designs com outros no famoso Writer’s Bench na estação de metrô 149th Street-Grand Concourse, arquivos de trabalho e vídeos com instruções são facilmente encontrados on-line.

"Alguns desses nomes são difíceis de acompanhar", disse Felisbret. “Mas também há alguns veteranos por lá. Encare a realidade, para um grafiteiro, ver aquelas portas fechadas é tentador.” / TRADUÇÃO DE ROMINA CÁCIA

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